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Restaurantes

Sonho ou pesadelo? Por que alguns chefs devolvem as estrelas Michelin

Flávia Schiochet
15/01/2018 21:52
O Guia Michelin, editado desde 1900 na França, é uma das publicações mais respeitadas do mundo da gastronomia. Figurar na lista parece ser o sonho de todo cozinheiro profissional – ou pelo menos é o que todos pensam. Mas, às vezes, o sonho pode se transformar em pesadelo ou em fardo difícil de carregar.
“Em um dos meus primeiros dias na cozinha me disseram que o sonho de todo chef era receber uma estrela Michelin”, relembra Alberto Landgraf, chef que esteve à frente do Épice, em São Paulo, restaurante que em 2015 conquistou uma estrela Michelin. “Atualmente há outras formas de ascensão do restaurante: Foursquare, Instagram, TripAdvisor. Eles podem manter a casa cheia”, comenta.
A fala do chef paranaense explica o que muitos restaurantes procuram atualmente: saúde financeira e uma rotina que não seja estafante. Um exemplo de sonho que virou pesadelo é o caso da tailandesa Supinya Junsuta, chef e proprietária do restaurante Raan Jay Fai, de 72 anos. O negócio está na família há 70 anos e quem começou foi seu pai.
Supinya Junsuta, chef e proprietária do restaurante Raan Jay Fai, de 72 anos, recebe a honraria de uma estrela Michelin. Seu restaurante foi o primeiro de comida de rua a figurar no Guia Michelin. Foto: Divulgação
Supinya Junsuta, chef e proprietária do restaurante Raan Jay Fai, de 72 anos, recebe a honraria de uma estrela Michelin. Seu restaurante foi o primeiro de comida de rua a figurar no Guia Michelin. Foto: Divulgação
Bangkok teve sua primeira edição do guia Michelin publicada em dezembro de 2017 e Raan Jay Fai foi o primeiro restaurante de comida de rua a receber uma estrela Michelin no mundo. O aumento súbito do movimento (e de curiosos, que aparecem apenas para tirar fotos) no restaurante fez a septuagenária lamentar a inclusão do estabelecimento no guia Michelin.
Sua filha teve que sair de seu emprego para cuidar apenas das reservas do restaurante e o custo da compra de ingredientes não foi repassado no preço final “senão eu perderia meus clientes”, declarou ao portal americano Eater. Das especialidades servidas no Jay Fai, destaque para a omelete de caranguejo e o curry de caranguejo.
Omelete de caranguejo servido no Jay Fai, em Bangkok. Foto: Divulgação
Omelete de caranguejo servido no Jay Fai, em Bangkok. Foto: Divulgação
Além do aumento de movimento, os restaurantes sofrem outros impactos imediatos: para atender ao público e manter a estrela (ou ascender para a próxima categoria – o máximo são três estrelas), os restaurantes investem em reformas, têm altos custos de manutenção de talheres, guardanapos de pano, toalhas de mesa, ingredientes e funcionários, entre outros.
Foi o alto custo de manutenção que fez o francês Jérôme Brochot, do restaurante de mesmo nome num hotel da Borgonha, escrever ao Guia Michelin no final de 2017 pedindo para que retirassem seu nome da lista de uma estrela. Ele reduziu a equipe de cozinha e salão e simplificou o cardápio. “Desde que mudamos a fórmula, estamos recebendo muito mais gente”, comemora. Acima de tudo, o efeito é psicológico. “Na cabeça das pessoas, o que vale é o fato de já ter sido reconhecido”, declarou Brochot ao jornal New York Times.
“A pressão experimentada pelos chefs não é de manter o padrão, porque eles já alcançaram isso para receber o reconhecimento do Michelin. A pressão é para conseguir manter a estrela e superar a expectativa do cliente, que espera que a cada mordida ele veja estrelas”, analisa Fábio Mattos, chef e proprietário do Poco Tapas, em Curitiba. O restaurante de cozinha molecular abriu em 2012 e desde então coleciona elogios e prêmios: chegou a ser eleito o terceiro melhor do Brasil e sexto melhor da América Latina pelo Trip Advisor.

Nem a primeira, nem a última

A tailandesa Supinya Junsuta não foi a primeira, nem a última a querer voltar no tempo e não estar na lista do Guia Michelin. O primeiro chef a abrir mão de suas estrelas foi o francês Jöel Robuchon em 1996.
Em 1999, foi o britânico Marco Pierre White. O restaurante que levava seu nome manteve três estrelas por cinco anos e quando rejeitou-as foi porque “os inspetores do guia sabiam menos que ele e por isso as estrelas não tinham valor”. White também foi o chef mais jovem a alcançar as três estrelas.
Em 2005, o francês Philippe Gaertner, cujo restaurante manteve as estrelas desde 1930, anunciou que iria mudar o menu e que não estaria mais competindo por manter as estrelas. No mesmo ano, o conterrâneo Alain Senderens fechou e renovou o Lucas Carton. A própria mudança de estilo de menu implicaria a perda das três estrelas. “Eu quero me divertir, não alimentar mais o meu ego”, declarou à época.
Chef Gualtiero Marchesi. Foto: Reprodução
Chef Gualtiero Marchesi. Foto: Reprodução
Gualtiero Marchesi, chef morto em dezembro de 2017, foi o primeiro italiano a conquistar três estrelas Michelin (em 1987) e negou em 2008 as duas estrelas que o guia lhe concedeu por não acreditar no sistema de pontuações e entender que o guia favorecia os restaurantes franceses.
Sébastien Bras está desde 2007 a frente do Le Suquet. Foto: Divulgação/Bras.fr
Sébastien Bras está desde 2007 a frente do Le Suquet. Foto: Divulgação/Bras.fr
Em 2015, Donatella e Mauro Bellotti — proprietários do restaurante Donatella — na Itália, renunciaram à estrela conquistada em 2008 e em 2017, Sébastien Bras, filho de Michel Bras e que comanda o Le Suquet, solicitou ao Guia Michelin que retirasse as três estrelas do estabelecimento. Segundo o chef, a conquista das três estrelas foi um belo feito, mas a pressão sobre ele e sobre a equipe se tornou muito grande. Além disso, o fato de ter um reconhecimento tão importante, acaba gerando uma enorme expectativa na clientela.
O Épice, que fechou em janeiro de 2016, ostentou por alguns meses uma estrela Michelin, em São Paulo. “Quando ganhamos, foi um alívio e não uma alegria. A estrela se torna um peso. Se você tem uma, acha que merece duas; se tem duas, acha que merece três e se você tem três, acha que o outro não merece tanto quanto você”, revela.
Atualmente o chef está terminando de reformar o imóvel de seu novo restaurante, Oteque, no Rio de Janeiro. “Espero que eu e minha equipe sejamos reconhecidos pelo nosso trabalho, com equilíbrio em premiação, sucesso de público e sucesso financeiro, porque só o reconhecimento não basta. Quem diz que não gosta de prêmio está sendo hipócrita”, diz Landgraf.

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