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Nova lei reconhece a produção de queijos de cabra e búfala em MG
Queijos feitos de leite de cabra e búfala deixam de ser ilegais em Minas Gerais. Essa é a principal novidade, ao lado do reconhecimento da profissão do mestre queijeiro, da lei (no. 24.218/2018) aprovada em dezembro passado no estado. “Minas Gerais é referência na produção do queijo, então se uma legislação avança, o Brasil todo vai junto”, avalia Eduardo Girão, jornalista mineiro especialista no assunto.
Nove entre dez turistas que visitam Minas Gerais procuram por queijos. Reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan), o queijo minas artesanal é um dos principais atrativos produzidos no estado e seu valor cultural e histórico ultrapassa suas fronteiras.
Entretanto, a legislação que trata da comercialização dos queijos artesanais ainda era incipiente e restritiva. A nova lei apresenta critérios para o processo de comercialização, conceitua termos comuns do setor e estabelece diretrizes para identificação dos queijos artesanais, entre outras disposições.

Até então, apenas os queijos do tipo minas artesanal de casca lavada, feitos com leite cru, possuíam reconhecimento legal no estado e a ampliação deste reconhecimento para outros tipos atende a uma antiga reivindicação dos representantes da cadeia produtiva e possibilita a criação de outras variedades de queijos artesanais, como os produzidos com leite que não seja de vaca; conceitua os processos de afinação e maturação, além de permitir que produtos apreendidos possam ser reaproveitados.
Para o jornalista Eduardo Girão, especializado em queijos, a lei vem em um bom momento e corrige uma situação de quase ilegalidade. “Minas Gerais faz queijos em qualquer lugar. O mais difundido é o tipo minas artesanal, de massa crua, feito com leite de vaca, que não é aquecido ou cozido em nenhum momento. A lei anterior reconhecia apenas este queijo, entre os artesanais. Tudo que era feito fora deste modelo estava em uma situação quase ilegal”, explica.

O historiador José Newton Coelho Meneses, professor do departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e responsável pelo dossiê que resultou no registro do queijo minas artesanal como Patrimônio Cultural Imaterial corrobora e acrescenta que a lei reforça a tradição de Minas Gerais na produção de queijos, principalmente os artesanais.
“Eu vejo com bons olhos tudo que é incorporado pelo processo tradicional de fazer. Não há concorrência entre industrial e artesanal. A grande vantagem (da lei) é que o produtor passa a saber que existe uma fiscalização de olho nele em função da técnica, maturação e conservação; e o consumidor passa a ter acesso a um produto ainda mais sofisticado e sem riscos”, explica.
A ênfase no artesanal também é ressaltada por Carolina Figueira da Costa, professora de História e Cultura da Alimentação do Senac de Belo Horizonte: “As pessoas usam indiscriminadamente o conceito de artesanal e o confundem, achando que não existe industrialização nestes queijos. Todo o queijo artesanal produzido pelas sete regiões de Minas Gerais leva coalho industrial, o que altera bastante este significado da palavra artesanal. Artesanal remete ao modo de fazer e não aos seus ingredientes”, defende.
A importância da lei também é reforçada pelo professor Edson Puiati, coordenador do curso de Gastronomia da universidade UNA, e que também contribuiu para o texto final. “As anteriores autorizava apenas a produção com leite de vaca. Outros tipos de queijos artesanais, como os de cabra e búfala, não eram permitidos e, assim, não eram reconhecidos como tal”. Entretanto, ele ressalta que ela é apenas a primeira etapa. “A partir de agora é necessária uma regulamentação dos processos, por organismos como IMA e EMATER. Sem a regulamentação, de nada vale a lei”, afirma.

A etapa da produção dos queijos artesanais conhecida como “afinamento” é um dos principais aspectos da nova lei, na opinião do professor Puiati. Nela, um queijo padrão fornecido por um produtor é alterado a partir de técnicas específicas que vão dar novas características ao item. “Minha preocupação, ao sugerir este tema, era a parte predatória em cima dos produtores. Se ele não consegue fazer o afinamento de forma criteriosa, ele acaba vendendo rapidamente sua produção, por preços abaixo do mercado, para que então algum atravessador, mais preparado, consiga realizar o processo e revender o produto por um valor ainda maior”, explica.
O texto da nova lei abre espaço para o reconhecimento de “mestres queijeiros”, que vão atuar no aprimoramento dos produtos, estimulando sua diversificação e incentivando os produtores, com vistas a abrir mais oportunidades de mercado. O processo que resultou na lei é fruto de um enorme esforço a várias mãos, que contou com representantes da cadeia produtiva e da distribuição do queijo artesanal, além do poder público.
A história do queijo mineiro é uma história de resistência e a nova lei é uma das etapas mais importantes desta trajetória que envolve famílias, que se superaram durante décadas para conseguirem transformar seu produto em um dos símbolos da cultura gastronômica mineira, que se ainda não conquistou a última pessoa da lista de dez do início desta matéria, está quase lá.
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