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Produtos & Ingredientes

Hortifruti: do campo à feira

Flávia Schiochet
12/06/2014 06:00
Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo
Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo
Sábado, outono, 16 graus C. Uma chuva leve molha as cabeças de alface, os cachos de banana e as tranças de cebola da feira de orgânicos do Passeio Público. Passa das 8 horas e o parque está movimentado: pais com crianças de colo perguntam quanto custa o maço de cenoura, senhoras de cabelos brancos negociam o quilo da batata e jovens com sacolas de pano apalpam maçãs e escolhem pinhão. As 21 barraquinhas de bambu dispostas pelo Passeio compõem a maior feira de orgânicos de Curitiba, que começou com apenas 10 em 1993. De lá para cá, outros doze endereços da cidade recebem semanalmente agricultores com sua produção fresquinha, faça chuva ou faça sol. É o caso da família Haiduke, que escoa parte de sua produção pelas feiras da Praça da Ucrânia e de Santa Felicidade, ambas aos sábados.
Desde 2005, os irmãos Genovefa e Silvestre Haiduke produzem orgânicos em sua propriedade, de 1,5 alqueire para cada um, em Campo Largo. A família, que sempre viveu no campo, tem trabalho “do clarear do dia até onde o olho enxergar” e na semana em que a reportagem esteve lá, contou-se mais de 30 variedades, entre alface, abóbora, rúcula, nabo, rabanete, couve, repolho e ervilha. Por semana, Silvestre enche 70 caixas com sua produção; mais da metade vai para a feira e encomendas semanais. “Quando começamos, existiam umas quatro ou cinco feiras, mas de lá para cá explodiu, tem muito mais produtores”.
É comum ouvir dos consumidores que o sabor dos orgânicos é diferente do convencional e, mesmo com o preço muitas vezes maior, não abrem mão do produto. “Custar mais caro é relativo quando falamos de orgânicos. A demanda e a oferta têm crescido e tem dias que a alface americana ou o brócolis, por exemplo, estão mais baratos no setor de orgânicos do Mercado Municipal que nos boxes lá debaixo”, compara Antonio Rapetti, proprietário da loja Natural Market e produtor de frutas vermelhas. A garantia de que a planta não é transgênica nem foi cultivada à base de fertilizantes sintéticos e agrotóxicos é o que guia a escolha dos consumidores e também de quem melhor entende de paladar: os chefs.
Genovefa Haiduke, seu marido Joanim Belloti e o irmão Silvestre Haiduke: o trio produz orgânicos em Campo Largo e escoa parte de sua produção em duas feiras em Curitiba. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
Genovefa Haiduke, seu marido Joanim Belloti e o irmão Silvestre Haiduke: o trio produz orgânicos em Campo Largo e escoa parte de sua produção em duas feiras em Curitiba. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
Em entrevista para o livro Alimentos Orgânicos no Brasil – História, Cultura e Gastronomia, de Eduardo Sganzerla, o chef francês Claude Troigros decretou: “Para um chef de cozinha que busca ter um trabalho reconhecido, é obrigação usar o melhor ingrediente disponível, e hoje em dia este é o orgânico.” Ao que o chef Celso Freire faz coro: “Ao comer cru, você consegue perceber um ganho de sabor nos orgânicos. É melhor para nós e melhor para a terra. Eles estão entre os quatro princípio da gastronomia: usar ingredientes orgânicos, produtos locais, não usar espécies em extinção e aproveitar integralmente os alimentos. Imagine que você pode usar a casca para fazer um caldo, pode usar talos e tudo porque é um produto livre de defensivos agrícolas”, explica. No Prêmio Bom Gourmet 2013, ele determinou que os concorrentes da categoria Novos Talentos trabalhassem com um frango caipira e orgânico para o menu.
“É outra coisa. Coma uma cenoura convencional e uma orgânica e veja como há um cheiro mais adocicado, um sabor mais presente. É como uma rosa comprada à uma rosa do jardim: a do jardim tem cheiro. O alimento orgânico é assim, ele tem vida”, afirma Rafael Konzen, proprietário do restaurante Bouquet Garni. Sua família é agricultora e foi uma das primeiras a comercializar verduras orgânicas em 1989 na feira do Largo da Ordem. Em seu restaurante, Rafael e a esposa e chef Hevellyn Redede prezam pelos orgânicos: de 50% a 70% do bufê servido é preparado com ingredientes vindos de 12 agricultores familiares e de 10 marcas certificadas, como o açúcar, trigo e arroz.
Hevellyn Redede e Rafael Konzen, proprietários do restaurante Bouquet Garni: de 50% a 70% do bufê é orgânico. Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo
Hevellyn Redede e Rafael Konzen, proprietários do restaurante Bouquet Garni: de 50% a 70% do bufê é orgânico. Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Respeito ao tempo

