Thumbnail

Produtos & Ingredientes

Por que só comemos panetone no Natal?

Guilherme Grandi
26/11/2018 16:03
Macios, saborosos e encontrados apenas no fim do ano, os panetones são uma tradição natalina com tantas versões de preparo quanto às lendas que cercam suas origens. Embora não se saiba exatamente quando e onde surgiu, o pão doce com frutas cristalizadas se tornou presença obrigatória na mesa dos italianos – e também dos brasileiros depois da Segunda Guerra Mundial.
Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo.
Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo.
Reza a lenda mais famosa que ele foi criado na véspera de Natal por um erro de um assistente de padeiro, que teria jogado uvas passas em uma fornada de pão e tentou corrigir a massa adicionando manteiga, ovos e frutas cristalizadas. Ou ainda do nobre italiano que queria conquistar a filha do padeiro Toni ao encomendar um pão diferente.
Independente do que realmente aconteceu em Milão lá nos idos dos anos 900, a verdade é que o panetone é uma tradição que simplesmente pegou. Segundo o professor e pesquisador Vavo Krieck, do curso de gastronomia da Universidade Positivo, não existe um porquê de serem consumidos. Para ele, o pão deve ter a sua raiz em algum momento da história, mas sem registros oficiais.
“É o mesmo que a gente perguntar por que se serve a rabanada no Natal ou o peru aqui nesta época do ano enquanto que nos Estados Unidos ele é preparado no Dia de Ação de Graças. Se pegarmos a literatura, os autores vão dizer ‘acredita-se que foram criados há tantos anos’, mas nada cravado de como essas lendas surgiram”, explica o chef.
O professor e pesquisador Vavo Krieck afirma que o panetone pode ter diversas origens, mas nenhuma que afirme com certeza como a receita foi criada. Foto: Guilherme Grandi/Gazeta do Povo.
O professor e pesquisador Vavo Krieck afirma que o panetone pode ter diversas origens, mas nenhuma que afirme com certeza como a receita foi criada. Foto: Guilherme Grandi/Gazeta do Povo.
No livro “Le Ricette Regionali Italiane” (As Receitas Regionais Italianas) – considerado uma bíblia da gastronomia do país –, o panetone original leva muita manteiga, gema de ovo caipira, uma essência produzida com laranja e cascas de cítricos e as frutas cristalizadas. A tradição é seguida tão à risca que, desde 2005, um decreto determina as quantidades mínimas de cada ingrediente da receita. As frutas cristalizadas, por exemplo, devem representar pelo menos 20% dos insumos. Caso não siga as regras, o produto perde o direito de ser vendido como panetone italiano.
E não apenas isso. Vavo conta que a tradição engloba ainda o Pandoro e o Panforte de Siena – pães similares ao panetone, mas com processos diferentes de fermentação – e segue uma ritual próprio de degustação. Os pães começam a aparecer nas casas das famílias italianas logo no início de dezembro.
“Sempre que alguém chega na casa, o dono vai perguntar se ele quer uma fatia dos pães com uma taça de Prosecco (espumante típico do Norte da Itália), marcando oficialmente a abertura das comemorações natalinas”, afirma.

