Restaurantes
Termocirculador e robôs, conheça essas tecnologias que facilitam a vida dos cozinheiros
Cozinhar sempre vai ser uma atividade essencialmente humana. Mas dos primeiros protótipos de panela, há 20 mil anos a.C., até os dias atuais, obviamente, a forma de cozinhar mudou. Máquinas e engenhocas diversas passaram a ser parte da vida dos cozinheiros. Hoje, para além das batedeiras e fornos inteligentes, robôs de cozinha e termocirculadores — que viabilizam a técnica do sous vide (“sob vácuo”, em tradução livre) — facilitam o trabalho dos chefs e possibilitam resultados melhores, padronizados e com menos esforço braçal. É a tecnologia na cozinha, cada vez mais avançada.
Que o diga a chef Eva dos Santos. À frente da cozinha do Quintal do Porco, ela por pouco não desenvolveu uma lesão por esforço repetitivo (LER) de tanto bater à mão a massa do acarajé. O robô de cozinha (mais conhecido pelo nome da marca que o popularizou, Thermomix) salvou seus tendões e tornou ainda mais aerada a massa de feijão fradinho.
À parte as polêmicas — as baianas reclamaram que com recheio de suíno e frito na gordura de porco o prato não poderia ser chamado de acarajé —, o bolinho é um dos carro-chefe da casa, que abriu as portas em março deste ano. Também é essa tecnologia na cozinha que permite chegar com mais facilidade ao ponto sedoso do curau de milho salgado, que acompanha a costelinha de porco.
A costelinha, por sua vez, passa por um pré-preparo com a técnica do sous vide, dentro de um termocirculador que garante cozimento lento e em temperatura estável. Está aí outra engenhoca da tecnologia na cozinha que mudou a forma de cozinhar.
Assim como outros cortes servidos na casa, são horas marinando e depois mais um tempo na máquina cozinhando de forma controlada. Seladas, as proteínas vão para o choque térmico depois de pré-prontas para não passar do ponto. Por fim, seguem para o freezer. A cada início de serviço, as porções são separadas e, conforme os pedidos chegam, finalizadas na churrasqueira, forno ou fritadeira.
Provas e testes

Assim como ocorre com qualquer equipamento novo no mercado, os fornecedores desses aparelhos realizam treinamento nas cozinhas. Mas, o que se aprende nos treinamentos é a base. Para ir além e imprimir personalidade aos preparos usando as máquinas, o caminho é testar, observar e provar.
“Os equipamentos nos garantem qualidade e padrão. Mas você precisa saber usar e, principalmente, saber o resultado que está buscando”, diz a chef. O relato de Eva prova o que os estudiosos da gastronomia observam no mercado: a tecnologia é uma realidade e deve ser cada vez mais empregada nas cozinhas.
“Alguns equipamentos ainda são caros, especialmente por serem importados e sofrerem impacto da questão cambial, mas o empreendedor que leva em consideração os benefícios de produtividade sabe que é um investimento viável”, afirma o chef Rafael Müller, responsável pelo restaurante-escola do Senac em Curitiba.
Porém, a presença ainda é bastante limitada, conforme aponta o chef e coordenador do curso de Gastronomia da Universidade Positivo, Yuri Moita. Ele arrisca uma proporção, pelo conhecimento que tem do mercado. “Se você entrar em dez cozinhas profissionais no Brasil, em no máximo duas terão equipamentos mais tecnológicos.”
Pesquisador sobre o ensino de gastronomia no país, Yuri vê alguns entraves que bloqueiam a disseminação da tecnologia dentro das cozinhas. “Percebo três cenários: o primeiro é que desde a formação do curso, em 1999, não há um currículo mínimo direcionado pelo Ministério da Educação, prevendo a inclusão do ensino dessas tecnologias; o segundo ponto é que os profissionais que dão aula por vezes não têm vivência na cozinha, possuem titulação e formação em outras áreas como nutrição, química e até engenharia, o que gera um distanciamento cultural. E, por fim, há ainda uma estranheza de estar próximos a essas tecnologias”, diz.
A tríade tecnológica

