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O Berton, restaurante de Milão premiado com uma estrela Michelin está fechado.

Restaurantes

Nova York, Milão, Paris e China: como está a situação dos restaurantes nos grandes centros gastronômicos?

Julia Ledur, Fernanda Massarotto, Dani Volcov e Valéria Vicenti, especial para o Bom Gourmet
25/03/2020 19:12
Quatro grandes centros gastronômicos mundiais vivem fases distintas de impacto da pandemia do coronavírus, mas com uma coisa comum: a incerteza. Nova York está vivendo o seu auge - desde domingo (22), os restaurantes foram obrigados a fechar e levantar suas cadeiras, como conta Júlia Ledur, jornalista brasileira que mora em NY. Na Itália e na França, as jornalistas brasileiras Fernanda Massarotto e Daniele Volcov, de Milão e de Paris, respectivamente, relatam como é o impacto no setor que tem os mais premiados e tradicionais restaurantes, e que passa pelos estragos do coronavírus há mais tempo. E a curitibana Valéria Vicenti fala da China como está sendo este momento depois do fim dos 50 dias de quarentena.
Nova York
A indústria de restaurantes e bares de Nova York tem sido uma das mais afetadas durante a crise do coronavírus. Antes mesmo do anúncio do governo sobre a ordem de fechamento do comércio não-essencial, vários restaurantes já haviam fechado as portas, como medida de proteção aos funcionários. Outros tentaram reforçar o trabalho de limpeza e separar clientes com a distância recomendada pelas autoridades, como o Eataly.
Atualmente, o estado de Nova York é considerado um dos epicentros mundiais da pandemia do novo coronavírus - representa mais de 7% do total de casos globais da doença.  Segundo a Associação de restaurantes de Nova York, a indústria de restaurantes do estado emprega mais de 865 mil pessoas, o que representa 9% dos empregos.
Também antes do anúncio do governo, a rede de cafeterias Starbucks fechou todas as lojas no país. Mas no domingo (22), todos os 50.153 restaurantes e bares da cidade foram obrigados a fechar as portas. Muitos permanecem funcionando somente com serviço de delivery ou take out, modelo de negócio chamado de “ghost kitchen”, ou “cozinha fantasma” nos Estados Unidos.
Mesmo assim, com a diminuição de demanda, vários estabelecimentos não estão conseguindo pagar as contas. Muitos precisaram cortar custos e demitir funcionários que deixaram de ser essenciais nesse novo modelo de funcionamento (garçons, caixas, baristas, hosts).
Comandado pelo restaurateur Danny Meyer, o Union Square Hospitality Group, uma das empresas de restaurantes mais prestigiosas do mundo, demitiu 2 mil funcionários na semana passada, “devido a eliminação quase total de lucro”, segundo uma declaração da empresa. O número de demissões representa 80% do pessoal da empresa, em 18 restaurantes em Nova York e dois em Washington, além de escritórios corporativos.
Meyer diz que seu império de 35 anos, que inclui restaurantes como o Gramercy e o Blue Smoke, havia sobrevivido ao atentado de Sete de Setembro e a crise financeira de 2008, mas o vírus é diferente.
Outro chef e restaurateur que sofreu os efeitos da crise e Tom Colicchio, famoso por apresentar o programa de TV chamado Top Show. Ele demitiu 300 funcionários de seu grupo de restaurantes Crafted Hospitality. O chef publicou um guia direcionado ao congresso com recomendações de como os líderes podem auxiliar os restaurantes.
Gianfranco Sorrentino, dono de três restaurantes italianos em Nova York, precisou dispensar todos os seus funcionários. Ele diz que os pedidos de delivery e take out aumentaram apenas 10% a 15%, valor insustentável para cobrir os custos de folha de pagamento de alguns funcionários na cozinha e entregando pedidos de delivery. Ele afirma que seus restaurantes só conseguirão continuar abertos por alguns meses.
Analistas de restaurante estimam que 75% dos restaurantes independentes do país que fecharam devido ao vírus, não conseguirão reabrir as portas quando a crise terminar. A Associação Nacional de Restaurantes (NYSRA) prevê que a indústria perderá US$ 225 bilhões nos próximos três meses e demitirá de cinco a sete milhões de funcionários. 
Um grupo de chefs e grupos de restaurantes de Nova York formou o Relief Opportunities for All Restaurants, uma parceria para pressionar o governo local para salvar a indústria. “Estamos à beira da extinção”, diz a petição online do grupo.
Em anúncio feito nesta terça-feira (24), a NYSRA disse que está conduzindo uma pesquisa com donos de restaurantes para mensurar o impacto da pandemia do coronavírus nos estabelecimentos da cidade. Os resultados ainda não foram publicados. A Associação também afirmou que está negociando com líderes do congresso para garantir que uma parte do fundo de calamidade pública seja destinada aos estabelecimentos gastronômicos. 
Outro fator que agrava os impactos da crise nos restaurantes é o preço dos aluguéis em Nova York, a segunda cidade mais cara em termos de imoveis no mundo. Por isso, o governador Andrew Cuomo decretou que nenhum inquilino será despejado por 90 dias.
Outro iniciativa de auxílio à indústria vem do Departamento de Serviços para Pequenos Negócios (SBA) da cidade, que está oferecendo bolsas e empréstimos para restaurantes.
Milão
