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Será o fim do foie gras no Paraná?
De iguaria para poucos à delícia para ninguém. O célebre tournedo Rossini, a clássica terrine e o contemporâneo sashimi de atum com foie gras correm o risco de ser apenas uma recordação da gastronomia. Pelo menos no Paraná onde o projeto de lei 141/2015, do deputado estadual Rasca Rodrigues (PV), em tramitação na Assembleia Legislativa, prevê o fim da comercialização do foie gras de patos e gansos no estado. O assunto é notoriamente polêmico: para os gourmets trata-se de um manjar dos deuses, enquanto outros denunciam o método cruel de produção.

Se você nunca experimentou e está se perguntando, a resposta é não: ele em nada se compara ao fígado de outros animais. Tem sabor marcante por causa do alto teor de gordura e textura amanteigada. Sua delicadeza exige grande cuidado na hora do preparo. Ele é servido de várias formas: desde a versão em patê espalmado em pães e torradas ao escalope selado rapidamente na frigideira. O foie gras mais nobre é produzido na Alsácia e na região de Toulouse e os franceses são os maiores consumidores.
Quando, em junho, um projeto de lei parecido foi aprovado pela Câmara Municipal de São Paulo e sancionado pelo prefeito Fernando Haddad, muitos cozinheiros renomados, inclusive Alex Atala (chef brasileiro mais reconhecido mundialmente), ficaram revoltados com a proibição. Poucas semanas depois, porém, a Associação Nacional de Restaurantes (ANR) conseguiu uma liminar para suspender o veto, alegando que a decisão feriu a Constituição. É o que pode acontecer por aqui, se a lei for aprovada.
Atualmente o foie gras é servido em diversos restaurantes de Curitiba e se encontra à venda no Mercado Municipal (R$ 375 o quilo, no Pé de Boi). Mas é um produto para pouquíssimos. Tanto que, de acordo com os restaurateurs de Curitiba, a proibição não afetaria de maneira significativa os negócios. “Será irrelevante do ponto de vista comercial. É um produto que não dá rentabilidade para o restaurante. Um restaurante ganha mais dinheiro num prato de macarrão que no foie gras”, comenta Raphael Zanette, proprietário do C La Vie, casa que serve a brioche com manteiga de trufas, escalope de foie gras e ovo caipira com gema mole (R$ 59) e o tournedo Rossini, mignon com escalope de foie gras, batata rösti e cogumelos trufados (R$ 119).
A questão é estritamente cultural. “É uma grande perda para a gastronomia”, afirma Fanie Delatte, proprietária do L’Épicerie, casa que serve foie gras de pato importado da França. “Sou contrária a qualquer tipo de proibição porque tira o direito da pessoa de escolher, acho uma decisão hipócrita. Além disso, vai afetar o foco do meu modelo de negócio que é ser um restaurante típico francês” explica. No cardápio há três pratos: o tournedo Rossini, com molho demi-glacé e redução de Porto (R$ 113); foie gras poêlé (selado), com maçãs e redução de Madeira (R$ 59); e a terrine com confiture de figo e torradas (R$ 71).
Pelo menos outras duas casas de Curitiba servem a iguaria atualmente. Destaque no cardápio do restaurante japonês Tuna são o Maguro Foie Gras (R$ 28), feito com atum e foie gras selado e servido com molho tare, e o The Tuna, atum selado com mel de laranjeira, foie gras, linguine de pupunha e laranja confit (R$ 70). No Ernesto Ristorante também há duas opções: mezzaluna de foie gras com manteiga dourada e redução de frutas vermelhas (R$ 47); e o foie gras fresco ralado com maçã caramelizada e marmelada de figo (R$ 68).
Produção
A polêmica está no modo de produzir o foie gras já que o fígado é obtido por meio de alimentação forçada de patos e gansos. A técnica é chamada de “gavage” (em francês “alimentação forçada”, em tradução livre) e consiste em superalimentar os animais por meio de um tubo enfiado no esôfago a fim de aumentar o órgão do animal até dez vezes, nas semanas anteriores ao abate. Para os defensores da proibição, o processo é uma forma de maltratar as aves e a produção é banida em muitos países, como Itália e Alemanha.
No Paraná não há criações de patos e gansos com a finalidade de produzir o fígado gordo. A Villa Germania, de Indaial, em Santa Catarina, é uma das maiores empresas do setor no Brasil, mas a criação de animais, conforme informado pela empresa, é feita por dois pecuaristas terceirizados, cujo nome não foi revelado à reportagem. Alguns restaurantes de Curitiba utilizam foie gras produzido no interior de São Paulo.
Foie gras ético
A fazenda Sousa & Labourdette, localizada em Extremadura, no Oeste da Espanha, ganhou fama mundial por produzir o foie gras ético. Numa área de 500 hectares de mata mediterrânea preservada, os gansos são criados soltos e podem comer tudo que se encontra na propriedade, como azeitonas, frutas como figos e bolotas e sementes de tremoço (que confere a cor amarela ao fígado). Durante o outono, os gansos, gulosos por natureza, passam a se empanturrar de comida para se prepararem ao inverno. O abate é realizado uma vez por ano. O foie gras de Sousa & Labourdette é um dos mais reconhecidos do mundo e conquistou o paladar de grandes chefs como o espanhol Ferran Adrià e o americano Dan Barber.
Festival da iguaria
O La Varenne promove, de 17 a 22 de agosto, um festival dedicado à iguaria. O cardápio é assinado pelo chef Ivo Lopes e será servido apenas no jantar. Há duas opções de menu, uma de oito tempos (R$ 320) e outra de cinco (R$ 210), que não incluem bebidas e taxa de serviço. Entre os pratos servidos há o medalhão Rossini, a terrine de coco com redução de coca cola e o tortelli de coelho com creme de burrata e escalope de foie gras grelhado.
O chef explica que, por ser um produto extremamente delicado, demanda grande cuidado na hora do preparo. “Tem várias formas de fazer: grelhado fica com a textura mais gordurosa; feito ao forno ou em terrine, vira uma manteiga”. Na hora de selar na frigideira, o óleo tem que ser bem quente para o fígado formar uma camada crocante e evitar que desmanche. Acompanha bem com frutas e molhos agridoces, como chocolate, tangerina, maçã e figos. O foie gras de ganso é mais nobre e um pouco mais caro que o de pato, “tem mais sabor, uma textura mais macia e é mais amanteigado”, afirma Ivo. O servido no restaurante é produzido pela empresa Agrivet, de Valinhos (SP).
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