Bom Gourmet
Um idílio gastronômico ao norte da Espanha; conheça o restaurante Asador Etxebarri
Talvez seja a grande montanha que isola o Asador Extebarri e cria a aura de um lugar especial. Talvez a localização: uma pequena vila rodeada de campo com ovelhas pastando entre casas de pedra espalhadas pela terra como pontos de um quebra-cabeça visto de longe.
Talvez o silêncio. Sem dúvida: a comida servida. É isso: um quebra-cabeça que tentamos montar para explicar porque esse lugar atrai chefs famosos, cozinheiros de toda parte e gente que só quer comer bem. E se come muito bem ali. Os clientes que passam pela porta do restaurante em Axpe – 35 por serviço – se entregam sem pressa ao prazer, sem pre pensando quando será possível voltar. Outra explicação para a atração que o lugar exerce: parece que ali o tempo se dilui e gostamos disso. Bittor Arguinzoniz, o senhor assador do restaurante que está apenas a 45 quilômetros de Bilbao, a capital do País Basco, Norte da Espanha, segue desde muito tempo do mesmo jeito: calmo e quieto, porém pronto a abrir um sorriso a quem pede atenção.
Autodidata, exigente, curioso e questionador, ele nunca para de ir atrás dos melhores ingredientes ou de querer saber porque as coisas são feitas de determinada maneira. “Eu aprendi perguntando”, revela. Ele sabe que grelhar é uma técnica que realça virtudes, mas também defeitos de qualquer produto. A técnica repetida todos os dias, há mais de 30 anos, foi sendo aprimorada aos poucos. Ele chega às sete horas no restaurante, que abre apenas para o almoço, de terça a domingo, e acende o fogo — são 60 toneladas de lenha por ano — depois busca a matéria-prima ideal, tem um tanque com água do mar inclusive, e pronto: temos a equação do sucesso resolvida. Não é tão fácil assim.
A chef Eva dos Santos estagiou dois meses lá e confirma: “É impossível reproduzir o que ele faz. Ele tem uma técnica única e é extremamente dedicado. Aproveitei cada segundo lá, é um lugar que sempre estará no meu coração”.
Senhoras moradoras nas redondezas, a esposa e o filho, servem as mesas, dão poucas explicações sobre os pratos, não seguem modismos: a comida é o que é e o cozinheiro faz o que sabe na intenção de oferecer o melhor para quem está ali no seu domínio. Todos os pratos passam pelas suas mãos. A equipe é pequena, 15 pessoas entre a pequena cozinha, com seis grelhas de diferentes alturas, e o salão. O resultado custa um enorme esforço pessoal, que pode incluir até plantar sementes crioulas, se não consegue achar o que quer. O chef sabe que, na cozinha, a seleção dos ingredientes é o que mais importa e que, sem motivação, não há nada a fazer. Criar búfalos para fazer a muçarela é um exemplo da obstinação.
Bittor Arginzoniz
Bittor Arginzoniz nasceu em Axpe e esperou dez anos para comprar o bar do vilarejo, que era também um pequeno armazém. A compra não foi fácil. Soube ser paciente, dom que exerceu e exerce quando experimenta o resultado do fogo sobre o produto. Foi assim que o bar do “pueblo” de pouco mais de 100 habitantes se conver teu no Asador sob o olhar do vale e da montanha Anboto. Depois veio a reforma e a casa foi reconstruída.
O pouco de culinária que Arginzoniz sabia era de observar a mãe e a avó na cozinha de casa quando era criança. Ele conta no livro “Joselito x Etxebarri”, recém lançado, que moravam em uma aldeia sem eletricidade, assim foi natural o conceito do restaurante: ser ao redor da brasa, com a fumaça de forma sutil e elegante melhorando os produtos. Foi assim que se propôs a dominar o fogo, por meio do tempo, da temperatura e da observação da reação dos ingredientes, sempre buscando a perfeição desde a sua abertura. Como? Por tentativa e erro.
