Restaurantes
O novo restaurante do premiado chef Lênin Palhano abre nesta quinta em Curitiba
Não eram esses os planos, mas 2020 foi o ano de Lênin Palhano partir para uma fase inédita em sua trajetória de 15 anos de cozinha. O chef depura suas influências de cozinha de produto em uma proposta difícil de definir em um único conceito. Talvez bar de tapas seja o termo que melhor define o Obst., negócio desenhado por Lênin e seus sócios, o sommelier José Vinícius Chupil e o empresário Marcelo Muggiati Vaz, que abre seu salão nesta quinta (07/01) na Al. Prudente de Morais, no Centro.
“É uma região que funciona bem porque, além de ser no Centro, está perto dos bairros Batel e Mercês, onde está o movimento”, analisa Lênin, de pé na calçada de paver em frente à obra que transforma a antiga loja de decoração no novo restaurante. Ao som de martelos, serras e lixas, a reportagem conversou com os três sócios, a chef Júlia Schwabe e o bartender José Augusto Swaiger, em dezembro, quando os planos ainda eram conseguir inaugurar o novo lugar em meados daquele mês. As obras atrasaram e os sócios deciram deixar para estrear a novidade agora, em janeiro, já em 2021.
O Obst. propõe um espaço em que a comida, a coquetelaria e os vinhos têm pesos semelhantes na experiência do cliente. No cardápio, cerca de 15 preparos por noite, servidos em porções de uma bocada, em duplas ou como um snack para compartilhar. A definição dos pratos será feita durante o dia, conforme os peixes, carnes, verduras e demais insumos chegarem ao restaurante. “A ideia é sempre elevar o sabor de um ingrediente principal. Pode ser um peixe laqueado com um aioli ou uma espuma, ou um vegetal com algum creme ou outro ingrediente que acentua ou complementa seu sabor”, ilustra Lênin.
Conhecido por seu trabalho com ingredientes locais, o chef dilui as fronteiras para a seleção de fornecedores do novo empreendimento. “A ideia não é ser quilômetro zero. Não vejo problema em trazer um tucupi de Belém, uma vieira de Florianópolis”, defende. Como base para guiar as mudanças de cardápio, ele e a equipe preparam uma lista de ingredientes sazonais e a título de exercício criativo, o Bom Gourmet solicitou ao chef três preparos que poderiam ser servidos no Obst. Os pratos que ilustram esta reportagem são exemplos de combinação de sabores, tamanho de porção e apresentação dos pratos do Obst. e não necessariamente estarão no cardápio de estreia do restaurante.
Apenas uma das opções do cardápio terá a estrutura de uma refeição. A cumbuquinha, como está sendo chamada, servirá uma pessoa e terá como base um cereal, como arroz e milho, e pode aparecer na versão quirera com frango caipira, arroz caldoso ou polenta, por exemplo. Para adoçar a noite, cerca de duas sobremesas, sempre seguindo a linguagem da casa: uma porção para abocanhar de uma só vez. O cardápio poderá ser consultado por QR Code e os preços partem de R$ 30.
Para o verão, a ênfase será nos ingredientes do mar, como ostras, vieiras, peixes e mexilhões, e em vinhos brancos e espumantes, segundo a curadoria de Chupil, ex-sommelier do Edvino e La Varenne. Na coquetelaria, ganham espaço na carta preparos refrescantes e leves, assinados por Swaiger, que já havia passado pelo Nomade e também Officina Restô Bar e, mais recentemente, pelo Bistrô Felissimo, em Praia Brava (entre Itajaí e Balneário Camboriú).
“Curitiba tem muitos bons restaurantes e muitos bons botecos. Mas no meio termo não tem muita coisa”, arrisca o chef. “Quer dizer, não tinha”, completa. “Estamos abrindo um lugar que nós gostaríamos de frequentar”, definiu Swaiger.
Obst. é a abreviatura de “obstinado”, termo escolhido porque define o espírito do chef e da equipe que o acompanha. Entre cozinha, serviço e compras, serão 12 pessoas. “A ideia é que, depois de um bom treinamento, a gente tenha os cozinheiros servindo alguns pratos, aí sempre teremos uma pessoa extra na cozinha para um rodízio de funções”, explica Lênin.
Balcão e janela
O imóvel tem 140 metros quadrados e começou a ser reformado em setembro. Foi preciso construir as cozinhas de preparo e de finalização, o bar e ampliar os fundos da casa para acomodar a área interna dos funcionários. “Um restaurante com uma área interna maior que o salão é o que nos garante o fluxo de trabalho e a qualidade do produto final”, frisa Lênin.
