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Restaurantes

Attica, o premiado restaurante australiano que serve canguru e tem menu degustação com 20 pratos

New York Times
25/06/2017 21:00
Melbourne, Austrália – Ben Shewry é um dos chefs mais badalados da Austrália (foi retratado também na primeira temporada da série Chef’s Table na Netflix), um neozelandês que veio para cá em 2002 e desde então desenvolveu um amor de imigrante por sua nova e estranha pátria.
Seu trabalho no Attica, o restaurante pequeno e elegante que comanda em Ripponlea, um dos subúrbios mais tranquilos de Melbourne, é belo e preciso, elogiado local e internacionalmente como um reflexo de sua compreensão da nação e de sua história: seus ingredientes nativos são transformados pela reação emocional do chef em algo indiscutivelmente novo e marcante, memorável e raro.
O canguru vermelho salgado e o bunya-bunya (prato à base de castanhas de pinheiro) vieram da cozinha de Shewry: arte no prato, com um acompanhamento de história. Além disso, o uso de erva-armola, os shakes com ameixa Davidson em pó, sementes de leguminosas de várias formas, cordeiro – aqui chamado de jumbuck –, Vegemite (pasta feita com extrato de leveduras, salgada e amarga), caranguejo-da-neve, zabaione de ovo de ema e até uma variação criativa de abacate com torrada podem ser encontrados em vários restaurantes da cidade.
Uma refeição no Attica pode conter até 20 pratos, às vezes até mais, e dura cerca de três horas. Metade desse tempo pode ser gasto com as explicações dos garçons sobre o que de fato você está comendo, de onde vieram os produtos e a dificuldade de usá-los ou de prepará-los de forma que fiquem saborosos.
“Algumas explicações não são achadas em lugar nenhum”, contou Shewry durante uma conversa sobre como desenvolve as receitas com os ingredientes que descobre. “Não existe nenhum site na internet. Nem receitas. É preciso trabalhar o material, experimentar, pensar.”
No entanto, em uma noite de domingo recente, com a família, não havia todo esse drama e arte se desenrolando em sua cozinha. Shewry, 40 anos, estava só grelhando kranskies (linguiça eslovena) de queijo no deque nos fundos de sua casa modernista, de meados do século passado, colocando-as no pão com cebolas assadas e um pouco de ketchup. “Um Bunnings sizzle comum”, disse ele enquanto preparava os sanduíches, com os três filhos ao lado, pulando de satisfação.
Chef Ben Shewry, neozelandês que mora na Austrália. Foto: Divulgação.
Chef Ben Shewry, neozelandês que mora na Austrália. Foto: Divulgação.
As palavras surgem com facilidade na Austrália, e para quem vem de outros lugares, elas podem soar um tanto confusas e desconhecidas.
Não são apenas as nozes bunya-bunya colhidas em pinhas do tamanho de texugos, ou as sementes que vêm de árvores de acácia enormes. Kransky é um estilo de linguiça eslovena, parecida com a polonesa kielbasa, trazida para a Austrália por imigrantes e batizada com um novo nome. Você pode comprá-la com ou sem recheio de queijo. Shewry prefere a primeira.
Já Bunnings é uma grande cadeia australiana de lojas de equipamentos domésticos que oferece suas áreas de estacionamento nos finais de semana para que grupos comunitários consigam dinheiro vendendo linguiças preparadas nas churrasqueiras da empresa. Esses eventos são chamados de sizzles. O Bunnings sizzle é uma tradição nacional aqui.
Só que Shewry não preparava linguiça do supermercado. As kranskies, gordas e brilhantes, vieram do açougue orgânico de Gary McBean, que fica no Mercado Prahran, em South Yarra, a mesma loja que abastece o Attica com carne de cordeiro e de vaca. O pão não compromete seu sabor. A cebola e o ketchup podem até destacá-lo. (Sua mulher, Natalia Shewry, preparou lasanha e salada para depois da linguiça.)
Shewry fez questão de dizer que isso também é culinária australiana. Assim como a refeição cantonesa para a qual ele havia me levado alguns dias antes, em um animado restaurante no imenso Chadstone Shopping Center em Malvern East, o maior do país. E o pho que comemos em uma biboca no mercado Springvale; o souvlaki de carne de porco que degustamos no bairro grego de Oakleigh; os croissants que devoramos na maravilhosa Lune Croissanterie de Kate Reid, no distrito hipster de Fitzroy, junto com os flat whites – expressos com espuma de leite – que ajudaram a dar fama ao café de Melbourne.
“Essas são minhas comidas de conforto, as coisas que gosto de comer”, disse ele após as kranskies.
Mas quis deixar bem claro: a culinária australiana precisa refletir mais do que simplesmente a história nacional da imigração – o transporte forçado de prisioneiros britânicos no fim do século 18, a chegada dos mineiros chineses em busca de ouro, e a invasão de europeus no início da Segunda Guerra Mundial. Deveria também celebrar os 50 mil anos ou mais da cultura aborígene que chegou aqui primeiro, e os ingredientes que possibilitaram essa cultura.
“O que eu realmente quero fazer no restaurante é diminuir a distância entre o que os imigrantes trouxeram e o que já havia aqui”, disse ele.
As hortas da Rippon Lea Estate, perto do Attica, têm um papel importante nessa busca. Ela é uma fazenda de meados do século 19, de propriedade de Frederick Sargood, rico empresário de Melbourne, que era administrada por ele, a mulher, os filhos e uma grande equipe de empregados. Hoje, a propriedade pertence ao National Trust of Australia. Shewry e seus cozinheiros cuidam de vários canteiros nas hortas e pomares da propriedade, e vão lá diariamente para a colheita, a poda e a manutenção do antigo sistema de irrigação, que Sargood instalou para enfrentar o sol impiedoso do verão de Melbourne.
Ali estão as verduras que ele serve no início de cada refeição – brotos delicados de mostarda e azedinha com coalhada caseira com toque de balsâmico e maçã. E um pé de romã lotado de frutas.
Há também cenouras que ele vai preparar com folhas de pepperberry em uma grelha de pellet atrás do restaurante até que fiquem densas, doces e defumadas. E uma árvore de plum pine que em alguns meses dará frutos que Shewry precisa servir três horas depois de colhidos, para que não estraguem. A árvore é alta, com folhas pontudas e cones de sementes de um roxo profundo.
Segundo ele, pouca gente que vem ao Attica conhece o gosto do fruto da plum pine. Ele apontou para um pequenino, que ainda estava crescendo. “Agora é bem amargo, e só vai ficar bom durante algumas horas depois de amadurecido”, disse. Mas quando você experimenta?
Ele abriu os braços. “Quero que os clientes saibam que tudo o que há aqui é a comida do seu país.”
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