Receitas e Pratos
De farinha a molho pesto: aprenda a usar o pinhão de forma criativa em suas receitas
O pinhão é tão significativo para os curitibanos que até o nome da cidade é uma referência a sua árvore: do Guarani, kur yt yba quer dizer “grande quantidade de pinheiros”. E o fato de ser tão endêmico e sua produção se limitar a uma época específica do ano faz dele um ingrediente com grande valor afetivo. A chegada da temporada do pinhão abre não apenas a oportunidade de consumir a semente pura (sim, ele é uma semente comestível!), cozida em água ou sapecada na brasa, mas também proporciona a criação de pratos à base deste ingrediente incrivelmente versátil, principalmente em termos de sabor.
“O pinhão tem um gosto característico, que não se sobressai e não esconde os demais ingredientes. Ele não passa despercebido, porém não rouba a cena, e por isso é tão fácil de ser incorporado em várias receitas”, explica a chef do Veg e Lev, Eveline Ribeiro. No restaurante, que tem como uma de suas premissas o uso de ingredientes regionais em receitas saudáveis e sustentáveis, a época do pinhão é pacientemente esperada e devidamente aproveitada.
A cada temporada, a equipe se supera criando e incorporando temporariamente ao cardápio receitas em que o pinhão é o grande destaque. Neste ano, a estrela da vez é o Bobó de pinhão, que ficará como prato fixo durante todo o mês de junho, mas ainda sobra espaço para explorar algumas receitas em dias aleatórios, como o Arroz cremoso de pinhão ou o Pesto rústico de pinhão.
Se por um lado o pinhão é um ingrediente fácil do ponto de vista do sabor, quando se fala em manipulação nem sempre é tão simples domá-lo. Tanto que a chef Eveline, que conta com a ajuda dos sub chefs Liceli Rodrigues e Jonathan dos Santos nesta missão de desenvolver pratos, já avisa: prepare- -se para ter trabalho!
Isso porque o processo do pinhão sempre parte do cozimento e do descascar praticamente manual. “Já tentamos de outras formas, mas não funciona”, afirma Ricardo Zilz, fundador e padeiro da Santo Pane, que incorpora o pinhão nas suas receitas tanto na forma in natura quanto como farinha.
Ricardo – que por anos viajou o mundo como engenheiro civil, mas voltou a Curitiba para se dedicar à panificação – conta que desde que abriu a Santo Pane teve a ideia de fazer a receita de um pão que levasse pinhão. “Fiquei mais de um ano desenvolvendo, testando e adaptando, até que lançamos a baguete de pinhão em 2017 e foi um sucesso”, comemora. Nesse período de teste, ele tentou usar o pinhão amassado para formar a massa, mas o resultado não agradou. O que funcionou, segundo ele, foi fazer a farinha a partir da semente cozida e unir à mistura já feita com farinha de trigo para, aí sim, a massa passar por uma fermentação natural com um fermento de garrafa que está na família há praticamente 120 anos.
“O pão fica com uma textura mais macia e elástica (comparada à da receita que só leva trigo), a casca fica crocante e muito saborosa. Quem é acostumado a comer pinhão consegue sentir o gosto, mas ele é bem leve”, conta.
Farinha de pinhão
Ingredientes:
- Pinhão na quantidade que desejar
Modo de Preparo:
- Cozinhe os pinhões na panela de pressão com um pouco de sal por aproximadamente 45 minutos. Depois de cozidos e descascados, coloque-os em uma forma e leve-os ao forno médio para secarem, evaporando um pouco da água do cozimento.
- Depois, passe os pinhões no processador, mixer ou liquidificador para transformar em farinha; depois da farinha pronta, leve para secar mais um pouco no forno, mas desta vez cubra com uma tampa ou com a assadeira fechada. Deixe descansar até esfriar bem. Guarde em saquinhos lacrados no freezer por até 3 meses. Para utilizar em receitas de pães, não precisa descongelar, pode adicionar direto na massa.
