Bom Gourmet
De amigo do Papa a ‘Rei’, conheça a história do tradicional Tadeu do Pierogi
Jornalista e teólogo por formação, chaveiro por necessidade e ‘rei’ por aclamação popular informal, o Tadeu do Pierogi está completando 30 anos de atuação nas feiras gastronômicas de Curitiba com uma clientela fiel e cativa. Difícil encontrar quem nunca tenha ouvido falar dele e de seu tradicional petisco polonês. Tadeusz Kawalec, seu nome original, se tornou conhecido por ser o primeiro imigrante da colônia a levar o prato familiar para as ruas da cidade, algo que ninguém fazia lá no final da década de 1980. Afinal, pierogi só se fazia em casa para o jantar ou receber os amigos e parentes ao redor da mesa.
Passados 30 anos de ‘reinado’, Tadeu contabiliza mais de mil pierogis vendidos a cada domingo na Feira do Largo da Ordem, e mais outros 500 por dia na loja que mantém no Juvevê, onde mora com a família no andar de cima. Tantos anos são explicados pelo pioneirismo de levar os hábitos da colônia polonesa para as ruas como por manter praticamente a mesma receita do tradicional pastel cozido de massa de trigo com recheio de ricota acompanhado de molhos de linguiça e champignon.
“A gente faz cada um dos pierogis servidos, eu, Maria e Gabriela (filha). Acordamos as 6 da manhã e só vamos dormir depois da meia noite, de terça a domingo”, conta o Rei do Pierogi. A receita da esposa, que ganhou as ruas em 1989, é guardada a sete chaves.
Para Maria, a fiel escudeira de Tadeu há 39 anos, o segredo do reinado é “fazer tudo com muita dedicação, e servir os clientes como se fossem amigos da família – ou até mesmo parte dela”.
Pierogi com algo a mais
Apenas a massa do pierogi mudou um pouco ao longo destes 30 anos, com a elaboração de uma farinha especial criada pela engenheira de alimentos Gabriela Maria Kawalec, a filha do meio do casal. Isso há cerca de uma década.
“A gente conseguiu tornar a massa mais leve e mais delicada, mas que se mantém intacta durante o cozimento sem o perigo de se abrir”, explica. Ela e os irmãos Joanna (36) e Witold (28) ajudam na produção.
Longo caminho
Tadeu se tornou o Rei do Pierogi meio que por acidente, já que chegou ao Brasil com a esposa Maria apenas para visitar alguns parentes que viviam em Londrina, no norte do Paraná. Mas, a instalação da lei marcial polonesa de 1981 o forçou a ficar por aqui. Se voltasse ao seu país, seria preso pelas forças de repressão do primeiro-ministro militar Wojciech Jaruzelski, que era contra o partido ao qual ele era filiado (mais de mil membros do sindicato Solidariedade foram detidos). Eles tinham 27 e 25 anos, respectivamente.
Ao Bom Gourmet, Tadeu contou que foi muito difícil começar uma nova vida no Brasil. A moradia em Londrina, perto de alguns primos, durou menos de um mês.
“Mesmo sem documento nenhum, viemos para Curitiba e fomos logo para a igreja de São Vicente de Paulo, no São Francisco, onde o Padre Jorge, que também era polonês, nos recebeu e nos deu abrigo nos primeiros dias. Não tínhamos dinheiro e ficamos lá por um ano e meio até alugarmos uma casa perto”, conta lembrando que viu a imagem de Nossa Senhora de Częstochowa no altar e logo se sentiu em casa.
Eles começaram cozinhando para os altos executivos da montadora multinacional Volvo. Depois, Tadeu foi ser auxiliar de chaveiro – conseguiu abrir a própria loja com um primo e um amigo e, como um acaso do destino, conheceu o ex-governador Ney Braga e o então prefeito Jaime Lerner.
Foram os dois políticos que o ajudaram com a naturalização brasileira. “Em 1982, uma amiga polonesa nossa, a Irene, era massagista do governador e comentou com ele que eu e Maria precisávamos de ajuda com o visto. Naquela época, era tudo muito burocrático, mas ele gostou da gente e facilitou um pouco a naturalização”, lembra. Ainda assim não foi fácil, já que Tadeu e a esposa precisaram sair do país por alguns dias (foram abrigados no consulado brasileiro em Ciudad del Este, no Paraguai) para só depois conseguirem dar entrada no visto de permanência.
O esforço deu certo, e um ano depois o casal polonês já estava com os documentos prontos e poderiam empreender onde quisessem. Quis o destino que ficassem em Curitiba até que, em agosto de 1989, eles enxergassem na feirinha dominical do Largo uma oportunidade.
“Comentei com a Maria que tinha várias barracas de comidas típicas de outros países, menos os pierogis poloneses. Aí conseguimos um espaço e fomos fazer a receita de casa para fora, me tornei o primeiro a servir os pierogis ao público em Curitiba”, conta. Tadeu vendia em torno de 1.500 unidades a cada domingo.
Pouco mais de dois anos depois, Tadeu passou a participar das feiras gastronômicas noturnas, o que tornou o pierogi dele ainda mais conhecido. “Tem gente que até tenta copiar o nosso pierogi, mas os clientes sempre perguntam se é o do Tadeu”, brinca.
Amigo do Papa
Quem já comprou pierogi de Tadeu provavelmente reparou na foto do papa João Paulo II que está sempre na barraca. A amizade com João Paulo II veio antes mesmo da ordenação dele ao papado, ainda na cidade polonesa de Lublin. Karol Wojtyla era professor de teologia moral e ética social na faculdade da cidade, onde Tadeu estudou por um semestre.
A admiração pelo professor se estendeu por anos até a sua morte, em 2005. Dois anos antes, Tadeu elaborou um livro com a assinatura de 15 mil moradores de Curitiba e o levou para ser abençoado por João Paulo II no Vaticano. Ele ainda retornaria à Roma em 2011 para beatificação do santo-padre.
Mais 30 anos
Diariamente presentes nas feiras gastronômicas, Tadeu e Maria dizem que vão até onde a saúde permitir. Parar não está nos planos deles. “Não quero me aposentar, não”, brinca Maria aos risos com o marido. Zdrowie (saúde)!
Os endereços das feiras que Tadeu participa podem ser encontrados na página dele no Facebook.