Produtos & Ingredientes
Hortas da periferia transformam dia a dia de cozinhas premiadas em Curitiba
A distância do bairro Tatuquara, onde fica a horta comunitária Rio Bonito, em Curitiba, até o restaurante Manu, no Batel, é de cerca de 10 km. É no bairro afastado da região central que a chef Manu Buffara, conhecida por sua cozinha responsável e autoral, busca, pelo menos uma vez por semana, os ingredientes que se transformarão em pratos de alta cozinha em seu restaurante, um dos mais disputados e reconhecidos do Brasil.
É lá também que cerca de 100 famílias carentes da região pegam os ingredientes para o almoço da semana. As hortas são mantidas por eles mesmos e servem como sustento. A distância entre esses dois mundos diminuiu depois que o projeto Horta do Chef, que faz parte do programa de agricultura familiar da prefeitura de Curitiba saiu do papel, em 2016. “A Horta do Chef une esses dois mundos e apresenta novos produtos para essas famílias”, diz o secretário municipal de abastecimento, Luiz Dâmaso Gusi.
Curitiba tem duas hortas dentro do programa: a do Rio Bonito é comandada pelas chefs Manu Buffara (Manu) e Gabriela Carvalho (Quintana); e a horta Santa Rita fica aos cuidados de Igor Marquesini (Igor), Lênin Palhano (Nômade) e Vania Krekniski, (Limoeiro). Os cozinheiros pagam um valor mensal aos horteiros e vão semanalmente às plantações para colherem eles mesmos seus hortifrútis e temperos. “Os chefs também levam novas sementes e produtos para serem produzidos no espaço. Existe uma troca grande de conhecimento entre horteiros e chefs”, conta o secretário.
Gastronomia sustentável e contemporânea
As hortas recebem do poder público sementes e mudas de 24 produtos básicos, como alface, escarola, repolho e beterraba. A vinda dos chefs resultou em três grandes mudanças: a visão do aproveitamento total dos alimentos, o consumo das PANCs (plantas alimentícias não convencionais) e o cultivo de novas variações dos alimentos.
Talos, folhas, sementes, folhas, flores e até ervas consideradas antes como “pragas” passaram de lixo ou sobras das colheitas a produtos desejados pelos chefs. A folha de mostarda ou da beterraba pode ser usada para extrair o suco e fazer uma marinada, por exemplo. Talos são transformados em tabule ou quibe e sementes podem ser usadas tanto para dar crocância quanto para finalizar a decoração de um prato.
Também em alta estão as PANCs, que até pouco tempo eram tidas apenas como pragas e hoje, via de regra, são estrelas de preparos contemporâneos. Nas hortas, os chefs introduziram o cultivo de algumas, entre elas maria pretinha, picão, azedinha, capuchinha, peixinho e dente de leão. “A azedinha, por exemplo, é muito usada para saladas: como já tem um sabor cítrico, fica perfeita com azeite de oliva. Já a maria pretinha uso para fazer geleia”, exemplifica a chef Vania Krekniski, do Limoeiro.

Da horta para a cozinha: e vice-versa
“Antes dos chefs chegarem, tudo virava adubo”, conta Lenita Ferreira, que é a responsável pela horta Santa Rita. “Eles chegam aqui e vão experimentando tudo. Vimos que muitos ingredientes que jogávamos fora eles levavam pros restaurantes. Isso mudou também nossa visão dos alimentos e nossa cozinha em casa”, diz.

O capim-limão, que Lenita achava que servia apenas para fazer chá, virou tempero para peixe, depois de ver a receita da chef Vania Krekniski. Outra preparação que ela aprendeu com a chef e repete em casa é a maionese de açafrão. “Fica uma delícia, e eu nunca iria pensar em colocar açafrão no prato.”O contrário também acontece. A chef Manu Bufara conta que criou um de seus pratos depois de conversar com uma moradora da comunidade. “Ela contou que tinha feito a couve flor no vapor. É um preparo simples, e que às vezes acabamos deixando de lado. Dessa ideia elaborei um prato que faz parte do meu menu que é a couve flor com leite frito de maracujá e amendoim da horta.”
Sabor mais fresco e adocicado
Das terras do Tatuquara, saem produtos que os chefs não encontram em nenhum outro local – muitos não podem ser achados nem mesmo no Mercado Municipal. Só de alface, por exemplo, é possível encontrar variações como: americana, roxa, frise, lisa ou americana roxa. A rúcula tem a variedade chamada de ruqueta, com sabor mais acentuado. A couve também pode ser encontrada de diferentes sabores, tamanhos e cores e os mini legumes, bastante cobiçados por chefs, têm seu lugar garantido nas hortas.

Para os chefs, usar produtos frescos, novas variedades de ingredientes conhecidos, temperos e produtos não convencionais é o que garante o diferencial no sabor e no resultado final dos preparos. “O sabor é outro. O produto fresco é mais adocicado, não se compara com o que encontramos nos mercados. O produto fresco tem também um aroma diferenciado”, observa Vania.
Além disso, novas variedades de produtos conferem originalidade sem igual aos cardápios dos chefs. Em um passeio pela horta pudemos ver produtos poucos usuais, como a batata doce roxa, a cenoura roxa ou o rabanete negro. O local serve também para o desenvolvimento e teste de novos produtos. Tudo para garantir um novo sabor no pratos dos chefs – e também na cozinha dos moradores do Tatuquara.
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