O salão comporta 55 pessoas, entre mesas altas para até quatro pessoas, uma redonda para oito e mesas menores próximas ao bar, cujo balcão terá seis banquetas e uma janela aberta para atender quem estiver na calçada.
O passa-pratos está de frente para o salão e à porta dupla da casa, deixando visível a movimentação da equipe na cozinha de finalização. Um balcão mais reservado, perpendicular ao passa-pratos, será exclusivo para uma espécie de menu confiance, com lugar para quatro pessoas. O cliente poderá observar de perto os cozinheiros e provar uma seleção de preparos. “Se eu recebi uma pescada amarela, ela tem duas bochechas, certo? Essa é uma parte servida exclusivamente no balcão da cozinha”, exemplifica o chef.
No balcão da cozinha, também é possível pedir algo que esteja no cardápio da noite, repetir algum preparo e ter uma troca direta com a cozinha sobre suas preferências. A experiência sai a partir de R$ 300 por pessoa (sem harmonização) e é preciso fazer reserva antecipadamente.
As cerâmicas que darão suporte às ideias de Lênin foram desenhadas por Leonardo Aguiar, do La Oficina Cerâmica, junto com Isabel Seraphim, do Poteria Oficina Cerâmica, ambas de Curitiba. Os utilitários trazem imperfeições propositais no acabamento de bordas e apoios e misturam materiais como aço, couro, madeira e pedra. O formato irregular compõe com a proposta da casa: a aparência de simplicidade e harmonia é alcançada por meio do conhecimento técnico.
Para servir ostras, o prato é um ziguezague, em que os picos apoiam as conchas e os vales estabilizam a louça na mesa. Peças arredondadas, grandes como um centro de mesa, servirão porções para dividir. “Vamos supor, uma berinjela marinada. Aí serve nessa louça maior, com os talheres e pratos de apoio para cada cliente”, explica. Para os snacks que se comem em uma bocada, colheres de cerâmica, ao estilo chinês. Para todo o resto, as mãos.
Viagens e pesquisa
Lênin Palhano passou 2020 se alimentando de repertório. Em março, esteve na França e na Itália, onde frequentou restaurantes de medalhões – como o Plaza Atheneé, do chef Alain Ducasse, em Paris – e também bares e restaurantes anônimos. Lá pelo meio do ano, enquanto a pandemia avançava no Brasil e a rotina de todo mundo seguia instável, Lênin passou pela Al. Prudente de Morais e notou o ponto disponível.
Encontrar o lugar fez a ideia se materializar em pouco tempo. “A pandemia me fez antecipar em dois anos a ideia de um negócio próprio”, confessa Lênin. Junto de Chupil e Swaiger, passou o segundo semestre planejando breves viagens pelo Paraná e Santa Catarina para conhecer fornecedores. O trio sorveu ostras frescas em um barco em Florianópolis, provou cachaças em Morretes e beliscou queijos em Pomerode. Entre a saída do Nomade e a abertura do Obst., Lênin conseguiu encaixar uma viagem a Ciudad do México, onde pode provar um pouco da variedade da cozinha mexicana. “A base da cultura alimentar deles fica muito clara desde a comida de rua, na do dia a dia e no cardápio de grandes restaurantes. É milho, pimenta e mezcal”, observa.
Repertório e técnica
As cartas de bebidas acompanham o dinamismo do cardápio. Estreando com uma seleção de 45 rótulos, o sommelier e gerente da operação, José Vinícius Chupil, espera servir até 400 rótulos diferentes ao longo do primeiro ano. Boa parte deles também em taças (a partir de R$ 25), um serviço bem-vindo em restaurantes em que a variedade de vinhos é um dos pilares.
Para a estreia do Obst., a seleção abarca vinhos nacionais como um espumante laranja da Cave Geiss e um pinot noir da Vinícola Legado, da região metropolitana de Curitiba. “É um rótulo bem talhado, com notas de groselha, chá e canela. Tem complexidade, é regional e tem a cara do Obst”, descreve. Outra aposta do sommelier para o verão é o Txakoli, vinho branco feito com a uva hondarrabi zuri zerratia, do país basco. “Tem uma acidez elétrica, um pouco de floral e fruta. Isso faz com que harmonize com diferentes preparos da cozinha”, explica Chupil.
