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Nova geração de enólogos está transformando vinhos do Vale dos Vinhedos
Há um sabor de inovação nos vinhos que vêm do Vale dos Vinhedos - região da Serra Gaúcha que engloba áreas dos municípios de Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul. Novas uvas, blends com produtos de outras regiões e diferentes métodos de vinificação têm resultado em vinhos com personalidade e que despertam, no mínimo, curiosidade. A inventividade se deve à nova geração de enólogos que toma conta da região: jovens, viajados e com formação acadêmica na área, renovam os negócios familiares e evidenciam o potencial do vinho brasileiro.
A Cristofoli é uma mostra desse cenário. Criada na década de 1980 e formalizada no fim dos anos 1990, a vinícola familiar passou por um reposicionamento nos últimos anos depois que a nova geração assumiu a administração do negócio. Formados em enologia, os irmãos Bruna e Lorenzo – 36 e 28 anos, respectivamente – e a prima Letícia (25 anos) criam novas experiências para o espaço familiar, investem em novas formas de produção de uvas e se arriscam nos métodos de vinificação.
“Buscamos no nosso trabalho valorizar a nossa terra, o terroir nacional. O nosso desejo é nos tornarmos uma referência em vinho e em enoturismo. Para isso, sempre temos algumas cartas na manga. Um exemplo são nossos vinhos da linha Coleção”, comenta a enóloga Bruna Cristofoli, responsável hoje pela administração da vinícola e as experiências enogastronômicas.
Os três rótulos da linha Coleção formam um conjunto de vinhos que combinam diferentes variedades de uvas e métodos. Caso do vinho de Riesling Itálico da série, por exemplo. Normalmente destinada à produção de espumantes em Bento Gonçalves, os Cristofoli decidiram usar a Riesling para fazer um vinho calmo com maceração durante a fermentação alcoólica. As uvas são colhidas pela manhã e depois desengaçadas manualmente para então passar pela maceração.
Outra variedade que faz parte da Coleção é a Tannat. Nesse caso, o vinho é produzido a partir da maceração carbônica. O processo consiste em encher tanques com os cachos inteiros da uva e depois os submeter a uma atmosfera de gás carbônico, o que reduz a acidez das bagas. Só depois de 8 a 15 dias nesse processo é que os cachos são prensados. O resultado é um vinho de corpo médio, taninos redondos e notas lácteas.
Todas as uvas usadas nos rótulos são produzidas nas propriedades da própria Cristofoli, que possui 3 hectares de vinhedos na região do Vale. No verão, época de colheita, a vinícola promove o Entardecer na Vindima e ao longo de todo o ano oferece a experiência do Edredom nos Parreirais – favorita dos casais –, além das degustações na vinícola e do almoço harmonizado no restaurante que fica ao lado do parreiral (é necessário fazer reserva antecipada).
Bruna faz parte do projeto Novos Talentos do Vinho Brasileiro, que reúne seis vinícolas lideradas por jovens da região da Serra Gaúcha. O grupo é formado pelas vinícolas Bodega Iribarrem (Bento Gonçalves – Vale dos Vinhedos), Cave Antiga (Farroupilha), Cristofoli Vinhos de Família (Bento Gonçalves – Rota Cantinas Históricas), Garbo Enologia Criativa (Bento Gonçalves – Caminhos de Pedra), Monte Sant’Anna (São Marcos) e Tenuta Foppa & Ambrosi (Garibaldi) e tem como objetivo promover a nova cara do vinho nacional por meio de um projeto colaborativo.
A ideia é trabalhar em bloco para participar de feiras e outros eventos do mercado e, assim, ganhar espaço para espalhar as virtudes da diversidade do terroir brasileiro e ampliar o mercado para os novos rótulos nacionais. “Nós entendemos que juntas, as seis empresas são mais fortes comercialmente e conseguem levar mais soluções para os nossos parceiros. Somadas as seis vinícolas, o portfólio chega a mais de 100 opções de vinhos, com diferentes estilos e faixas de valor”, comenta.
Monte Chiaro
Seguindo a linha de combinar vinhos inovadores e com personalidade a experiências enogastronômicas, a Monte Chiaro abriu as portas no começo de 2023, e foi pensada especialmente para o enoturismo.
A vinícola é a realização de um desejo antigo da família, que se instalou na região em 1910. “Sempre trabalhamos com vinhos e uvas, mas só realizamos o sonho do nosso próprio vinho neste ano”, conta Bruna Dachery, enóloga e proprietária da vinícola, que ela toca junto com o marido Lucas, também enólogo.
Ao chegar ao terraço, que dá vista para áreas rurais do Vale dos Vinhedos, o turista é recebido com um espumante próprio da Monte Chiaro. Depois, vive a experiência da degustação de outros rótulos da vinícola. Com a proposta de resgatar uvas de castas italianas e aliar vinho à arte, hoje a Monte Chiaro possui nove rótulos.