Pão de pinhão
Ingredientes:
- 1 kg de farinha de trigo;
- 600 g de água + adicional para o ponto;
- 300 g de farinha de pinhão;
- 10 g de sal;
- 200 g de levain (fermento natural).
Modo de Preparo:
- Misture tudo (exceto a farinha de pinhão) e sove a massa até obter um aspecto liso e um pouco elástico. Incorpore a farinha de pinhão, misture com cuidado, e sove mais um pouco até dar o ponto de véu. Para chegar ao ponto, talvez seja necessário adicionar mais um pouco de água, com cautela. Na etapa de sova, você pode utilizar a batedeira.
- Depois da sova, deixe-a em um recipiente untado com um pouco de óleo e tampado em temperatura ambiente por cerca de uma hora. Leve à refrigeração por cerca de 12h a 20h. l
- Retire da refrigeração, divida a massa com cuidado em duas partes, modele suavemente, e coloque os pães em formas ou em bannetons. Cubra bem e deixe fermentar por cerca de uma hora ou até verificar que estão crescidos. Com o pão já fermentado, esquente seu forno a 220º e coloque uma assadeira na parte de baixo do forno. Quando estiver bem quente (cerca de 20min depois do forno ligado), coloque os pães na parte de cima e jogue um copo de água na assadeira de baixo (para fazer vapor). Asse por aproximadamente 25 minutos (o tempo depende de cada forno). Deixe os pães esfriarem por no mínimo 1h antes de cortar.
- Pode-se utilizar a água um pouco gelada para não esquentar a massa;
- Você pode usar uma pitada de fermento biológico seco caso queira um crescimento mais rápido do seu pão;
- Procure vídeos no YouTube para dicas de como modelar o pão e fazer os cortes;
- Farinhas de prateleira, como costumamos chamar, destas que se vendem em supermercados, em geral, têm baixa qualidade em termos de resistência e outros fatores, acarretando um maior trabalho e técnicas para deixar o pão melhor.
Para fazer a farinha, Ricardo ensina. “O pinhão é cozido, processado e seco, mas não tanto, para proteger os seus óleos característicos.” Sobre o cozimento, Ricardo também dá a dica: não deixar cozinhar muito, cerca de 45 minutos na panela de pressão são suficientes. “Ele absorve muita água no cozimento, então se deixar muito tempo cozinhando acaba ficando aguado e perdendo seu gosto”. Para driblar inclusive esta característica, Ricardo lança mão de outra técnica: depois de cozido, quando vai usar o pinhão em pedaços nas receitas, como na quiche, costuma secá-lo antes.
A técnica também é usada pela chef do Veg e Lev, principalmente quando o pinhão vai para a finalização de pratos. “Uma forma gostosa e fácil de consumir é ‘puxar’ o pinhão, sozinho ou com outros legumes, na frigideira com azeite de ervas. Ele fica com mais brilho e sabor”, explica.
Combinações
Outro cuidado a ser tomado na hora de incorporar o pinhão à receita é a combinação de ingredientes. “O pinhão tem um sabor sutil, então o ideal é usar ingredientes que não camuflem o seu gosto, como o gorgonzola”, orienta a chef Anouk, do restaurante Donna Pinha, de Santo Antônio do Pinhal (SP), na Serra da Mantiqueira. O estabelecimento é por si uma ode ao pinhão, e nele o ingrediente é tratado como estrela. “A região recebe muitas pessoas de todo Brasil e até mesmo de outros países, e muitas delas nunca provaram o pinhão. Os estrangeiros chegam até a pensar que é uma espécie de pinoli, e se surpreendem”, conta Anouk, que revela ainda como faz para garantir que todos os turistas possam experimentar a semente mesmo quando não é a sua época. “Temos um produtor de Campos do Jordão que nos fornece o pinhão em conserva, o que garante o estoque para o ano todo. Mas não se compara, o pinhão fresco é outra coisa”. Na temporada, a chef abusa da criati - vidade e monta menus completos em que o pinhão aparece da entrada, como no Quibe de pinhão, feito com farinha à base do ingrediente, à sobremesa, como o Mousse de chocolate amargo com pinhão crocante e inteiro.
