Bom Gourmet
Chefs ensinam dicas e receitas de sopas, caldos e cozidos
Um acalento à alma. Se há uma categoria de pratos que representa bem a união da gastronomia com a poesia, ela seria a de sopas e cozidos. O líquido fumegante, a proteína, os temperos, tudo tem um quê de poético, de comfort food. São as lembranças daquela sopa de feijão tão bem feita pela mãe nas noites de inverno ou aquele cozido com carnes e legumes que ficava no fogo por horas, perfumando toda a casa.
A chef Gabriela Carvalho, do Quintana Restaurante, tem dois pratos que a fazem reviver bons momentos. Um delas é a ton yum goong, uma sopa que consumiu em viagem à Tailândia. “Era quente, cítrica e picante. Tinha um sabor especial”, diz. Outra é a bisque de camarão que tomava quando morou na Nova Inglaterra. “Eu lembro que, quando trabalhava muito, me presenteava com ela”, recorda.
As sopas também valem como recordação para o chef Roberto Mello Pereira Filho, do Volta do Mundo Massas Criativas. “O pho bo (caldo com macarrão de arroz e carne) era o café da manhã dos vietnamitas. Depois que fui pra lá e conheci, sempre faço”, diz.
Equação
O acalento também vem do calor dessas preparações, que não se deve apenas aos líquidos quentes. É a gordura o segredo dessa equação. Isso porque ingredientes gordurosos, como queijo e carnes gordas, elevam a temperatura do corpo e o deixa mais quente por mais tempo. “É só ver a gastronomia de países mais frios, como a Suíça, com seus fondues e queijos”, explica o chef Flávio Frenkel, da Anis Gastronomia e Anis Presto.
Um exemplo de preparação é o bollito misto, um cozido piemontês que leva linguiça fresca, músculo e língua, além de cebola, cenoura e salsão. “Há algumas variações, com cotechino (embutido italiano) e zampone (pé do porco desossado e recheado)”, explica. Flávio diz que, tradicionalmente, esse é um prato que começa a ser preparado logo cedo pelas famílias. “Os cozidos são receitas populares de lá. No passado as pessoas misturavam cebola, cenoura, salsão, erva-doce e carnes, deixavam no fogo à lenha e iam trabalhar. Quando voltavam, agregavam batatas e outros ingredientes para comer mais inteiros”, ensina.
Além da Itália, a França é outro país que aprendeu com o frio e nos presenteou com pratos quentes. O cassoulet e a sopa de cebola são dois deles. O chef Gustavo Alves, do L’Epicerie, explica que o intenso frio na França contribui para que aquela culinária tenha ótimos pratos para manter o corpo aquecido ou para reaquecer após um dia de trabalho e frio. No caso da sopa de cebola, a “cota” de gordura corresponde ao queijo emmenthal e à manteiga. O cassoulet é composto por proteínas que dão sustância, como o pato (confitado) e o paio.
Outros ingredientes, como pimenta, gengibre e até o curry também esquentam, mas até determinado momento, explica Flávio, da Anis. Tanto que países muito quentes também os consomem. “No frio, o corpo pede mesmo é gordura”, completa.
Técnicas
As sopas e os cozidos são pratos democráticos. Na verdade, podem ser feitos com qualquer ingrediente que estiver à mão. Mas, no caso das sopas, é preciso atenção à base, ao caldo – seja de carne ou legumes. “Um bom caldo requer paciência”, ensina o chef Roberto. “Para retirar todo o sabor da proteína, um caldo de carne demora cerca de oito horas para ficar pronto”, diz. Quando ele quer um caldo claro, coloca as carnes e o mirepoix (mistura de alguns legumes como cenoura, salsão e cebola) juntos na água. Quando quer o caldo escuro, as carnes são refogadas antes de entrar a água. O caldo de galinha demora cerca de duas horas para ficar pronto. O de legumes, em que ele usa ervas e especiarias como cravo, canela e anis estrelado, uma hora. Uma dica é fazer uma grande panela de caldo e congelar, usando-o depois nas sopas e risotos.
Outra dúvida que pode surgir é quanto ao cozimento dos legumes e verduras. Por ordem de maior tempo de cozimento, estão cenoura, batata, salsão, chuchu, batata doce e batata salsa. Flávio explica que normalmente coloca cebola, cenoura, salsão e a carne para cozinhar juntos. Quando estão cozidos, acrescenta outros ingredientes e simplesmente abafa até esfriar. Assim, é possível congelar (depois de frio). Ao fazer o reaquecimento, eles terminam o cozimento, mas sem perder a textura “al dente”.
As leguminosas secas também rendem ótimos caldos e sopas. Gabriela Carvalho, que lembra que 2016 foi eleito o ano das leguminosas pela FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations), recomenda que elas sejam deixadas de molho de um dia para o outro em temperatura ambiente. Isso as deixa mais amolecidas e ajuda a diminuir os fitatos, que são os antinutrientes nelas presentes. Essa hidratação pode ainda ser aromatizada com galhos de alecrim, folhas de louro (sem excesso), sálvia, losna (para acrescentar um certo amargor) e especiarias variadas. O tomilho pode entrar fresco na finalização.
Para engrossar as sopas também existem alguns “agentes”. Gabriela cita o caso do purê de banana verde que, além de saudável, era usado pelos índios. Ela lembra ainda do pão de tomate seco moído que usa para engrossar a bisque. Roberto lança mão da tradicional nata (creme de leite fresco) e do roux – preparação que leva manteiga e farinha na mesma proporção, feita à parte e adicionada à sopa. Em alguns casos, como na sopa de pinhão e de feijão, o próprio ingrediente base dá a cremosidade.
Confira algumas receitas:
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Primordial e universal
As sopas, caldos e cozidos também representam a cultura de um povo. O que dizer da borscht, sopa de beterraba da Rússia; do caldo verde de Portugal e do missoshiro do Japão? O Brasil, com seu tamanho continental, tem várias receitas com essas características: sopa de feijão, tacacá e de pinhão são algumas delas.
“A sopa pode ter sido a primeira ‘receita’ inventada pelo homem”, diz Lizandra Magon de Almeida, que escreveu o livro A Vida é Sopa, da Pólen Editorial. “A sopa exige uma variedade de ingredientes e é possível – isso é o que se especula, não há uma confirmação científica – que essa junção de carne e vegetais cozidos em água tenha sido a primeira receita, no sentido de combinação de ingredientes”.
No Brasil, lembra, há uma infinidade de caldinhos, como o de feijão, servido em todo o país, até os caldos com ingredientes específicos, como o sururu (um tipo de molusco) no litoral do Nordeste, o de mocotó no interior do Nordeste, e tantos outros. “Brasil afora tem sopa de tudo o que se pode imaginar. Como temos uma variedade muito grande de legumes e raízes, dá pra inventar de tudo e ter uma refeição bem completa”.
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