Os dois especialistas ouvidos pelo Bom Gourmet destacam três produtos como tecnologias que facilitam a vida dos cozinheiros: forno combinado, thermomix e termocirculador. “O forno combinado [também conhecido como centro de cocção inteligente] em uma cozinha profissional eu diria que é imprescindível. Ele substitui a frigideira, o forno convencional, e faz cozimento em banho-maria. Se usado corretamente, ele praticamente fecha as técnicas de cocção”, explica Rafael, enfatizando que o equipamento é importante especialmente para padronizar a entrega, com pratos de textura e qualidade unificadas.
O diferencial de tecnologia é o trabalho com calor combinado: ar quente e vapor ao mesmo tempo, daí a capacidade de oferecer preparos de frituras e ensopados concomitantemente. É possível programar tempo, temperatura e, em alguns equipamentos, a própria tecnologia faz uma “leitura” do alimento, podendo definir qual ponto da peça de carne, por exemplo, precisa de mais tempo ou temperatura para ficar pronta. Tanto Müller quanto Moita destacam que o investimento em um forno combinado ainda é um entrave. Um modelo profissional parte de cerca de R$ 40 mil, mas pode passar dos R$ 100 mil, dependendo da capacidade.
Um superprocessador de alimentos ou um robô para cozinha, o Thermomix é capaz de processar e cozinhar. Ele tem capacidade de dez mil rotações por minuto com lâminas superpoderosas e que não perdem o fio. Tudo isso, em um tipo de panela elétrica. “O equipamento faz uma condução de energia e consegue aproveitar 99% usando o vapor de um preparo para fazer outro”, explica Moita.
Um exemplo disso seria programar o equipamento para fazer um molho – que teria temperatura controlada, não queimaria nem teria grumos – e usar o vapor do cozimento do molho para preparar legumes, por exemplo. “O equipamento faz todo o processo de cocção de forma pré-programada, liberando o cozinheiro para outras funções. Ele chega a no máximo 130 graus, evitando a saturação da gordura, garantindo um alimento mais saudável”, destaca o chef que testou o produto criando um menu com cerca de 50 pratos da cozinha francesa usando exclusivamente o Thermomix.
Há ainda a função de bater e sovar massas de diferentes texturas, como a chef Eva dos Santos comprova na prática. O custo é de cerca de R$ 7 mil em modelos mais modernos. “Os mais antigos são encontrados por até R$ 2,5 mil ou R$ 3 mil, mas são modelos que já conseguem entregar uma boa performance e têm garantia de dez anos, tamanha a durabilidade”, destaca Moita.
Para fechar a tríade tecnológica, os chefs colocam os termocirculadores, responsáveis por tornar possível empregar a técnica do sous vide. “O ganho no produto final que será empratado é muito grande. É possível servir mil pratos com uniformidade”, diz Müller. Sem contar a agilidade que se ganha no preparo, como acontece na cozinha do Quintal do Porco.
Com todo esse arcabouço tecnológico, pode restar a pergunta de como equilibrar nessa equação o trabalho criativo do cozinheiro. Voltando para o ambiente onde Eva experimenta e comprova as facilidades tecnológicas, em um cantinho aqui e no outro ali, estão sinais dos testes rabiscados nas paredes da cozinha do Quintal do Porco. O que se torna padrão, vai para a planilha oficial, exposta na sala onde ficam a seladora e os termocirculadores, com o indicativo de tempo, temperatura e peso de cada preparo.
É quase um espaço burocrático. Não há cheiros, nem correria de cozinheiros, nem mil sons. Faz quase esquecer que ali se está em uma cozinha. Falta o fogo, panelas fumegantes, mas tudo isso está na cozinha ao lado, onde os preparos são iniciados e depois finalizados e se faz valer o alerta da chef Eva.
“O nosso carro-chefe não é o sous vide ou outro equipamento. O carro-chefe de um cozinheiro é sempre o alimento que está servindo, o sabor. Os equipamentos são facilitadores, mas não se pode perder a essência. São as pessoas que fazem a comida, que tornam possível essa alquimia.”
Tecnologia na cozinha de casa

No cenário de uma cozinha profissional, embora ainda não tão recorrente, parece plausível a presença dos equipamentos. Mas e quando se muda a conversa para o ambiente doméstico, faz sentido investir? Moita responde explicando que o movimento de mudança reside em melhorar o olhar que se lança para o ato da alimentação, observá-lo como uma prioridade.
Os equipamentos destacados pelo chef foram feitos para não serem observados durante o uso e isso é uma outra forma de cozinhar, uma ruptura. Não é necessário ficar em volta do fogão, a imagem clássica do cozinheiro. “São equipamentos que dão liberdade e oferecem comida com mais qualidade e saudáveis. Parece mágica, mas tudo isso já existe e está no mercado. O processo que eu acredito para os próximos anos é de as tecnologias se tornarem mais acessíveis, até mesmo com a indústria nacional produzindo”, conclui.