Restaurantes
Restaurante de SC tem moinho próprio que produz a farinha dos pratos da casa
O Samburá, em Florianópolis, é um dos maiores exemplos de que comida não é apenas uma questão de prazer. A escolha dos ingredientes, a forma de preparo e a apresentação dos pratos também podem refletir uma cultura e contar história. Lá, é impossível entrar e enxergar apenas um restaurante. Logo na porta, já se vê o engenho, que ainda funciona e transforma artesanalmente a mandioca em farinha. Ela é a base do tradicional pirão, tão característico da cultura pesqueira do litoral catarinense, e que acompanha quase todos os pratos servidos no Samburá.

Quem recebe os clientes é Fausto Andrade, também presidente da Associação de Moradores de Santo Antônio de Lisboa, bairro tradicional do Norte da Ilha. Ele e a esposa, Cléia Andrade, abriram o restaurante em 1993 para servir comida caseira, a mesma que preparam e forram a mesa de casa. Depois de 25 anos, Cléia continua no comando da cozinha e Fausto é a estrela do salão, quem recebe os clientes e conta causos de mesa em mesa.
Os frequentadores mais assíduos já perguntam pelo proprietário antes mesmo de escolher uma mesa. Ele também possui uma empresa de transportes e, quando não está ocupado dela, pode estar no mar, à procura dos peixes. Cléia, às vezes, também se ausenta do restaurante para resolver questões pessoais e os clientes logo reclamam. A alma do Samburá está no casal: nas histórias de Fausto e no tempero da esposa.
Nunca vá ao local com pressa porque o restaurante possui sete cardápios. Os itens de comida e bebida são os mesmos em todos eles, mas cada um conta uma história diferente na introdução, narradas pelo pescador proprietário. Lendas da ilha, como as aventuras de bruxas ou lobisomens, e curiosidades sobre a família Andrade tornam o menu único. Difícil é focar na escolha do pedido.
Não há apresentações refinadas nem ingredientes inusitados na culinária de raiz do Samburá. A maioria dos pratos são servidos em cumbucas de barro, como manda a tradição açoriana, e quase todos eles acompanham pirão, feito com a farinha de mandioca moída no próprio restaurante. Aliás, é possível comprar a excelente farinha para levar para casa. Ao pagar a conta, não esqueça desse detalhe e da possibilidade de levar embora, ainda, uma garrafa da cachaça fabricada pela família Andrade.
Para os pescadores, o hábito de tomar a bebida fermentada é tão importante quanto comer. Fausto explica que a cachaça artesanal facilita a digestão dos frutos do mar e é o segredo da longevidade de quem vive da pesca. Para que o álcool não faça mal, recomenda-se recorrer à farinha de mandioca. O proprietário conta que ela limpa o sangue e o fígado e, por isso, deve ser consumida todos os dias.
“Quando eu estou sem apetite ou meio ruim do estômago, eu só janto um pirãozinho de farinha e água. No dia seguinte, não sinto mais nada”, relata o pescador.

O Samburá está mais para rústico do que refinado, mas a qualidade da comida é comparável aos grandes restaurantes. O segredo está no conhecimento passado de geração em geração sobre os temperos que potencializam o sabor de cada fruto do mar. Fausto Andrade entende, como poucos, como funciona a vida marinha e a relação entre a lua e o mar. Ele fala com propriedade sobre a época em que cada peixe deve ser pescado e os melhores locais para fazê-lo.
A garoupa, um dos melhores produtos manezinhos, segundo o pescador, é a rainha da moqueca, que custa R$ 168. Mas ao contrário da receita baiana, a tradição em Floripa manda cozinhá-la sem pimenta nem tomate. A cor avermelhada é dada pelo urucum em pó e a picância fica a critério de cada cliente, que recebe um molho apimentado para acompanhar o prato. A receita também leva alcaparra e coentro.
“O manezinho não tem o hábito de colocar pimenta na comida. A gente não foi criado assim. Mas um molhinho separado tem que ter. Cada um coloca a seu gosto no prato”, justifica Fausto.
Os pratos servidos no Samburá são os mesmos há 15 anos, assim como a decoração do restaurante, repleta de itens pesqueiros e embarcações usadas pela família Andrade, que existem desde o século XIX.
Entre as entradas, o pastel de camarão (R$ 11) ou bergião (R$ 10) são os produtos de maior sucesso porque não há economia na quantidade de recheio. Os bolinhos de siri, vendidos a R$ 10 a unidade, também ostentam fama na cidade.

As ostras não são coadjuvantes, mas nem sempre estão à disposição dos clientes. Fausto tem o cuidado de só fornecer o produto quando está em uma época propícia. Para ele, é quando o molusco não está muito grande, nem miúdo demais. As gratinadas são feitas de forma especial, com cenoura ralada. A dúzia custa R$ 45.
Para explorar a cultura gastronômica tradicional de Floripa, a pedida é sardinha açoriana, que sai por R$ 40 ou o berbigão refogado da casa (R$ 90), que acompanha pirão e batatas fritas. Os amantes dos crustáceos não podem perder o escondidinho de siri (R$ 98), que acompanha arroz e fritas. Todos esses pratos servem duas pessoas famintas ou três de apetite moderado. O linguado ao molho de camarão e champignon também conta história e remete à casa da avó. Acompanha arroz e pirão e custa R$ 145.
Para beber, há várias marcas de cervejas artesanais catarinenses. Na dúvida, prove a Bierbaum, feita na cidade de Treze Tílias, que não costuma ser encontrada facilmente. As garrafas de 600 ml custam R$ 20 e estão disponíveis em dez tipos diferentes. Para harmonizar com os frutos do mar, a vienna é uma boa opção.
Entre um prato e outro, não deixe de puxar conversa com o proprietário e pedir conselhos sobre a vida amorosa ou recomendações de ervas e chás para qualquer tipo de doença. Como bom pescador, Fausto tem receita para tudo.
Serviço: Caminho dos Açores, 1152 – Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis. Funciona de terça às sextas de 11h30 às 16 e 18h às 23h. Sábados, domingos e feriados de 11h30 às 17h.
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