Restaurantes
Em quatro décadas, buffet de Curitiba realizou 8 mil casamentos
Crescido entre a cozinha e o salão da Confeitaria Iguaçu, João Mehl segue a vocação da família de trabalhar com gastronomia. Não opera o fogão, no entanto: “Eu sei provar e saber se está bem feito. Não sou chef de cozinha”, declara o proprietário do Buffet Ilha do Mehl, de 73 anos. Quarenta deles foi à frente da casa de eventos do bairro São Francisco, uma das primeiras de Curitiba a ter salão e cozinha próprios para realizar festas.

Até então, as festas eram realizadas em clubes, que contavam com salões e equipe. Um ano depois, Curitiba viu surgirem outros buffets com espaço próprio. Seu João, sempre de olho nas novidades em São Paulo, construiu do zero a casa que ainda hoje é a sede do buffet e chamou um chef da capital paulista.
Sua esposa, Maria Luiza, era fã de programas de culinária na televisão e trazia sugestões periodicamente. É em homenagem à ela o Mignon à Maria Luiza, servido com presunto de Parma e arroz cremoso com brócolis, presente em um dos cardápios sugeridos pelo Ilha de Mehl.

O nome homenageia ao mesmo tempo o clã e a ilha paranaense, mas a atuação do buffet não se restringiu a Curitiba: a equipe atuou em 150 cidades ao longo de sua história, fazendo eventos no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, interior do Paraná e São Paulo. Em 2014, o buffet serviu os camarotes da Copa do Mundo. Nos seis meses anteriores, uma equipe da Fifa trabalhou todos os dias lado a lado com a equipe do buffet. “Atendemos 2 mil pessoas por dia com seis tipos de serviço diferente. Foi excelente e aprendemos muito em logística, transporte e estocagem. Quantas vezes atendi ligação para ajudarmos algum lugar a se adequar por recomendação da Vigilância Sanitária”, diz Luiza Mehl.
A caçula estudou nutrição e gastronomia e tem memórias parecidas com a do pai: em meados de 1990 Luiza comia tubetes na confeitaria do buffet enquanto os cozinheiros davam conta de mais uma das dezenas de festas realizadas mensalmente. “Antes da crise eram de seis a oito eventos por semana”, relembra João. Mais da metade de seus funcionários — atualmente são 12 fixos — trabalha com João desde a abertura da casa, que começou com um salão de capacidade para 300 pessoas.

A ampliação foi feita no começo dos anos 2000, quando reformaram a fachada e construíram uma cozinha para finalização de pratos no segundo andar, um salão para 250 pessoas e ampliaram o existente de 300 para quase 600 pessoas. Há cerca de três anos construíram o terceiro salão, com capacidade para 100 pessoas, cuja agenda é a mais lotada.
8 mil casamentos
Antes mesmo de a obra ser finalizada, em março de 1977, já havia uma festa de casamento agendada. Para comemorar os 40 anos do buffet, seu João foi atrás do casal que inaugurou o salão.
O casal foi à festa no último sábado (26) acompanhado da mãe da noiva e com o álbum de casamento à tiracolo. João viu mais de 8 mil festas de casamento serem celebradas no salão, incluindo quatro de suas cinco filhas. Todas trabalharam no buffet antes de seguirem suas carreiras, só Luiza continuou no dia a dia do buffet.
Mudança de costumes
À mesa, muita coisa era diferente — o cardápio de finger food e mesa de antepasto seria inimaginável em março de 1977, quando inauguraram o buffet. “A refeição durava horas, eram umas cinco saladas, leitão inteiro, mignon, costela assada. Era uma loucura. Não existia casamento árabe sem um carneiro inteiro assado no meio da mesa”, relembra João.
A massa e o risoto, atualmente servidos empratados, eram esquecidos no buffet nas primeiras décadas, como o arroz branco atualmente. “Hoje querem variedade. Tem que servir algo diferente, arroz com açafrão, arroz com ervas, arroz selvagem”, diz João.
“O que marcou muito minha infância era estrogonofe, que hoje ninguém mais pede em festa, mas encomenda para levar para casa. O que nunca saiu de moda foram o rosbife e a salada Waldorf”, comenta Luiza.
Há quem mate a saudade da maionese de camarão ou empadão de camarão encomendando uma porção (não há pedido mínimo) com três dias de antecedência. O buffet trabalha com encomenda feita na travessa deixada pelo cliente e a família perdeu a conta de quantos clientes viraram amigos. “Tem quem deixe a gente escolher tudo no cardápio. Confiam na nossa experiência”, diz Luiza.
Surpresas
Quando sua mãe, dona Dib, completou 90 anos, João deu um jeito de chamar todos os amigos de Santa Felicidade, bairro onde ela cresceu, e preparar uma festa surpresa no maior salão do Ilha do Mehl. “Convenci ela de que precisava passar no buffet porque teria uma preparação para um evento. Ela foi entrando no salão escuro achando estranho. Chegamos ao meio do salão, com o bolo, e acendemos as luzes. Todo mundo estava lá. Foi emocionante”, conta João.

Dos pratos mais icônicos servidos pelo buffet, o camarão no coco marcou época, já nos anos 2000: faz-se uma pequena abertura no topo do coco seco, por onde se coloca um molho cremoso com camarões. Fecha-se o coco com sua própria tampa e, por cima, acende-se um algodão embebido em álcool. “Os garçons entram no salão escuro, com uma música bem forte tocando, e só dá para ver as bandejas flamejantes andando pelo salão”, diverte-se João.
Os Mehl na cozinha
A história da família Mehl na cozinha é longa: começa na década de 1930, quando os irmãos Leopoldo e Affonso Mehl mudaram-se de Colombo para Curitiba ainda moços e começaram a trabalhar como garçons no Stuart Bar. Foram sócios do Stuart na década de 1950 e abriram, alguns anos depois, as confeitarias Cometa e Iguaçu. Era coisa fina: guardanapo engomado, porcelana, cristal e toalha à mesa e no cardápio, língua à caçarola e camarão à Martha Rocha, relembrou Dante Mendonça em um texto no jornal Tribuna do Paraná.
A jornalista Rosy de Sá Cardoso lembrou com detalhes os pratos mais pedidos na Iguaçu: “Os pratos mais pedidos para tomar com chá eram o ambulante (uma fatia de pão caseiro, feito lá mesmo, com um bife por cima) e o carlos cavaco (o mesmo pão com queijo cortado em cubinhos e levado ao forno)”, escreveu em 2011 no Bom Gourmet.
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