Na Itália, o chef Andrea Berton, duas estrelas Michelin, fechou as portas de seus três restaurantes desde que foi decretado o toque de recolher em todo o território italiano, no último dia 11 de março. Otimista, o italiano está recluso em casa, mais precisamente, em sua cozinha de onde testa novas receitas. "É uma pausa. Um momento de conceber ideias e propostas gastronômicas", diz ele, por telefone, que espera em pouco tempo voltar à ativa.
Milão vazia. Para minimizar as perdas, restaurantes decidiram implementar o sistema de entregas. Foto: Fernanda Massatotto.
Milão vazia. Para minimizar as perdas, restaurantes decidiram implementar o sistema de entregas. Foto: Fernanda Massatotto.
Voltar à ativa é, com certeza, a grande preocupação dos 700 mil trabalhadores do setor que estão em casa. Muitos bares e restaurantes podem ir à falência se o governo não apresentar soluções práticas até o dia 3 de abril. "Só no primeiro trimestre, a perda é de 10 bilhões de euros. Esperamos uma recuperação no segundo semestre e, se assim for, minimizaremos o déficit anual em 8 bilhões de euros", comenta Roberto Calugi, diretor da Fipe (Federação Italiana de Serviços Públicos).  "O setor é um ativo estratégico para economia italiana. Só no ano de 2018, o faturamento foi de 86,5 bilhões de euros".
Para minimizar as perdas, alguns restaurantes decidiram implementar o sistema de entregas. O chef Daniel Canzian, por exemplo, há uma semana, intensificou o já existente serviço exclusivo de delivery onde oferece aos clientes a possibilidade de comprar três tipos de cardápios com o melhor da culinária italiana contemporânea (de 50 a 80 euros). "No sábado, recebemos sete pedidos. A média diária, porém, acaba sendo de dois ao dia", conta ele que prepara tudo sozinho, somente com o auxílio de seus sous-chef, e utiliza táxis para o delivery.
Em meio a crise, quem anda faturando são os ciclistas entregadores da startup espanhola Glovo como Eric Ribas, 23 anos, de El Salvador, que vive em Milão há 2 anos. "Faço uma média de nove corridas durante o meu turno, das 17h às 22h. O trabalho aumentou mas também a concorrência", conta.
A tradicional pizza é uma das campeãs de preferência para quem está trancado em casa. Prova disso, é que muitas pizzarias estão trabalhando dobrado. Giovanni Mineo, da Crosta, um mix de padaria e pizzaria, estendeu o horário de entrega das 18h30 às 22h30. "Vimos o número de entregas passar de 20 a 70 por dia", conta o pizzaiolo e padeiro que para cada unidade vendida destina dois euros (1 doado pelo cliente, outro pelo estabelecimento) ao Hospital Luigi Sacco, de Milão, especializado em doenças infecciosas.
Paris
Após determinar o fechamento de bares, restaurantes, lojas e diversas outras empresas consideradas não primordiais, o governo da França lançou um pacote de medidas de apoio às empresas, empreendedores e profissionais.
Embora o delivery e serviços de "take away" estejam autorizados no país (as duas plataformas mais utilizadas são o Deliveroo e Uber Eats) muitos estabelecimentos não estão operando nem nesta modalidade. Desde a última semana (o fechamento por decreto foi no dia 14) que a oferta de restaurantes nos sites de delivery caiu muito.
Os chefs organizaram uma campanha coletiva nas redes sociais para que as seguradoras cubram seus prejuízos. Estão usando a hashtag: #restoenssemble que quer dizer "restaurantes unidos". Eles reivindicam que o governo declare "Desastre Natural Sanitário" para que as seguradoras possam fazer valer as coberturas.
A Association Française des Maîtres Restaurateurs reúne duas associações nacionais de restauração francesa: Les Restaurateurs de France e Les Cuisineries Gourmandes, que têm cerca de 3.800 membros. Com o decreto do fechamento dos restaurantes, bares, bistrôs e similares, a associação lançou uma série de medidas de apoio aos seus restaurateurs associados.
Além das medidas do governo francês, a associação se organizou para criar uma rede de apoio aos seus membros criando canais de atendimento por e-mail ou telefone para o esclarecimento de como procederem para obter os benefícios ofertados neste momento.
Também organizou uma plataforma de vendas online pelos aplicativos e sites da AFMR e Menu Du Jour para todos os estabelecimentos que queiram oferecer pedidos em delivery. Também criou um meio de conectar produtores locais e restaurantes que estarão operando em suas cozinhas neste período por meio da plataforma Promus.
China
Chineses saem da quarentena e voltam a ocupar as ruas. Foto: Valéria Vicenti.
Chineses saem da quarentena e voltam a ocupar as ruas. Foto: Valéria Vicenti.
Na China, que primeiro viveu a crise, acaba de sair da quarentena de mais de 50 dias. Tudo parou por lá. Esta semana, muitos restaurantes começaram a retomada do movimento, com mesas ainda afastadas, conforme as regras sanitárias.
Já se veem placas de admissão. O comércio está recontratando, mas agora é que os estragos no comércio poderão ser medidos. "A vida vai ressurgindo aos poucos. Grandes marcas como Starbucks já têm até a conhecida fila de espera", conta a curitibana Valéria Vicenti, que mora em Chengdu, sudoeste da China, e que no Brasil foi proprietária de restaurante. Ela também faz um relato de como foi a quarentena e o processo de ter que cozinhar em casa.
"O grande dia chegou [fim da quarentena], tínhamos certeza, ele chegaria! Mas estranhamente, junto com ele, muitas emoções se somaram. E dentro dessa avalanche de emoções, uma pergunta ecoa: "Quem você deseja ser após a quarentena? Quanto você está se dedicando em sua melhor e mais linda versão?".

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