Nas feiras, o preço dos produtos não oscila tanto quanto nos supermercados. A cabeça de alface dificilmente passa de R$ 1,50. A mandioca, em média R$ 4 o quilo. Isso porque os pequenos produtores respeitam o calendário da natureza: no outono e inverno, o brócolis e a couve-flor estão desenvolvendo- se facilmente junto com o gengibre, a cenoura e o abacate e forram as caixas de madeira e plástico. Em meses mais quentes, quiabo, pimentões, berinjela e frutas como melancia, carambola e goiaba tomam a feira. Nas dezenas de carrinhos abarrotados que passeiam pela feira estão hortaliças, frutas, raízes, vagens, folhas e outros vegetais frescos. Tudo colhido na véspera pelas mesmas mãos que devolvem o troco.
Fonte: Iniberto Hamerschmidt, coordenador estadual de olericultura do Instituto Emater,2011/2012.

Hidropônico não é orgânico

Diferentemente do que pensam algumas pessoas, a produção de plantas em meio hidropônico, onde das raízes têm contato apenas com a água, não são orgânicas. Na água corrente que “alimenta” os hidropônicos são colocados produtos químicos para nutri-las, em desacordo com a filosofia dos produtos orgânicos, em que os alimentos são cultivados na terra, com fertilizantes e tratamentos naturais, sem adição de químicos.

Mudança de hábitos

Quem maldiz o preço do tomate não sabe o trabalho que dá plantá-lo. Por serem sensíveis, as plantas são criadas geralmente em estufas e os frutos são mais facilmente encontrados nos meses quentes. “As pessoas criam hábitos, acham que têm que comer tomate todo dia. Mas temos outros produtos o ano todo, que estão de acordo com o ciclo natural, como a alface”, ensina Ivo Barreto Melão, pesquisador de socioeconomia rural no Centro Paranaense de Referência em Agroecologia (CPRA) e presidente da Associação de Consumidores de Orgânicos do Paraná, que conta com 300 pessoas, entre associados e simpatizantes.
O setor de hortaliças cresce em média de 20% ao ano e as principais hortaliças produzidas na RMC são alface, repolho, couve-flor, couves, brócolis, cenoura, beterraba, tomate, pepino, pimentão e feijão vagem”, explica Iniberto Hamerschmidt, do Instituto Emater. E a demanda cresceu nos últimos anos: de 1997, quando havia apenas a feira do Passeio, o público era de 14,2 mil pessoas consumindo um volume de 71 mil kg de verduras e legumes, segundo dados da Secretaria Municipalde Abastecimento de Curitiba. Com as 13 feiras atuais, os números de 2013 ficaram pelo menos dez vezes maior: mais de 1 tonelada foi comercializada e o público passou de 215,6 mil. Bons ventos sopram do campo à cidade.

Raio-X do Paraná

O Paraná conta com 7 mil produtores orgânicos, mas apenas 700 deles estão inscritos no Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Mais de 140 mil toneladas foram produzidas na safra de 2011/2012 em cerca de 12 mil hectares.
>>>> Veja a lista de feiras e o calendário de frutas, legumes e verduras
A feira da Praça do Expedicionário reúne cinco barraquinhas de hortifrutis e uma de frutos do mar todas as manhãs de quarta-feira.Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo<p></p>
A feira da Praça do Expedicionário reúne cinco barraquinhas de hortifrutis e uma de frutos do mar todas as manhãs de quarta-feira.Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo

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