Para o balcão dos coquetéis, José Augusto Swaiger trouxe seus drinks de assinatura, como Punch Clarificado, Grand Cru e Cecília. O primeiro é feito a partir de uma mistura de leite com frutas e ervas. O preparo é talhado e o soro que se separa da coagulação das proteínas do leite é misturado ao gin e a um pouco de açúcar. “Leva um dia para fazer, mas o resultado é um drink limpo, totalmente transparente, nada pesado”, revela.
O Grand Cru foi o drink apresentado na Bacardi Legacy, em que Swaiger foi o único representante do Paraná em 2018. Leva Bacardi 8 anos, Sauternes (vinho branco de sobremesa), vermute seco e sal. Já o Cecília é feito de gin Amázzoni, abacaxi, rúcula, pepino e limão.
“Vamos trazer uma descrição mais sensorial dos drinks e informar o ingrediente-base, para que as pessoas possam escolher pelo perfil de sabor e aroma e não por imaginar a combinação de ingredientes”, conta Swaiger. No balcão, é possível conversar com o bartender para algum preparo fora da carta.
Persistente e incansável
O novo momento da carreira de Lênin é mais um encerramento de ciclo. Lênin foi o garoto-prodígio, revelado pela categoria Novos Talentos do Prêmio Bom Gourmet em 2010. Aos 24 anos, assumiu a cozinha do Terra Madre, do Grupo Vino! e, dois anos depois, também a do C La Vie, do mesmo grupo. Não demorou muito e o jovem chef alterou mais da metade do cardápio francês da casa, assinado por Érick Jacquin.
Em 2015, Lênin assumia pela primeira vez uma cozinha cujo cardápio escreveria (quase) do zero. Do café da manhã ao jantar do hotel-boutique Nomaa, Lênin rompeu o paradigma de comida de hotel em Curitiba com seu trabalho no Nomade. Seu nome passou a estar na ponta da língua dos jurados para a escolha de melhor chef e melhor restaurante. No Prêmio Bom Gourmet, Lênin foi eleito seis vezes como um dos melhores pelo júri especializado do Chef 5 Estrelas.
Olhando em retrospecto, é possível detectar os pontos na trajetória de Lênin que o fizeram chegar ao Obst. Há três anos, o chef trocou as entradas individuais por entradas para compartilhar no Nomade. Ainda que parecesse arriscada comercialmente, a decisão abriu caminho para uma experimentação maior e os clientes passaram a dividir não uma, mas duas ou três entradas entre a mesa.
Em setembro deste ano, o brunch passou a ter um cardápio sazonal, mudança que aumentou as possibilidades criativas para pratos contemporâneos, como um menu fresco de primavera, em que quase todos os preparos eram com ingredientes crus.
Em outubro, um dos preparos do brunch levava a combinação de carne suína com mexilhão. A máxima “horas para fazer, um segundo para comer” vale para esse petisco. A base era um prensado de orelha suína, cortado retangularmente e frito para ficar crocante. Por cima, creme de mexilhão, mexilhão, relish de pimenta dedo-de-moça com gengibre, uma fina fatia de lardo, raspas de limão, coentro e paleta desfiada e desidratada. “Este é um prato que demonstra bem o tipo de cozinha que terá o Obst”, afirma Júlia Schwabe, enquanto apontava cada ingrediente em uma foto registrada em seu celular.
Arquiteta de formação, Júlia estudou gastronomia na Le Cordon Bleu em Melbourne, na Austrália, entre 2016 e 2018. Quando voltou ao Brasil, passou pelo Bobardí antes de entrar no Nomade e agora será o braço direito de Lênin na cozinha do Obst.
O chef deixou a cozinha do Nomade oficialmente em novembro. Luan Honorato, que foi seus sous-chef por três anos, assumiu em setembro o cargo de comandante do restaurante. Da equipe do Nomade, saiu Júlia Schwabe, que assume a cozinha junto de Lênin no Obst. “A gente precisa dar mais espaço aos novos chefs. Ao Luan, à Júlia. Dar mais espaço para eles criarem, para eles assumirem a cozinha, se destacarem. A Júlia será fundamental no Obst para que eu possa voltar a pesquisar ingredientes e tocar uma cozinha criativa”, explicou Lênin. Obstinado, a propósito, abarca uma série de sinônimos que podem demonstrar a intensidade da obstinação. De persistente a incansável.
Menu Obst
Os pratos que ilustram esta reportagem são exemplos de combinação de sabores, tamanho de porção e apresentação dos pratos do Obst e não necessariamente estarão no cardápio de estreia do restaurante.