Bom Gourmet
Um passeio pela história e costumes: conheça cinco bares tradicionais que explicam Curitiba
O Casa Velha, no Abranches, aberto desde 1927. Gilson Camargo
Toda cidade que se preza tem seus bares fundamentais que explicam a dinâmica da vida local melhor do que qualquer discurso oficial. Em Curitiba, as mesas e balcões de alguns desses estabelecimentos guardam a memória social da cidade por demonstrarem como foram construídos usos e costumes boêmios reconhecidos no Brasil e dos quais as pessoas locais se orgulham.
Além disso, a cartografia dos bares tradicionais ajuda a explicar a lógica de ocupação do espaço e transformações urbanas ocorridas ao longo de décadas. O Bom Gourmet apresenta abaixo cinco bares essenciais de Curitiba, com idades que variam entre quatro e dez décadas de atuação ininterrupta.
Locais que mantiveram suas “atmosferas” e seus cardápios o mais perto possível de suas versões originais, e assim contribuem para a construção da identidade cultural da cidade. Nestes botecos tipicamente curitibanos, reflete-se a alma da cidade que eles ajudaram a moldar – coisa que não se improvisa, pois é um esforço coletivo que demanda tempo e algumas coisinhas a mais.
Bar Mignon
Em 2025, o Bar Mignon completa 100 anos, e Curitiba precisa celebrar. Ninguém conta tão bem sua história como o pequeno (daí o nome) bar da família Amatuzzi no Centro. Nos anos 1920, foi um café familiar. Nos anos 1930 e 1940, seus sanduíches matavam a fome das multidões que saíam dos muitos cinemas da área. "O pessoal já deixava tudo preparado, pois tinha fila para comer", conta Paulo Cordeiro, atual proprietário e representante da terceira geração da família no balcão. O Mignon foi o primeiro bar a funcionar 24 horas e virou ponto de encontro de músicos num centro cheio de boates e clubes bancados com o dinheiro do café nos anos 1950.
Com a criação do calçadão da rua XV, em 1972, ganhou o quiosque em frente e virou ponto turístico. Único bar que tem um léxico próprio ("vina solteira, cachorro pelado, salada molhado"), segue uma das melhores opções de almoço honesto: a meia-salada com bife a R$ 25 é tudo o que o um trabalhador precisa e merece.
O carro chefe, porém, são os sanduíches que, em seu turno, o chapeiro Johnatan Ramos prepara às centenas enquanto vê a cidade passar. “É muito melhor que ficar trancado na cozinha. Aqui dá para interagir com as pessoas enquanto trabalho”, diz.
Não deixe de provar: os célebres sanduíches Cachorro-Quente com duas vinas (R$ 17), o Pernil com Verde (R$ 17) e o Marchand, a mistura dos anteriores criada pela casa (R$ 22), tudo com tulipa de chope da Brahma (R$ 13).
Serviço: Rua XV de Novembro, 42, Centro. De segunda à sábado, das 11 às 22h. Não tem estacionamento e aceita todos os cartões.
Maneko’s Bar
Durante a semana, o parmegiana do Maneko’s Bar disputa a preferência da clientela numa razão de 40/60 com os ótimos pratos do dia. No sábado, sem concorrência, é o pedido de 90% dos clientes, que fazem filas das 11h às 15h para provar a receita que foi doada à casa.
“Quem nos deu foi o senhor Mário Branco. Quando ele faleceu, em 2015, colocamos um quadro sobre a mesa que ele frequentava e ele fica ali nos abençoando. A receita é um sucesso nacional”, diz Manoel Alves, o Maneko.
Fenômeno de popularidade, o bar tem uma conta no Instagram com milhares de seguidores e seu prato-assinatura foi exaltado até no BBB. No mundo real, porém, o Maneko’s é um exemplo revigorante de sucesso para a região central no período pós-pandemia – muito pela eficiência da equipe comandada pelo ex-garçom que, em 1988, transformou uma loja de autopeças num bar tão elegante quanto a sua personalidade, mas, principalmente, pela capacidade de cinco cozinheiras que promovem milagres nos nove metros quadrados da cozinha do bar mais amado da cidade.
Não deixe de pedir: todos pratos e porções são caprichados, mas o carro-chefe é o parmegiana crocante com um molho rústico de tomate, cebola e azeitona acompanhado de arroz, feijão e salada em prato individual, mas que que pode servir bem duas pessoas (R$ 55 + 10%).