Nas receitas doces, ela recomenda usar o pinhão em pedaços maiores e pouco açúcar, para que seu sabor levemente adocicado se sobressaia. Já para os preparos que levam a farinha (como no quibe), a dica da chef é que ela apareça em porcentagem maior que as demais. “Use-o em pedaços grandes para você senti-lo na mastigação e assim apreciar o sabor. Ele é o destaque e, como um rei, coloque-o no trono!”, brinca.
Sopa de pinhão
Ingredientes:
- 1 kg mandioca (amarela ou branca);
- 500 g de pinhão cozido e descasacado;
- 2 colheres de azeite de oliva;
- 2 cebolas grandes cortadas em tiras;
- 2 pimentões amarelos cortados em tiras;
- 2 pimentões vermelhos cortados em tiras;
- 1 pimenta dedo-de-moça sem sementes cortada em pedaços pequenos;
- 50 ml azeite de dendê;
- 8 tomates sem pele;
- 1/2 maço de coentro (pode ser substituído por salsinha);
- Suco de 1/2 limão;
- 1 colher de sopa gengibre picado em pedaços pequenos;
- 200 ml de leite de coco.
Modo de Preparo:
- Cozinhe a mandioca até derreter, retire a raiz (uma espécie de fio que fica no meio) e reserve na água do cozimento até estarem mornas. Bata aos poucos no liquidificador colocando um pouco da água do cozimento, apenas o suficiente para permitir que o apare - lho as processe até que virem um creme. Reserve.
- Frite as cebolas no azeite de oliva até que estejam transparentes (sem dourar demais). Acrescente a pimenta, os pimentões e o gen - gibre e frite mais um pouco. Acrescente os pimentões e o azeite de dendê e deixe que se incorporem aos demais ingredientes para depois colocar os tomates. Ferva por cerca de 5 minutos e depois acrescente o creme de mandioca. Coloque o pinhão, o leite de coco, acerte o sal.
Textura Rústica
A sutileza do sabor do pinhão con - trasta com sua textura até certo ponto bruta. Por isso, a chef Eveline adverte que nem todo preparo serve para ele. “Já tentamos fazer purê, mas não ficou bom”, conta, ressaltando que ele não fica homogêneo. No pesto de pinhão ela, aliás, já avisa que o seu resultado é mais rústico, mas muito gostoso.
E para os veganos, Eveline indica usar e abusar do pinhão nas receitas em que ele possa substituir a proteína, como é o caso do próprio Bobó servido no Veg e Lev, em que ele entra no lugar do camarão. “Mas nada impede que ele seja combinado com proteínas animais também”, sugere.
Molho pesto com pinhão
Ingredientes:
- 100 g de manjericão fresco ;
- 200 g de pinhão cozido e descascado;
- 500 ml de azeite de oliva;
- 2 dentes de alho.
Modo de Preparo:
- Bata os ingredientes no liquidificador e acerte o sal. Para os não veganos, uma dica é acres - centar queijo parmesão para finalizar.
Sabor com data para acabar
Como não existe felicidade que dure para sempre, após um curto período de reinado, o pinhão sai de cena, já que sua vida útil é curta. Uma dica para ver se ele está bom para o consumo é avaliar sua casca: cor brilhante e vibrante é um bom sinal, assim como a ausência de furos.
Mas se a temporada de pinhão fresco dura pouco (até o mês de junho), há algumas formas de garantir que o ingre - diente possa ser usado por mais algum tempo. Guardar bem armazenado na geladeira, em potes hermeticamente fechados, aumenta um pouco a durabi - lidade. “Já congelamos e deu certo. Quando congelado cru, ficou perfeito para uso em receitas por até três meses, mas se congelado cozido ele esfarela quando descongelado, então só vai poder ser usado em caldos e molhos”, ensina a chef Eveline. Já no caso da farinha de pinhão, Zilz afirma que ela pode ser usada até três meses após ser processada, bastando colocar em um saquinho ou recipiente bem vedado.