Eles são ilustrados por aquarelas produzidas pelo artista plástico Antonio Giacomin exclusivamente para a marca. As obras que ilustram os rótulos podem ser vistas na sala de exposição da vinícola. As telas são pintadas com vinho e, assim como a bebida, a cor das aquarelas vai evoluindo com o passar do tempo.
Tradição familiar
Há quase 24 anos no mercado, a Pizzato é outra mostra de como a combinação da tradição do cultivo da uva na região aos conhecimentos em enologia das novas gerações pode ter resultados surpreendentes. Em 1999, a vinícola fez seu primeiro vinho a partir de uvas Merlot. O patriarca Plínio Pizzato – que cultivava as vinhas no método espaldeira desde a década de 1980 – e os filhos Ivo e Flávio iniciaram o negócio com um sucesso: o Pizzato Merlot 1999.
O vinho chegou ao mercado em setembro de 2000 e conquistou prêmios nacionais. Eram 15,5 mil garrafas. Para comprar, apenas apresentando o CPF. Era uma garrafa para cada cadastro. A Pizzato ficou conhecida como a Casa dos Merlots e evidenciou ainda mais o potencial do Vale dos Vinhedos para a produção dessa variedade, que hoje faz parte das castas permitidas na Indicação Geográfica (IG) Vale dos Vinhedos.
Se você der muita sorte, pode encontrar Plínio Pizzato em uma visita à vinícola. “A gente sempre procura a qualidade. Só sai um vinho bom se você cuida muito da parreira”, ensina o patriarca, que agora com pouco mais de 80 anos fala nesta frase de vinhas, vinhos e certamente, também de família.
*A repórter viajou a convite da Conceitocom Brasil
Enquanto isso, no Paraná…
Por Flávia Alves, especial para a Pinó
Se no Rio Grande do Sul o cenário vinícola já experimenta um nível de amadurecimento que permite grandes revoluções, no Paraná, a cena ainda caminha para a consolidação do estado no mapa brasileiro do vinho.
Conhecido por sua produção de vinhos de mesa (são cerca de 40 mil toneladas de uvas processadas anualmente), o desafio agora é mostrar que o estado também produz bons rótulos finos. Prova disso é o reconhecimento recente que algumas vinícolas conquistaram em concursos nacionais e internacionais, a exemplo da Franco Italiano, instalada no município de Colombo, que levou a Medalha Ouro Vinalies 2023 com o Censurato, um Cabernet Sauvignon de 2018. Entre as Vinícolas associadas à Vinopar, entre 2016 e 2021 foram 136 medalhas em concursos, 101 delas outro ou duplo ouro.
Ao contrário do que acontece em muitas regiões vinícolas do novo mundo, em que uma ou duas castas reinam – a exemplo da Sauvignon Blanc em Marlborough (Nova Zelândia), ou do Pinot Noir em Santa Barbara (Califórnia, EUA) –, o Paraná não tem uma única vocação, o que faz que sua produção seja diversa e até mesmo surpreendente.
Entre os destaques, os rótulos produzidos a partir da Casca Dura, em Bituruna, vem chamando a atenção. Tradicionalmente usada para vinhos de mesa, a uva, que rendeu a primeira indicação geográfica para vinhos no Paraná, agora está ganhando espaço entre os vinhos finos. “Ela produz um vinho aromático e intensamente saboroso, levemente adocicado, que tem encantado os apreciadores”, explica Wagner Gabardo, secretário da Associação de Viticultores do Paraná (Vinopar) e diretor da escola de sommeliers Alta Gama.
Parte dessa variedade também se deve aos diferentes microclimas encontrados no estado, já que as vinícolas se distribuem ao redor de todo o mapa, das regiões mais frias e úmidas, como é o caso da Região Metropolitana de Curitiba, a locais mais quentes, como o Norte do Estado. “O clima úmido proporciona a acidez e frutuosidade ideais para espumantes, a exemplo do que vemos na Legado (Campo Largo), Araucária (São José dos Pinhais) e RH (Mariópolis)”, exemplifica.
Na carta de tintos, uma imensa variedade, desde a exploração de varietais de uvas já conhecidas popularmente, como Merlot, Cabernet Sauvignon, ou blends improváveis, a exemplo dos rótulos da Unus Mundus (São Luiz do Purunã), que exploram uvas como Rebus, Marselan, Ancellotta e Grosso, todas produzidas em solo paranaense.
E se o estado não tem uma vocação única em termos de uva, em termos de objetivo parece haver um norte comum entre os produtores: o vinho mais como experiência do que como produto. “O interesse estratégico é, dentro do Paraná, associar o consumo à experiência de enoturismo. Não é à toa que lançamos (na Vinopar) o mapa do enoturismo. A experiência de encantamento do vinho é muito mais intensa quando se conversa com quem fez, no entorno em que foi produzido, isso gera uma questão afetiva interessante”, diz Gabardo. Ficou curioso para saber mais sobre as regiões que estão produzindo (bons) vinhos no estado? Deixamos o mapa da mina aqui pra você!