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Tem flores em seu prato? Saiba que elas não são só “pra bonito”
As rosas vermelhas entregues por Pedro à Tita, no filme Como Água para Chocolate, e com as quais ela prepara codornas recheadas, foram inspiração para Marilda Pianaro iniciar em 2006 o cultivo de flores comestíveis. O plantio no município de Campo Largo, Região Metropolitana de Curitiba, começou com capuchinhas (picante como o agrião), mas hoje ela se dedica aos 200 pés de rosas, que dão um toque frutado ao alimento preparado. “Até o fim deste ano quero dobrar o número de rosas plantadas porque a demanda está aumentando”, disse.

O uso de flores na culinária é secular, mas a origem exata é desconhecida. As referências apontam para países da Ásia e os mais entusiastas afirmam que foi em Kioto, no Japão, onde o uso começou.
E é em restaurantes de origem oriental que elas ganham destaque. Rosas, capuchinhas, flor de abóbora, flor de mel, amor perfeito, margarida, begônia, calêndula, borago, torênia e clitória são algumas que adornam saladas, sobremesas, coquetéis e pratos principais.

Na associação de sabores, o botão de girassol tem gosto de aspargo, o cravo se assemelha à cebola, a begônia lembra o limão, a calêndula entra no lugar do açafrão e a flor de mel remete ao favo.
O chef Kazuo Harada, do Hai Yo, no Grand Hotel Rayon, em Curitiba, é um entusiasta do uso de flores comestíveis. “Entre as minhas criações para o menu do Hai Yo, o tartar de atum com flor de mel e yuzu é uma das minhas preferidas. O gosto doce e cítrico é uma surpresa para o paladar. A delicadeza e o aroma da flor de mel deixam o prato sofisticado e marcante”, afirma o chef, com uma estrela Michelin pelo trabalho realizado no Mee, do Belmond Copacabana Palace, no Rio de Janeiro.
Em Curitiba, Harada abastece o restaurante com a produção das hortas comunitárias (programa de agricultura urbana da prefeitura) e no Rio de Janeiro mantém o próprio cultivo. Entre as preciosidades deste jardim secreto, guardado a sete chaves, ele cultiva sementes oriundas de outros países. Nos canteiros estão Hana nira, flor de cebolinha chinesa, de sabor cítrico e picante, e Flor de Ume, ameixa japonesa de sabor adocicado. As flores plantadas por ele estão em fase de multiplicação de sementes e serão usadas também no restaurante de Curitiba.
Sobremesas
Mas nem só de prato principal vivem as flores. No Nou Nikkei, André Takahara criou a Omakase Omaru (degustação de sobremesas) com suspiro (manjar peruano), misky alfajor (cheesecake de doce de leite e gelatina de milho roxo peruano) e viciado por chocolate (tembloroso com recheio trufado, quinoa achocolatada e sorvete meio amargo), que são servidos com flores como rosas, seja em pétalas ou inteiras.
“A flor pode variar, mas sempre fará um contraponto de sabor e de cor com o que preparamos. Além da sobremesa, as flores estão em todo o cardápio de pratos frios, principalmente nos sushis”, afirma o chef que trabalhou no Le Cordon Bleu Austrália, em Sydney.
Coquetéis
E quando você pensa em coquetel com flores imagina uma apresentação colorida, tipo festa do Havaí? Pois está enganado. O surpreendente Charcoal Purity, servido no Nou Nikkei, é preparado com Bourbon, earl grey, suco de limão, albumina, tintura de tangerina e carvão ativado em pó. O que chega à mesa é um líquido cinza escuro, de sabor terroso que ‘explode’ na boca.

“Além do sabor, a beleza deste coquetel está no contraste da cor da bebida, bruta e escura, com a delicadeza da flor, que boia na espuma. É como se brotasse vida entre as cinzas de um vulcão”, diz a bartender do Nou Nikkei, Andreia Oliveira.
Arrisque-se
Ficou desejando este drinque ou um prato de frutos do mar e flores preparados por você? Pois se arrisque. O uso de flores comestíveis não está restrito ao cardápio criado por chefs renomados. Simples mortais também podem se dar ao luxo. Essa tem sido a constatação de Sidneia Bernardi, proprietária do BOX 84 do Mercado Municipal de Curitiba, que nos últimos 13 anos viu crescer o consumo. Pioneira na comercialização (vendeu as primeiras cultivadas por Marilda Pianaro), ela expõe diariamente as bandejinhas com as delicadas flores, colhidas por outros produtores entusiastas da iguaria.
“Estão sempre frescas porque recebo semanalmente, de forma intercalada, as colheitas dos fornecedores. As demandas dos clientes variam de acordo com as estações do ano ou mesmo de acordo com o evento. E, nos últimos anos, os ‘chefs’ de fim de semana são os novos adeptos do uso das flores”, conta.

Foto: Letícia Akemi/Gazeta do PovoSegundo Sidneia, na semana seguinte às vendas, ela ouve relatos dos clientes que dizem receber muitos elogios pelos pratos floridos. “Eles contam que antes as flores sobravam ao final da refeição, mas que agora são saboreadas e o chef elogiado”.
E quando as flores seduzem o entrevistador? Foi isso que aconteceu com o jornalista Luiz Augusto Xavier. Ele iniciou o plantio há cinco anos na chácara que possui na região metropolitana de Curitiba, depois de escrever uma matéria sobre flores comestíveis. “Despertou a minha curiosidade e resolvi me dedicar a este tipo de plantio. As flores requerem cuidado constante contra vento, frio, calor e chuva, mas o resultado é compensador”, diz ele que se tornou fornecedor semanal do BOX 84 além de vender diretamente para restaurantes da cidade.
Xavier engrossa a fila dos interessados e estimula outros tantos leitores a seguirem com o uso das flores. Entre os experimentos gastronômicos domésticos feitos por ele está o pesto com capuchinha e noz pecan. Segundo ele, o resultado de sabores é nada menos do que espetacular.