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Francês cria foie gras em laboratório: será que chefs aprovam?

Guilherme Grandi
05/08/2019 17:00
Depois dos hambúrgueres totalmente vegetais com uma molécula que imita a proteína animal, agora é a vez do polêmico foie gras ganhar uma versão desenvolvida em laboratório. A startup francesa Suprême anunciou que conseguiu criar o controverso patê de fígado de ganso utilizando apenas as células-tronco da ave, sem precisar confinar ou abater qualquer animal.
Apesar de ser uma iguaria clássica da culinária francesa, o foie gras passou a ser questionado por defensores dos direitos dos animais. Foto: Bigstock.
Apesar de ser uma iguaria clássica da culinária francesa, o foie gras passou a ser questionado por defensores dos direitos dos animais. Foto: Bigstock.
A tecnologia utilizada para isso começou a ser estudada em meados do ano passado por Nicolas Morin-Forest, um dos três sócios da companhia, com o objetivo de “reinventar a mais tradicional iguaria francesa” de um jeito ambientalmente sustentável, segundo uma entrevista ao jornal francês Libération.
A façanha utiliza células-tronco de apenas um ovo de ganso criado livremente e recém-botado. A partir disso, a startup ‘alimenta’ as células com os mesmos nutrientes básicos encontrados na dieta natural da ave, como aveia, milho ou grama. Depois, a dieta das células é ajustada para se obter um nível de gordura suficiente que possibilite ao foie gras ser cozido e temperado sem o risco de desmanchar durante o preparo.
“Vamos produzir o primeiro foie gras vindo da agricultura celular. Precisamos de apenas três semanas para produzi-lo em laboratório, quando a forma tradicional leva três meses”, explicou Morin-Forest ao Libération. O foie gras também pode ser feito de fígado de pato ou de marreco, mas o mais comum é o de ganso.

Será que pega?

O foie gras da Suprême deve começar a ser vendido em meados de 2022 ou 2023, dependendo do aval das agências reguladoras francesas. Foto: Divulgação
O foie gras da Suprême deve começar a ser vendido em meados de 2022 ou 2023, dependendo do aval das agências reguladoras francesas. Foto: Divulgação
Apesar do foie gras de laboratório ainda ser um protótipo, a Suprême afirma que a aparência e o sabor são exatamente os mesmos da versão tradicional. Ainda não há provas disponíveis para avaliação, mas o chef Laurent Suaudeau acredita que, se isso for mesmo verdade, vai ser uma revolução na forma como consumimos os alimentos.
“Eu já tinha ouvido falar de reproduzir a proteína animal em laboratório, sempre acreditei que a pesquisa e a ciência vão caminhar juntas com uma alimentação mais saudável. Se isso significa proteger o mundo animal da forma como ele é tratado atualmente, da alimentação até o abate, eu aprovo”, esclarece o chef francês radicado no Brasil.
Para ele, a aceitação deste novo foie gras não será nenhum tabu se tiver a mesma qualidade de um proveniente de um animal – principalmente para os franceses que o consomem há séculos.
Um dos pratos criados por Ivo Lopes é o mignon com foie gras. Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo.
Um dos pratos criados por Ivo Lopes é o mignon com foie gras. Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo.
O chef Ivo Lopes, premiado em Curitiba por diversos pratos utilizando o foie gras como ingrediente principal, concorda. Para ele, a iguaria criada em laboratório é uma evolução necessária.
“Em tese, não há nada melhor do que um produto natural, já estamos acostumados com o foie gras proveniente do ganso há gerações. No entanto, pensando no bem estar dos animais, eu sou a favor. A gente está no século 21, temos que procurar amenizar ao máximo o sofrimento deles”, explica o chef.
Segundo a Suprême, ainda há muitos desafios pela frente antes de lançar a iguaria em versão comercial. A marca afirma que o foie gras de laboratório deve chegar aos supermercados até 2022 ou 2023. Sem cravar uma data específica, já que dependerá ainda de licenças das agências reguladoras antes de ir à venda.
É como ocorreu recentemente com o hambúrguer vegetal da Impossible Foods, nos Estados Unidos – a aprovação da venda pela Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA, na sigla em inglês) só saiu nesta semana, após três anos de lançamento.

Mais saudável

Além de se evitar o sofrimento dos animais, Nicolas Morin-Forest explica que a fabricação tanto do foie gras como de outras proteínas animais em laboratório ajuda a evitar a contaminação dos alimentos.
“Os produtos são fabricados em um ambiente controlado, longe de abatedouros onde os riscos de contaminação, por exemplo, pela salmonela, são grandes”, completa o empresário lembrando que a carne artificial tem as mesmas propriedades nutricionais que a versão tradicional, sem a presença de hormônios ou antibióticos.
A Suprême afirma, ainda, que a produção do foie gras em laboratório consome até 70% menos recursos naturais de água e nutrientes do que uma criação comum. E que os franceses já estão atentos a isso.
“75% dos consumidores franceses estão agora desconfortáveis com a maneira como o foie gras é produzido e adorariam uma alternativa livre de crueldade”, conclui Morin-Forest.

Aqui não tem

A polêmica do foie gras, por conta dos seus métodos de produção, é tão grande que a iguaria é proibida por lei em algumas capitais brasileiras, como Florianópolis (SC), Porto Alegre (RS) e Belo Horizonte (MG), com multas que podem chegar a R$ 500 mil. São Paulo chegou a ter uma legislação semelhante aprovada em 2015, mas foi declarada inconstitucional dois anos depois.
A Assembleia Legislativa do Paraná também chegou a analisar um projeto de lei proibindo a produção e a venda de foie gras em todo o estado em 2015, mas a proposição foi arquivada após análise da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural.
Já nos Estados Unidos, o estado da Califórnia proibiu neste ano a produção e a venda de foie gras em todo o território. A atitude gerou críticas fervorosas de chefs e associações de produtores locais, de Nova York e até mesmo do Canadá. Em entrevistas a jornais norte-americanos, muitos disseram que continuarão a vender a iguaria à margem da lei.

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