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Tia Vera: memórias de um arroz de forno, bife acebolado, macarronada e das Lojas Americanas

Redação
10/04/2025 16:50
Por André Bezerra
A Tia Vera é irmã da minha mãe. Ao todo, meus avós - Lélio e Jandira - tiveram seis filhos. A Tia Vera veio ali pelo meio e, ainda por cima, na mesma “fornada” junto com o Tio Mário, gêmeo dela. Forte como todas as mulheres da minha família, ela é falante, sorridente e amorosa com todos, principalmente os sobrinhos. Tia Vera nunca se casou ou teve filhos. Talvez esta seja uma das razões porque ela curte cada sobrinho, como se fôssemos filhos dela também.
Uma das minhas recordações mais vivas da primeira infância é de quando o meu aniversário se aproximava. Uma semana antes da data, minha Tia me apanhava em casa e passávamos uma tarde inteira juntos. Íamos no carro dela até o centro de Londrina, minha cidade natal. Ela me deixava ir na frente no carro dela, diferente dos outros adultos que me obrigavam a viajar no banco de trás. A Tia Vera buzinava para meia Londrina. A outra metade da cidade buzinava para ela. Acho que não gostava de usar a seta, parava de repente no meio da pista ou avançava sobre os outros carros. Enquanto os motoristas xingavam, ela dizia, entre gargalhadas divertidas: “A Tia não viu aquele carro grande!” E eu me divertia junto. Íamos à Mesbla ou às Americanas. Na seção de brinquedos, eu escolhia um presente e ela mandava embalar com capricho, mas não me entregava. No dia do meu aniversário, era o presente da Tia Vera que eu aguardava com mais ansiedade.
As Lojas Americanas tinham daquelas lanchonetes que a gente atravessava por uma catraca e sentava num banco alto, diante de um longo balcão em forma de “U”. Ali, a Tia Vera me deixava pedir tudo o que eu amava. Lembro que eles serviam estes sanduichinhos, uma espécie de bauru cortado em triângulos. Ele chegava arranjado como uma pirâmide e uma bandeirola sinalizava o nome do lanche, não lembro ao certo. Talvez “Clube Americano”. Eu também pedia suco e milk shake até não aguentar mais. Encerrávamos o nosso lanche com sundae ou banana split e eu sempre voltava para casa carregando um pacote de bombons ou salgadinhos. Era “o máximo”, como ela mesma costuma dizer. Ela repetia a programação com cada sobrinho quando chegava perto do aniversário, do dia das crianças e do natal.
Adolescente e já vivendo em Curitiba, eu voltava pra visitar os amigos em Londrina frequentemente e me hospedava com a Tia Vera e o meu avô, que moravam juntos. Com meus amigos, eu revirava as madrugadas. Nós deixávamos que a noite nos abocanhasse para, depois, nos mastigar com seus dentes macios e devolver como se fôssemos chiclete ou fumo de mascar.
Lembro-me de despertar tarde na casa da Tia Vera, com o aroma do bife sendo preparado na frigideira. O bife acebolado dela, com batatas fritas e um simples arroz branco e salada de tomate e cebola, eram o ponto alto do meu dia e, acredito, do meu avô. Entre uma garfada e outra, ele adorava ouvir minhas mentiras boêmias. Do alto da sabedoria dele, dava corda e fingia acreditar em tudo. A Tia Vera entrava e saía carregando a gelatina colorida com creme e o café do Vô Lélio.
Além do bife e do macarrão que eu nem contei, havia outro prato que a Tia Vera preparava e eu gostava tanto que aprendi a cozinhar: o Arroz de Forno. Ela cozinhava o arroz e, em outra panela, puxava cebola, alho, linguiça calabresa cortada em cubos, cenoura ralada e milho verde, tudo muito bem temperado. Depois, misturava tudo junto com o arroz, passava para uma travessa de vidro e ia intercalando com cheiro verde e fatias de queijo no meio e em cima, cobrindo tudo. Finalmente, levava a travessa ao forno e você não pode imaginar o aroma e o sabor daquele arroz. Eu e o meu avô nos entendíamos enquanto apreciávamos aquela receita exclusiva, entre reminiscências do passado dele e expectativas sobre o meu futuro.
Éramos tão diferentes nas nossas distintas gerações, mas muito próximos diante de uma boa mesa, um bom prato. Dele, creio que herdei um pouco do jeito observador e contemplativo, a capacidade de apreciar uma boa refeição. Da Tia Vera, não sei, ela segue me surpreendendo, a gente nunca sabe o que virá. Mas sou grato por todo amor dela, o jeito divertido. Agradeço por todos os bifes, o macarrão e, sobretudo, aquele arroz de forno que eu aprendi a preparar igual ao dela.
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