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Queijo mineiro ganha novos sabores e coleciona prêmios internacionais
O queijo artesanal mineiro está no meio de uma revolução. Esqueça aquela peça branca, tipo frescal, ou o levemente amarelado meia cura. Os cerca de 30 mil pequenos produtores artesanais do estado investem cada vez mais em maturações que podem durar meses, e que resultam em sabores complexos e diversificados.
Alguns queijeiros experimentam o uso de fungos e mofos, enquanto outros apostam em cavas e até cisternas para envelhecer seus queijos. O reconhecimento desse novo momento do laticínio aparece em premiações no exterior, como as 12 medalhas faturadas no Salão Internacional do Queijo da França, em junho do ano passado, incluindo um primeiro lugar, conquistado pelo queijo Senzala, produzido em Sacramento, na Serra da Canastra, e maturado com fungo branco.
A mudança também já está na mesa do mineiro, que vem experimentando – e aprovando – as novidades que vêm da roça.
O novo momento do queijo é ainda mais importante quando se constata que o produto era praticamente clandestino há pouco tempo atrás. É que o uso do leite cru – aquele que não passou por processo de pasteurização –, fundamental para que o queijo seja chamado de artesanal, estava na mira das autoridades sanitárias de Minas Gerais, que queriam implantar rígidos padrões aos produtores.
O uso do pingo, o soro que escorre da produção diária e é reaproveitado no dia seguinte, também não era visto com bons olhos, apesar de ser característico do estado. Some a isto um decreto federal que proibia a venda do queijo de leite cru fora do estado e estava pronto o cenário que quase matou uma tradição de mais de 300 anos.
“Era comum encontrar produtores que vendiam seus queijos frescos a preços irrisórios, só nas porteiras das fazendas, já que todo o negócio era informal. Quase ninguém maturava”, revela Paulo Matos, gerente executivo da Associação de Produtores de Queijo Canastra (Aprocan), que reúne cerca de 800 produtores.
A situação chamou a atenção do cineasta mineiro Helvecio Ratton, que lançou em 2011 o filme “O Mineiro e o Queijo”, em que retrata, com detalhes, a produção do queijo artesanal de Minas Gerais e a relação das famílias queijeiras com a sensação de clandestinidade.
“Foi a primeira vez que muita gente viu a cara de um produtor de queijo”, conta o jornalista gastronômico Eduardo Girão, especializado em promover degustações de queijos e harmonizações. “O filme fez uma defesa da tradição, que chamou a atenção de muita gente. Foi um marco nessa atual valorização do queijo”, afirma.
O longa-manifesto acabou sensibilizando o poder público, que reduziu algumas exigências, garantiu o status de produto artesanal e possibilitou a formalização da produção. Junto a isso, entidades como o Sebrae e a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado Minas Gerais (Emater) – espécie de Embrapa regional – investiram na capacitação desses produtores rurais.
Apesar de representar avanços, a legislação ainda não é a ideal. Poucos produtores conseguem arcar com os custos da formalização, e o uso de fungos na maturação não é reconhecido pela lei. Além disso, a venda para outros estados esbarra em exigências do Ministério da Agricultura, como o selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF), de difícil obtenção para um produto artesanal. Mesmo assim, o crescimento do queijo anima quem lida com o laticínio no dia a dia. Segundo Paulo Matos, a venda tem crescido tanto que hoje existem produtores com uma renda bruta de R$ 20 mil mensais. “Conseguimos resgatar a autoestima dessas pessoas”, comemora.
Para Girão, o atual momento é a prova de que o queijo mineiro não deve nada para os europeus em termo de sabor e qualidade. Convidado a organizar uma degustação de queijos mineiros no fim de 2016, ele acabou deixando o trabalho na redação de um grande jornal para se dedicar às apresentações mensais, com produtos que garimpa por andanças no interior. Com a ajuda de especialistas, ele faz harmonizações com cafés, cachaças e cervejas, sempre com as turmas lotadas.
O interesse nas aulas, para ele, mostra que o momento é de o mineiro se reencontrar com o queijo feito no estado. “É um público que ainda está sendo sensibilizado. Demora quebrar um hábito e, durante muito tempo, o queijo mineiro era sinônimo daquele frescal ou do meia cura, para acompanhar um cafezinho ou fazer o pão de queijo, e só. Mas já estão entendendo que vai muito além, que o nosso queijo é tão bom quanto o importado e muito diversificado”, avalia.
Existem, inclusive, descobertas que ainda estão sendo feitas. “Não é raro encontrar verdadeiros achados nas viagens para o interior, que não temos nem como categorizar. Às vezes a pessoa tenta encontrar paralelos com os queijos europeus, mas não existe um parmesão ou um brie mineiro, mesmo que as receitas se aproximem. O que temos aqui ainda é um momento de muita experimentação”, diz.
Para quem quer provar as novidades mineiras, a loja Néctar do Cerrado, no Mercado Distrital do bairro Cruzeiro, na região centro-sul de Belo Horizonte, é uma parada obrigatória. Por lá, marcam presença os queijos de todas as sete regiões que têm reconhecimento de origem – Serra da Canastra, Serra do Salitre, Triângulo Mineiro, Cerrado, Araxá, Serro e Campo das Vertentes.
É para essas áreas que o proprietário Cássio Avelino viaja pelo menos uma vez por ano, com o objetivo de procurar os queijos que vende na loja e conhecer de perto os processos dos produtores. Ele defende que, à exceção do uso do pingo e do leite cru, é impossível apontar uma característica de sabor ou textura comum a todos. “Mesmo dentro das grandes regiões, nós temos micro-terroirs, que alteram completamente como o queijo é. Existe uma infinidade de combinações, já que tudo, como o gado, o capim, a altitude e o modo de preparo podem resultar em um produto de um jeito ou de outro. Os sabores são muito diversos e surpreendentes”, afirma.
Ele também garante que o movimento na sua loja tem crescido nos últimos anos, impulsionado principalmente pelos mais jovens. “Hoje, quem busca os queijos mineiros é o público mais antenado, que viaja e frequenta bons restaurantes. Os mais velhos, mais tradicionalistas, que só comem aquele queijo frescal, ainda estão sendo apresentados a esses novos produtos e mudando seus hábitos. Temos uma longa avenida, mas o caminho já está sendo bom”, conclui.
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