Serviço: Alameda Cabral, 19, Centro. De segunda a sexta, das 9h às 22h30 (almoço das 11h às 15h; pratos e petiscos das 16h30 às 20h15). Sábado, das 11h às 15h (almoço). Não tem estacionamento e aceita todos os cartões.
Super Bom
Quando abriram o Super Bom na rua São Francisco em outubro de 1983, o casal Casemiro e Inês Blaszkowski não tinha a intenção de servir refeições, apenas bebidas. O imóvel que antes era uma gráfica na antiga Rua do Fogo precisou ser adaptado com a abertura de uma cozinha a partir da insistência dos trabalhadores de uma funerária que funcionava em frente. Dona Inês assumiu o fogão e a cidade ganhou alguns dos melhores pratos feitos (R$ 19) e petiscos de boteco de sua história.
Na estufa sempre quentinha do Bar da Dona Inês, que é como os clientes o chamam, é difícil escolher entre os pasteizinhos fritos na hora (R$ 5), o pernil ao molho (R$ 12 porção com pãozinho à vontade) e o frango frito à perfeição (R$ 35 a porção).
Ao lado do filho Leandro, Inês serve a cerveja com a melhor relação temperatura/preço honesto do centro histórico e, no balcão, impera a diversidade democrática absoluta entre os fregueses.
Não deixe de pedir: de quarta-feira até a sexta-feira, o bar oferece a melhor porção de bucho frito à milanesa da região central (R$ 18).
Serviço: Rua São Francisco, 184/04, São Francisco. De segunda a sexta, das 10h às 21h. Não tem estacionamento e aceita todos os cartões.
Casa Velha
Ao contrário do que Paulo Mendes Campos (1922-1991) escreveu ("o cliente só ama o bar que já se foi"), o Casa Velha prova que é possível ter afeto profundo com um bar que se frequenta diariamente para alimentar corpo e espírito. No caso, um amor coletivo de todo um bairro, o Abranches, que se estende pela zona norte até a cidade inteira.
O bar está localizado na esquina da rua Mateus Leme com a Rodovia dos Minérios, no imóvel original de um típico armazém de secos e molhados das bordas da cidade. Dentro dele, destaca-se o balcão onde fica exposta a extensa carta de cervejas oferecida e de onde Aluísio Fernando Mikosz comanda há mais de três décadas a casa aberta em 1927.
No cardápio extenso, quase um livro, uma frase resume a proposta do Casa Velha numa manchete de jornal: "um bar que sobrevive a todos os modismos". Tudo na carta de pratos bem tradicionais pode ser pedido de olhos fechados, das carnes às caipirinhas. "É quando o simples funciona perfeitamente bem", explica o cliente Juarez Vilela.
Não deixe de pedir: a porção de Bola Cheia, seis unidades de bolinho de carne recheado com queijo provolone e acompanhado de carambola (R$ 29,90).
Serviço: Rua Mateus Leme, 5981, Abranches. De segunda a sexta, das 17h às 24h. Sábado, das 11h às 24h. Não tem estacionamento e aceita todos os cartões.
Bar Makiolka 32
Boêmios experientes quando chegam no Bar Makiolka 32 percebem que aquela esquina estava predestinada a sediá-lo. O bar criado em 1932 é a evolução do imóvel e da história do Armazém de Secos & Molhados do patriarca Theodoro Makiolka, numa das franjas da cidade no comecinho da descida da Estrada da Graciosa.
Mais de um século depois, o Bar Makiolka 32 promove o encontro diário (e respeitoso) do presente com o passado em sua atmosfera incomparável em que se destacam o chão de ladrilhos hidráulicos, os balcões de fórmica vermelha e prateleiras ancestrais.
Quarta geração da família no balcão da casa, Leandro Makiolka Marthaus aprendeu com o pai a arte de administrar o bar e de servir comida e bebida de primeira, preservando os laços com os fregueses com a tradição do espaço que já encantou influencers de gastronomia boêmia como Jotabê e Mohamed Hindi.
Não deixe de provar: Dos espetinhos às muitas marcas de cerveja, tudo é bom no Makiolka, mas os destaques são os caldos de mocotó (R$ 24,90) o pastel de camarão (R$ 8,50) e a batida artesanal de maracujá (R$ 8) produzida diariamente.
Serviço: Av. Monteiro Tourinho, 1000, Tingui. De segunda a sexta, das 15h à 24h. Sábado e domingo, das 11 às 16h. Não tem estacionamento e aceita todos os cartões.