Receitas e Pratos
Mistura de tradição e busca por conhecimento fortalece a identidade do queijo paranaense
Especialistas são unânimes ao cravar que o principal fator para produzir um excelente queijo é utilizar leite de alta qualidade. Disso o Paraná dispõe, e muito. E esse é um dos fatores que leva o queijo paranaense a figurar cada vez mais ao lado de queijos já consagrados, como os de Minas Gerais, em premiações locais e mundiais. Em 2022, por exemplo, os queijos paranaenses receberam mais de 30 medalhas no Mundial do Queijo do Brasil, uma competição que reuniu produtores de 11 países.
Porém, é apenas o início de uma caminhada longa rumo a uma identidade mais definida do queijo paranaense. Segundo o Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR), o Paraná oscila entre o segundo e terceiro estado do país em importância nacional na produção de leite.
Isso significa não apenas que a produção paranaense está entre as maiores do Brasil, mas que o leite produzido pelas vacas aqui presentes se destaca entre os demais. Aliados a essa tradição leiteira, os investimentos públicos para desenvolver a área queijeira têm se concentrado em especialização e envolvimento do pequeno produtor no turismo.
Uma das ferramentas para isso foi a criação da Rota do Queijo Paranaense pelo IDR. Terezinha Busanello Freire, coordenadora estadual de turismo rural do Instituto, conta que, em um primeiro momento, a inspiração veio dos queijos coloniais, mas que ao realizarem o mapeamento, houve surpresa com a produção de queijos finos pelos produtores rurais. Na Rota – que hoje conta com 35 queijarias, mas que está em constante complementação – constam tipos de gouda, camembert, asiago, morbier, entre outros.
Tecnologia e aprendizado estão na trilha do queijo paranense
Ao visitar feiras em países de cultura queijeira, como a França, por exemplo, é comum ver uma vasta quantidade de pequenos produtores comercializando queijos finos. Já no comércio popular do Paraná, são mais encontrados os queijos coloniais, cuja história é marcada pelos imigrantes europeus vindos para o Brasil após a Primeira Guerra Mundial. Eles tinham por hábito o consumo de muito queijo em suas terras natais e começaram a produzir por aqui de forma adaptada, com os materiais existentes. A tradição foi passada de geração em geração, mas é, inegavelmente, centenas de anos mais recente que a europeia.
Professor da Escola Técnica de Leites e Queijos da Universidade Estadual de Ponta Grossa (ETL Queijos - UEPG), Alessandro Nogueira faz o paralelo com a Europa e explica que não há como comparar as produções de queijos finos, já que o Paraná ainda está nos primeiros passos deste caminho. “Estamos em um local extremamente propício para o desenvolvimento de queijos especiais e autorais, mas hoje não basta aquele conhecimento que vem de pai para filho, tem de estar atualizado com as contemporaneidades”, relata.
Teoria e prática são abordadas nos cursos da Escola, que já formou cerca de 300 mestres queijeiros. Há uma planta piloto para produção e treino – chamada carinhosamente de “queijaria da Barbie”, pelo pequeno porte – e aulas sobre tipos de queijo específicos. Até nos intervalos os estudantes aprendem, mas, desta vez, enquanto degustam as delícias frutificadas em classe.
Um dos objetivos da especialização é diversificar a produção local, com enriquecimento cultural associado ao incremento econômico. “O produtor percebe que com quase o mesmo volume de leite ele pode ir além do convencional, indo da produção de um mussarela, por exemplo, para um tipo camembert. E agregando três, quatro vezes mais valor”, aponta Alessandro. Aprender a produzir queijos maturados e duros, como o parmesão, também pode ajudar a transformar o leite excedente de certas épocas, como dezembro, em uma espécie de poupança a curto prazo. “Com conhecimento e tecnologia ele faz um novo produto”, completa.
Com potencial para a criação de mais circuitos turísticos focados em iguarias específicas, como acontece com os caminhos do vinho já existentes no estado, o nicho dos queijos precisa preparar o produtor antes de focar na visitação. “O produtor tem que ter estrutura e tranquilidade. Abrir para visitação é algo a mais, mas o foco deveria ser oferecer ferramentas para que ele escoe a produção de forma rentável e facilitada e possa acessar grandes mercados”, opina a queijista da loja Bon Vivant, Flavia Soni Rogoski. Ela também vê a necessidade de legislações cabíveis à realidade dos produtores – para que consigam comercializar em mais locais –, e de pesquisas sobre a produção dos queijos, como é feito há décadas em relação à Serra da Canastra.
O que é que o paranaense tem?
O termo francês terroir, bastante utilizado na definição de vinhos, também pode ser aplicado aos diferentes tipos de queijo existentes. Um complexo conjunto de fatores como localização, condições climáticas, solo, pastagem dos animais, intervenção humana, cultura e tradição é o que forma o terroir de um queijo. Para Terezinha Busanello Freire, da Rota do Queijo Paranaense, são essas características incrustadas nos queijos do estado que os tornam únicos. “Só isso já nos diferencia. O sabor é uma questão de aceitação do consumidor, a partir do momento que temos um terroir específico, o turista se identifica”, complementa.