Seguiu obstinado pela excelência. “A fumaça não pode mascarar”, ensina o assador, que usa redes metálicas, panelas especiais, utensílios desenhados por ele e produzidos por um ferreiro local para grelhar enguias, mariscos, cogumelos, carnes, peixes, vegetais e até caviar. Sem falar na traquitana inventada para defumar o leite que resulta no sorvete cremoso servido com calda de beterraba que faz quem prova querer voltar à casa.
No começo a clientela era basca que procurava um bom grelhado. Aos poucos, os chefs famosos descobriram o local – a região compete com Tóquio e Paris no número de estrelas Michelin e nas posições no ranking mais famoso: The World’s 50 Best Restaurants. A primeira entrada do Etxebarri no ranking foi em 2008, quando passou a servir menu degustação, mas ainda mantém à la carte para atender clientes fiéis. A estreia foi na 44a colocação. Pouco a pouco e sem esforço, foi subindo até o terceiro posto e receber o prêmio Estella Damm Chef’s Choice, o escolhido pelos chefs mundiais pela “influência significativa na comunidade culinária”.
Arginzoniz não falta à festa de premiação, uma das poucas exceções quando deixa o restaurante, que fecha em agosto para férias e de 24 de dezembro a 10 de janeiro. “Trabalhamos na melhoria diária para que o cliente fique satisfeito, não por listas ou reconhecimento”, diz, sem deixar de reconhecer a importância. Nos últimos anos, as reservas se esgotam rapidamente e a longa lista de espera chega a 600 nomes. Gente do mundo todo procura o lugar agora e às vezes até 100% dos clientes são estrangeiros.
Ajudas espontâneas aumentaram o sucesso do lugar, ao lado da tendência por uma “vanguarda despojada” que tomou a alta gastronomia, assim como as resenhas em jornais de grande circulação. A visita do crítico e jornalista Rafael G. Santos e do famoso Anthony Bourdain com a gravação de um programa sobre o País Basco impulsionaram a casa, que também ganhou pouco de modernização com a chegada em 2017 do sommelier Mohammed Ben Abdallah.
Apesar disso, Bittor finca o pé e mantém as raízes, no domingo, o “bar da aldeia” no térreo fica agitado. Ele abre a porta principal que dá para a praça e o local vira um local de pintxos, os pequenos bocados, é hora das azeitonas temperadas, as “gildas”, croquetes, omeletes, frutos do mar, kokotxas, as bochechas, e claro, o porco ibérico. O homem rústico está à vontade no seu “idílio gastronômico”, como o local já foi chamado.
7ª edição do Joselito Lab - 2021
Pela primeira vez na trajetória do Asador Etxebarri, jornalistas foram convidados para testemunhar um grande momento: a parceria com a marca de embutidos Joselito. Bittor Arginzoniz é o sétimo profissional a participar do projeto de pesquisa, que foi criado em 2013, chamado Joselito Lab. No projeto, os mais representativos chefs de cozinha são convidados a utilizar diferentes partes do porco ibérico, criado solto e alimentado com bellota (bolota em português, uma castanha), criando uma receita inovadora. Muito antes do convite, surgiu a amizade entre a família Gómez, produtora dos embutidos e presunto do porco ibérico e o assador.
Uma parceria antiga: foi atrás da qualidade e tradição que fez Bittor Arginzoniz chegar aos produtos da marca Joselito quando abriu a casa e foi muito além do comercial. Convidado a participar do laboratório, Bittor criou várias receitas e deu uma identidade basca ao chouriço, imprimindo as marcas do seu território. A carne foi curada com os ares da montanha, alho e sal e o “pimiento choricero” (um tipo de pimenta desidratada) vinda da horta do restaurante e depois prensada. A seguir passou pela brasa, apenas dourando rapidamente por fora e esquentando um pouco por dentro. Assim, nasceu o chouriço Etxebarri, com carne fresca Joselito. Uma iguaria servida apenas durante dois meses no ano.