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Está faltando fava de baunilha no Brasil. Entenda o porquê

Flávia Schiochet
16/06/2017 21:29
Está difícil encontrar fava de baunilha no Brasil. Importadoras dizem que a diminuição de produtores e o aumento da demanda por multinacionais alimentícias fez com que o preço do quilo da especiaria disparasse, passando de US$ 20 (R$ 65) em 2010 para US$ 500 (R$ 1.640) em 2016. Com dificuldade para trazer as favas de baunilha a granel, as importadoras preferem comprá-la embalada, mas precisam decidir se absorvem parte do custo para manter o preço competitivo ou se esperam uma safra mais produtiva para voltar a vendê-la.
“Nossa última importação foi no primeiro semestre de 2016 e está em falta desde novembro. O problema maior na fava atualmente é o preço que ela chegaria no Brasil. O preço final era de cerca de R$ 25 para duas unidades. Hoje, um tubinho daquele chegaria a R$ 70. Não tem como repassar”, explica Henrique Lago, gerente geral da Latinex.
Em 2016, a safra da baunilha foi fraca, mas com a devastação do ciclone Enawo em Madagascar em março de 2017, a previsão é que a escassez da especiaria se mantenha por mais dois anos. O ciclone foi o mais forte registrado em 13 anos no país que é o principal exportador de baunilha em fava do globo: cerca de 80% sai da ilha africana. No mesmo período, multinacionais como Nestlé, Hershey’s e Wholefoods começaram a trocar os aromatizantes sintéticos pela fava de baunilha e valorizar seus produtos, e um grande volume de baunilha em fava foi para poucas mãos.
Não há boas perspectivas para 2018. Há produtores colhendo as vagens antes do tempo necessário para ela criar o composto vanilina e com isso, diminui a qualidade do produto. O tempo necessário para que elas amadureçam é maior que o tempo que a demanda pode esperar”, diz Lago.
Situação semelhante foi vista em 2002, quando o preço do quilo da baunilha em fava despencou de US$ 500 para US$ 15 e muitos produtores a tiraram de seu cultivo, diminuindo a quantidade de favas na safra seguinte. Até 2012, os registros não passavam de US$ 20 o quilo, aumentando para US$ 250 em 2016 e para US$ 500 o quilo em 2017. “É cíclico. Com este preço, talvez retomem o cultivo e a oferta comece a aumentar daqui alguns anos. E então veremos o preço baixar para algum dia aumentar novamente”, aposta Lago.

Importação a granel incerta

Para tornar mais complexa a equação, a baunilha em fava não consta na lista de produtos vegetais de importação criada em 2005 pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o que deixa incerta a entrada de lotes a granel.
Há dois anos, o MAPA incinerou um lote de 100 quilos de baunilha em fava vindo de Madagascar, importado pela Bombay. Desde então, a empresa descontinuou a importação para comprar lotes que já estivessem dentro do país e evitar a burocracia e risco de perder a carga. “Às vezes entra, às vezes não entra. Não há uma diretriz clara [por parte da Anvisa e MAPA], e a importação de baunilha em fava é um problema de vários importadores do Brasil”, diz Nelo Linguanotto, diretor executivo da Bombay Herbs and Spice.
“O produto baunilha em fava, especificamente, não se encontra na lista de produtos vegetais de importação autorizada. Não houve, portanto, fluxo de importações regulares dessa mercadoria”, diz Marcus Vinícius Segurado Coelho, diretor do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Em Curitiba, a Cípria Especiarias Raras trabalha apenas com a baunilha de Uganda, na região da linha do Equador, no centro-leste da África, comprada a granel. “Trazemos uma tonelada de baunilha em fava por ano para o Brasil desde que abrimos a empresa, em 2007”, diz Saulo Calliari, sócio da Cípria.
A entrada da baunilha em fava trazida pela Cípria, que até então entrava no país sem maiores problemas, foi barrada pelo MAPA pela primeira vez em 2016 e em outubro do mesmo ano, uma carga avaliada em R$ 33 mil de nove especiarias raras vindas da Índia — tais como cardamomo negro, folha de curry e semente de anardana — foi incinerada. Em fevereiro deste ano, a carga de favas de baunilha foi devolvida à cooperativa da Uganda, causando um prejuízo de 300 euros (R$ 1.100) por quilo para a empresa. “Em agosto temos um segundo embarque e se não tivermos a análise de risco de praga do MAPA concluída, perderei tudo de novo”, diz Saulo.
Desde então a Cípria tem protocolado uma série de pareceres de análise de risco de pragas para liberar uma dezena de especiarias. “Trabalhamos com uma cooperativa de produção orgânica de baunilha da Uganda. São 800 famílias e comércio fair trade, sem atravessador e com valores 30% acima do mercado repassados diretamente aos cooperados. Sem conseguir trazer a baunilha para o Brasil, não consigo pagá-los”, lamenta. A empresa abriu recentemente uma filial na Espanha e tentará revender na Europa parte da produção, além de estudar uma forma de trazê-la ao Brasil já processada.
Uma das opções é congelar as favas em nitrogênio líquido e processá-las até virar pó. A entrada a granel de baunilha em pó não requer registro do MAPA, mas sua comercialização é difícil no Brasil. “Tenho um custo a mais para beneficiá-las e trazê-las ao Brasil e aqui não entendem como a especiaria em pó sai mais cara que a fava inteira”, explica Saulo.

Processo lento

As orquídeas levam de três a quatro anos para começar a frutificar e sua produção é bienal. Madagascar, cuja produção representa 80% da baunilha consumida no mundo, cultiva a planta desde o início de 1800, quando a espécie foi introduzida na ilha.
Originária do México, a baunilha cresce em regiões quentes e úmidas e no país americano é polinizada por zangões endêmicos. Na ilha africana, a polinização é feita à mão, flor a flor, e só é possível ser realizada um dia por ano. Se a polinização não for feita a tempo, não haverá vagens e, por consequência, milhões de dólares.
As vagens são colhidas entre maio e junho e são curadas no sol por duas horas diárias por dois meses e meio, sendo abafada no restante do dia para que fermente. Em outubro ou novembro, quando se tornam as favas negras e finas e exalam seu aroma característico, seleciona-se à mão as que estão inteiras e sem fungos ou cortes e categoriza-se por tamanho e peso.
Diferentemente do café e do cacau, a produção mundial de baunilha é irrelevante em toneladas e por isso não entra como commodity. Somando a produção de 2014 dos países com maior volume — Madagascar, México, Uganda, Indonésia, Ilhas Reunião e Papua Nova Guiné –, são 7.525 mil toneladas. Os dados são da FAO, órgão da Organização das Nações Unidas para a agricultura e alimentação. Para manter no cardápio um dos sabores mais populares em sobremesas e produtos da confeitaria, a indústria opta por comprar vanilina sintetizada, um dos compostos encontrados na baunilha e responsável pelo aroma característico.
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