Alguns produtores incorporam uma camada a mais de identificação regional utilizando ingredientes com a cara do estado, como café, vinho local, erva-mate ou lavanda. O mais próximo de um queijo tradicional característico é o porungo, queijo jovem, de massa filada e formato arredondado, como uma cabaça, fabricado principalmente em Palmeira. Essa é a opinião da queijista Flavia Soni Rogoski.
Desde que a Escola Técnica de Leites e Queijos da UEPG) começou a funcionar, em 2009, o professor Alessandro Nogueira é perguntado sobre o diferencial do queijo paranaense. “Ainda não conseguimos identificar algo próprio da região [os Campos Gerais]. O que mais se destaca é a alta qualidade do leite. Isso é muito importante para produzir queijos finos, porque é algo vivo e muito sensível. Você pode perder tudo se não tiver o conhecimento de produção e de maturação.”
Tal opinião vai de encontro com a de Flávia. “Não consigo dizer que o queijo paranaense é marcado por algo, temos como vantagem a qualidade do leite, mas como fazer para nos diferenciar dos queijos dos outros estados? É preciso criar uma identidade para o queijo paranaense”, enfatiza.
Reconhecimento
A história da Queijaria Cornélia, de Arapoti, é um desenho da fusão entre a tradição artesanal e o aperfeiçoamento tecnológico. A avó do mestre queijeiro Sander Willem Verburg migrou da Holanda para o Brasil nos anos 1960 e trouxe seu jeito de produzir gouda. A vizinhança aprovou e quis comprar. Ela ensinou as novas gerações, mas o trabalho profissional aconteceu apenas a partir de 2013.
Hoje, o processo nem se compara ao de menos de dez anos atrás, desde a genética das vacas até a estrutura da queijaria. Porém, se mantém o processo artesanal que dá tom e originalidade. “Cada vez estamos nos aprimorando mais. Fazemos controle intenso do nosso produto para ter estabilidade, buscando conformidade e constância na produção. E já pensando que daqui dois anos queremos ter um leite ainda melhor”, explica Sander.
O reconhecimento de todo esse trabalho, além da boa recepção do público, veio este ano, quando queijos Cornélia - o gouda natural e o com feno grego - venceram duas das três categorias da premiação da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). “Foi bem gratificante porque mostra que estamos no caminho certo”, comemora Sander.
Francisco Augusto Mesquita Gonçalves comercializa os goudas artesanais de Sander entre os cerca de 70 tipos de queijo que mantêm na loja da qual é proprietário em Curitiba, a Chico Queijos Artesanais. Desse número, ao menos cinco marcas são de queijos paranaenses. Para explicar sobre os laticínios que são sua paixão, Chico faz um mapa de queijos em cima da vitrine refrigerada para mostrar que se produz queijo bom no Brasil todo, não só em Minas Gerais.
Ele também atesta que as premiações fazem os agraciados serem instantaneamente mais procurados nas gôndolas, mas que só o fato de participar já é muito enriquecedor para os produtores, mesmo quando eles não vencem. “Ganhar o concurso não deve ser o principal, e sim o fato de ter o queijo avaliado por um corpo de jurados que vai te dar uma ficha técnica apontando o que você pode corrigir e melhorar”, cita.
Os queijeiros paranaenses terão mais uma oportunidade de submeter suas produções ao escrutínio de um júri. O Sistema FAEP e o IDR lançaram no final de agosto a primeira edição do Prêmio Queijos do Paraná. A intenção é valorizar e estimular ainda mais essa cadeia produtiva com ações de qualificação dos produtores e de divulgação ao consumidor. Além disso, o objetivo também é coletar dados relevantes sobre a produção queijeira do estado.
Estrelas da queijaria paranaense
O premiado Gouda com feno grego, da Queijaria Cornélia, de Arapoti.
Conheça alguns dos queijos premiados, onde são produzidos e seus reconhecimentos:
- Queijo Appenzeller da Cooperativa Witmarsum - Colônia Witmarsum, em Palmeira: Concurso Nacional do Instituto de Laticínios Cândido Tostes/2005.
- Queijo tipo parmesão “Precioso” do Rancho Seleção - Londrina: Mundial do Queijo do Brasil/2019.
- Queijo Maná Concafé Gourmet do Sítio Aliança - Santana do Itararé: Mondial du Fromage et des Produits Laitiers de Tours (Concurso Mundial dos Queijos e Laticínios de Tours, França)/2021.
- Queijo Colonial da Queijaria Rancho Fundo - Salgado Filho: Selo Arte/2021.
- Queijo Gouda Natural e Gouda com Feno Grego da Queijaria Cornélia - Arapoti: Concurso CNA Prêmio Brasil Artesanal/2022.
- Queijo Porungo da Queijos Vanny - Palmeira: Concurso Internacional do Queijo Artesanal de Araxá/2022.