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Produtos & Ingredientes

Erva-mate sai da cuia para complementar pratos doces e salgados

Monique Portela, especial para o Bom Gourmet
22/05/2019 12:00
De cor viva e sabor intenso, a erva-mate é uma velha conhecida dos sulistas. Sua vocação incontestável para as bebidas vai do chimarrão ao refrescante tererê, passando ainda pelos chás e, para os mais ousados, por drinks e cervejas especiais. Mas se a tradição consagrou a erva-mate como a dona da cuia, alguns nomes da culinária paranaense levaram a erva para o prato, criando versões doces, salgadas, quentes e geladas — todas surpreendentemente deliciosas.
Chantili de erva-mate com chocolate branco e crumble de cana e canela. Foto: Letícia Akemi / Gazeta do Povo.
Chantili de erva-mate com chocolate branco e crumble de cana e canela. Foto: Letícia Akemi / Gazeta do Povo.
Revivendo a tradição tropeira, um dos preparos favoritos da chef Rosane Radecki, do Restaurante Girassol, é uma homenagem ao mate doce. Reza a lenda que os tropeiros, depois de quase esvaírem o sabor do mate na infusão quente do chimarrão, deixavam a erva embebida em leite durante a noite e, pela manhã, acrescentavam açúcar mascavo, brasa e especiarias. A partir desse tradicional preparo, a chef faz um fogo de chão, joga a brasa diretamente no açúcar, verte o leite com a emulsão de erva-mate e, depois de retirar as brasas, apura até dar o ponto de um cremoso doce de leite defumado com sabor de erva-mate. “O mate é nosso, é paranaense e tem muito potencial na cozinha”, celebra a chef natural de Palmeira, interior do Paraná, onde a cultura da erva-mate é muito forte.
Foi justamente a memória do mate doce preparado pela mãe durante a infância em Medianeira que levou o chef Juliano Mascara, do Kaesemodel Gastronomia, a desenvolver uma série de receitas afetivas com a planta. Da entrada ao prato principal, ele demonstra que o “ouro-verde” paranaense é versátil e seu sabor pode ser extraído de diversas maneiras. A partir de uma infusão em água quente, Juliano prepara um dashi, típico caldo japonês, que leva cogumelos, legumes e erva-mate. Transformando esta infusão em vapor, é possível dar um toque de erva-mate a carnes e frutos do mar, como camarões, que em seu prato acompanham purê de couve-flor. Na sobremesa, Juliano faz a infusão da erva no leite, depois mistura com chantili de chocolate branco e serve com um crumble crocante de biscoito, cravo e canela. “Ainda tem muita restrição em relação ao uso do mate nos preparos culinários”, afirma o chef. “Mas existe também um movimento de chefs paranaenses que estão tentando transformar isso em uma realidade gastronômica”.

O resgate do “ouro-verde”

Dentro desse movimento de valorização de sabores nativos está o chef Lênin Palhano, que desde o início do restaurante Nomade, em 2015, serve pratos com erva-mate em cardápios especiais. O primeiro preparo foi um famoso trio paranaense: churrasco ao molho de erva-mate e mandioca. “Nós queríamos falar de coisas bem sulistas”, relembra Lênin. “Parece um prato gaúcho, mas é paranaense, porque a erva-mate é oriunda daqui e não do Rio Grande do Sul”, pontua. A receita foi inspirada em um prato do chef Alex Atala, que apesar de paulista, bebeu da culinária do Sul para criar um béarnaise, tradicional molho francês que geralmente acompanha carnes vermelhas. Ao invés do estragão, o chef usou a erva-mate, dando nova cor e sabor ao preparo.
Hoje, o béarnaise paranaense pode ser encontrado no cardápio do restaurante O Locavorista, em Curitiba, em dois preparos diferentes. O primeiro é no próprio couvert, no qual são servidas torradas de pão de fermentação natural junto a molhos de fabricação própria, entre eles o béarnaise. