Tendências
“Portinhas gastronômicas” se multiplicam em Curitiba durante a pandemia
Nenhuma projeção conseguiria antecipar o impacto da Covid-19 no setor da gastronomia em 2020. Mas o que já estava no radar dos experts em tendência era a ascensão da conveniência. Isso inclui espaços híbridos, serviços de entrega, embalagens inteligentes e tudo o que envolve a praticidade (com qualidade) no ato de comer. É o caso dos microempreendimentos gastronômicos. As "portinhas gastronômicas", que são pequenas portas de rua, sem salão ou balcão para consumo, se multiplicaram nos últimos três anos e mais fortemente na pandemia.
Aberto em março de 2018, o The Coffee foi o primeiro empreendimento curitibano a chamar a atenção do público — e de investidores. Com uma média de 4 m², o modelo, inspirado nas microcafeterias japonesas, foca na agilidade e praticidade do serviço: o pedido é feito no tablet ou no aplicativo do celular do cliente e uma única pessoa, o barista, comanda a loja. Em apenas oito meses veio a segunda unidade e hoje já são 27 espalhadas por sete cidades brasileiras e mais de R$ 28 milhões em aporte de investimento somente neste ano.
A rápida expansão é fruto do sucesso de um modelo de negócio atento às tendências, que apontam que o futuro da gastronomia é aliar conveniência e encantamento. “As pessoas querem soluções rápidas e experiências interessantes”, explica o consultor de WGSN Mindset, Stefano Arpassy. Ele explica que o contexto atual é de aceleração social e culto à produtividade, na qual os microempreendimentos representam, ao mesmo tempo, uma necessidade e um estilo de serviço que, quando focado na experiência, pode atrair uma gama ainda maior de consumidores.
“Desde o começo, a gente imaginou que nosso público seria o pessoal que gosta de pegar o café e ir para o trabalho, mais executivo. Uma surpresa foram os jovens e os influencers”, conta Luis Fertonani, do The Coffee. Isso porque não é apenas a praticidade que chama a atenção. “Design, tecnologia, arquitetura: tudo isso conta”, pontua.
Inaugurada em agosto de 2020, a Cake Door também surgiu da vontade de criar uma experiência, inspirada nas confeitarias européias. “Eu já tinha o sonho de fazer algo takeaway, com uma vitrine enorme para a rua, estilo Itália, França”, explica a proprietária Talita Gayer. Apesar de ter 30 m², não há salão: todo o espaço é dedicado à cozinha e à vitrine. O balcão dá direto para a rua, localizada em uma esquina da Alameda Dr. Carlos de Carvalho, no centro de Curitiba.
“Todos os doces são em porção individual, em um formato que o cliente consegue comer com uma mão só, para levar no caminho”, explica. Os doces variam entre R$ 4,90 até R$ 12,90 e os pães de fermentação natural estão na faixa de R$ 12,50. Preço, praticidade, arquitetura, apresentação e sabor foram a base do sucesso. Inaugurada em plena pandemia e com menos de três meses de funcionamento, a previsão de Talita é abrir mais três unidades até meados de 2021.
Grab and Stay
Para quem deseja agilidade, o grab and go (pegar e ir embora) é o sistema perfeito. Mas quem investe em experiência vê um outro fenômeno acontecer: o grab and stay. Ao invés de o estabelecimento ser apenas um lugar de passagem, seu entorno ganha vida e vira uma espécie de salão a céu aberto.
“Eu acho que o sucesso do grab and go talvez não seja grab and go, mas sim que a pessoa possa grab and stay. É um conceito que acaba pegando muito lá fora, a pessoa pega a comida e senta em um banco legal, come ainda quentinho”, comenta Fábio Sarraff, um dos sócios da Prestinaria Petit, micropadaria no Juvevê, em Curitiba, versão pocket da Prestinaria - A Casa de Pães. Também inaugurada durante a pandemia, em julho de 2020, a Petit tem 8 m² e serve apenas seis produtos: versões de croissant, pain au chocolat e uma opção de pão de fermentação natural por dia, todos assados no local.
A Prestinaria Petit está localizada ao lado de um The Coffee – e os estabelecimentos acabam se complementando. “É impressionante ver a diferença que o The Coffee e a Prestinaria Petit fizeram na quadra. As pessoas ficam ali, a rua fica mais viva, isso aumenta a segurança de quem anda e a cidade acaba ganhando”, comenta Fábio.
A retomada das ruas é uma tendência dos centros urbanos, que precisam, então, se adaptar ao novo cenário. Luciano Ferreira Bartolomeu, diretor executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) do Paraná, aponta que a prefeitura precisa se atentar ao novo momento e oferecer as condições necessárias para que os microempreendimentos continuem a crescer e movimentar a cidade. “A convivência entre a população e as portinhas gastronômicas é fantástico para a cidade, porque a cidade fica viva. Só que é preciso ter infraestrutura. Quando a rua tem movimento, é necessário pensar na questão da limpeza, dos banheiros, da segurança, então é uma construção conjunta”, afirma.
Breve histórico das "portinhas gastronômicas"
As portinhas gastronômicas sempre existiram, mas nem sempre com tanto prestígio. A gourmetização das experiências “de rua” começou com a crise de 2008 e a necessidade de reduzir custos e, consequentemente, metros quadrados. Em 2014, Curitiba estava imersa na onda dos food trucks, nova modalidade que então aguardava a regulação da prefeitura.
Dois anos depois, já falávamos sobre uma revolução da comida de rua que, liderada pelo hambúrguer e pelo chope, deram origem às “prainhas” curitibanas, novos polos gastronômicos em que a proposta era mesmo ficar na calçada.
Com uma nova crise, a do coronavírus, a história dos microempreendimentos gastronômicos ganha um novo capítulo. “As pessoas buscam uma gastronomia específica, mas sem precisar do salão ou de uma experiência mais sofisticada”, aponta o consultor de WGSN Mindset, Stefano Arpassy.