Tradição brasileira

Vavo explica que a receita tradicional do panetone leva o panetone original leva manteiga, gema de ovo caipira, essência de laranja e frutas cristalizadas. Foto: Guilherme Grandi/Gazeta do Povo.
Vavo explica que a receita tradicional do panetone leva o panetone original leva manteiga, gema de ovo caipira, essência de laranja e frutas cristalizadas. Foto: Guilherme Grandi/Gazeta do Povo.
Assim como a origem oficial do panetone, também não há registros que indiquem como e por que a tradição de comê-lo no fim do ano chegou ao Brasil. O que se sabe é que pode ter sido em algum momento durante a Segunda Guerra Mundial, quando o imigrante Carlo Bauducco migrou para o país trazendo uma receita tradicional de família.
O ano era 1948 quando Carlo abriu uma doceria no bairro do Brás, em São Paulo, vendendo aquele pão doce de Turim com frutas cristalizadas e essência de laranja. A receita agradou tanto que, em poucos anos, o consumo de panetone se popularizou a ponto da pequena venda se tornar uma indústria, e o Brasil passar a segundo maior produtor mundial do alimento atrás da Itália.
Segundo a Bauducco, a evolução da receita tradicional aconteceu anos mais tarde, em 1978, quando o neto do fundador, Massimo, criou o projeto do panetone de chocolate para a faculdade. Foi o pontapé que o pão precisava para começar a ganhar novas versões.
Não que seja algo condenável para o professor da Universidade Positivo. Vavo explica que gosto é uma questão muito particular, mesmo se cair na polêmica da uva passa.
“A gente não pode esquecer, primeiro, de quem está criando essas versões e para quem elas estão sendo criadas. Hoje, por exemplo, a gente começa a falar sobre panetone e cai na divergência dos de frutas cristalizadas, de chocolate, trufado, doce de leite, e assim por diante. O que eu vejo, nesses casos, é justamente a necessidade de atender ao gosto do público”, analisa.
O panetone de bacon é uma das variações mais inusitadas que caíram no gosto popular. Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo.
O panetone de bacon é uma das variações mais inusitadas que caíram no gosto popular. Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo.
Ele diz ainda que a cozinha não é uma ciência exata em que um pode julgar o outro, se está fazendo certo ou não. “Se todo mundo gosta, se é bem feito, quem sou eu para dizer que está errado”, questiona o pesquisador.
Embora a legislação italiana não aceite chamar estas variações de panetone, a verdade é que a criatividade dos chefs e padeiros vai longe na hora de agradar a clientela e manter a tradição.

Pão doce salgado?

As curitibanas Bruna e Lucimar Carboni começaram a fazer panetones inusitados há três anos. Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo.
As curitibanas Bruna e Lucimar Carboni começaram a fazer panetones inusitados há três anos. Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo.
A cada ano surgem novas opções de recheios e coberturas de panetone, como chocolate branco, trufado, de castanhas, doce de leite e até mesmo variações salgadas. Lucimar e Bruna Carboni, mãe e filha, criaram uma versão inusitada que leva bacon no preparo. Assim como o panetone de chocolate em 1978, a receita diferente agradou a clientela.
“Há três anos começamos a produzir panetones com recheios mais diferentes, e no ano passado surgiu a ideia de fazer um de bacon, que é algo que todo mundo gosta. Hoje já tem outras pessoas que fazem assim, deu muito certo”, explica Bruna Carboni.
A receita elaborada por Lucimar é a mesma do tradicional, mas com a adição do bacon picado já frito no lugar das uvas cristalizadas – além da correção de ingredientes como sal e açúcar – e de canela e outros temperos. Bruna conta que a procura é grande, e a produção praticamente diária.
“As pessoas chegavam e tinham uma certa resistência em provar o panetone de bacon, mas conseguimos tirar esse preconceito com o tempo. Agora elas voltam e falam que tem o gosto do panetone com o salgadinho da surpresa do bacon, ficou meio agridoce”, relata.

Vizinhos

E não foi só no Brasil que o panetone se popularizou na época natalina. Os nossos vizinhos da Argentina, Uruguai e Paraguai também levam à mesa a receita tradicional, mas com uma massa um pouco mais firme e com mais sabor de baunilha.
Já na Colômbia, o pão de natal é chamado de pan de frutas europeo e também segue a receita mais tradicional. Na Venezuela, é conhecido por panettone ou panetón e é consumido nas festas de final de ano junto com ponche crema – bebida alcoólica que leve açúcar, leite e ovos. No Peru, onde também é chamado de panetón, o costume é de comê-lo acompanhado de chocolate quente.
O pan de pascua é um pão tradicional do Chile um pouco diferente do panetone brasileiro. Foto: VisualHunt.
O pan de pascua é um pão tradicional do Chile um pouco diferente do panetone brasileiro. Foto: VisualHunt.
E no Chile, o pan de pascua é o bolo típico do Natal com sabor e apresentação diferentes em relação ao brasileiro. A massa é mais escura e a receita leva especiarias como cravo, canela e gengibre. Enquanto o panetone tradicional é mais alto, o pan de pascua tem forma mais achatada. Além disso, a tradição é consumi-lo junto com uma bebida chamada de cola de mono, preparada com aguardente, leite, café, açúcar e especiarias.
“Independente do costume e das variações, comer panetone é gostoso e cai bem em qualquer preparo puro ou com nata, zabaione quente (creme italiano feito com vinho Marsala), na chapa, e por aí vai”, finaliza Vavo Krieck.

Participe

Qual prato da culinária japonesa você quer aprender a preparar com o Bom Gourmet?

NewsLetter

Seleção semanal do melhor do Bom Gourmet na sua caixa de e-mail