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Moradores de Floripa não comem mais ostra crua, a preferida dos turistas
Em um restaurante de Florianópolis ou em um bar badalado de São Paulo, as ostras seguem em alta. Mas o reconhecimento do molusco como protagonista da gastronomia catarinense é recente. Por mais que Santa Catarina represente 95% da produção de ostras do país, com 589 produtores em 12 municípios costeiros, o fruto do mar não era considerado um produto sofisticado.
Em Florianópolis, o hábito de comer ostras cruas direto das pedras nas praias, com um martelinho em mãos, surgiu pela necessidade. “As populações ribeirinhas iam comer ostra na pedra para matar a fome. Não era uma opção”, relata a professora de gastronomia brasileira Silvana Muller, do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). Nos últimos anos, a oferta de produtos industrializados e a poluição de algumas praias fizeram com que as novas gerações deixassem essa tradição de lado.

São poucos os nativos que ainda buscam ostras in natura, como Fausto Andrade, pescador e proprietário do Samburá, primeiro restaurante de frutos do mar de Santo Antônio de Lisboa. O empresário conta coleta as ostras com um martelinho, mas o local da empreitada é secreto. “A ostra nativa da pedra tem outro sabor. Ela é mais suave e tem o gosto do mar mais presente. Mas os meus filhos e netos não sabem o que é isso. A tradição está se perdendo”, lamenta Fausto.
Fausto indica a porção de cerca de quatro ostras por pessoa e cachaça artesanal para a digestão. “Tudo o que dá em conchas é forte, não dá para comer muito, como os turistas fazem, quatro dúzias de uma vez”.
Ostras em cativeiro: mudança no consumo
A produção de ostras em cativeiro começou entre as décadas de 1970 e 1980, quando a experiência dos pescadores e a tecnologia produzida pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) se juntaram e o fruto do mar ganhou o rótulo de “filé mignon do mar“.
As sementes das ostras catarinenses são produzidas no Laboratório de Moluscos Marinhos da UFSC, no bairro Sambaqui. De lá, são vendidas para os produtores da região. Em média, são 45 milhões de sementes de ostra por ano, que vão terminar em ostras crescidas e temperadas de diversas formas em restaurantes de todo o Brasil. O maior comprador do molusco é o estado de São Paulo.
A ostreicultura virou fonte de renda para as comunidades pesqueiras, transformou a economia do litoral catarinense e mudou os hábitos dos nativos. Em casa ou nos restaurantes, os manezinhos costumam preferir ostra ao bafo, principalmente pela praticidade. Basta colocá-las na água e esperar as conchas abrirem por conta própria. O tempero vai de cada paladar. É possível encontrar a iguaria temperada só com limão ou nas versões mais elaboradas, com vinagretes, vinho branco e alho-poró.

No restaurante Freguesia Oyster Bar, que tem a sua própria fazenda marinha, as vendas de ostra in natura ocupam a quarta posição entre os 20 pratos oferecidos na casa. A liderança é da versão ao bafo, que acompanha apenas limão. Em seguida, estão as ostras gratinadas e alho e óleo. Em dezembro do ano passado, no início da temporada, o restaurante de Santo Antônio de Lisboa vendeu 1.895 dúzias de ostras ao bafo e apenas 891 dúzias in natura. A proprietária e moradora local, Carla Costa, afirma que os pedidos de ostras cruas costumam partir dos turistas.
“Eu não cresci com esse hábito de comer ostra crua. Acho que as pessoas da minha geração também não. Os turistas costumam pedir porque é mais exótico, afrodisíaco. É comum, na temporada, as pessoas virem para cá direto do aeroporto”, comenta Carla. A empresária explica que a preferência pelas ostras é recente. Há poucos anos, os clientes só queriam saber dos pratos com camarão. Para difundir o hábito de comer o molusco, o Freguesia Oyster Bar decidiu apostar em um cardápio mais ousado, totalmente focado nas ostras. No restaurante, as ostras são protagonistas na moqueca, as estrelas do ceviche, recheiam pastéis e dão sabor ao risoto.
Turistas preferem ostra crua
No Samburá, também em Santo Antônio de Lisboa, a preferência dos nativos se confirma. A versão mais vendida é a de ostra ao bafo, depois vem a gratinada e, por último, as cruas. O proprietário Fausto Andrade explica que os manezinhos se acostumaram com o molusco cozido na água pela facilidade do preparo. Para comer as ostras in natura, é preciso quebrar as cascas com um martelo ou uma faca pequena.
Segundo o pescador, nada supera a versão preparada na churrasqueira. No entanto, o processo exige muitos cuidados com a brasa e uma pessoa apenas para monitorar o ponto exato em que cada casca se abre, para não passar do ponto, o que inviabiliza a comercialização. Para os desconfiados, Fausto indica como detectar o frescor da ostra: “Não pode ter cheiro forte. É que nem peixe: tem que ter cheiro de mar”, alerta.

O chef Alysson Muller, do Rosso Restaurante, diz o consumo de pratos com ostras in natura tem crescido pelos moradores de Florianópolis. Mesmo assim, a opção ao bafo, feita com alho poró, vinho branco e tomilho, é a mais vendida da casa.
“É um mito dizer que o povo de Florianópolis não gosta de ostra in natura porque isso é coisa de quem tem paladar refinado. O povo daqui não é diferente do povo de Curitiba e de Porto Alegre. O povo de Floripa sabe apreciar o que é comida boa”, defende o chef Alysson.
O cozinheiro relata que o seu prato de ostra baby in natura com limão siciliano e vinagrete de maçã verde é um dos mais vendidos na casa, inclusive entre os locais. Mas em casa, para a família, a preferência é pela ostra na brasa, acompanhada apenas por manteiga.
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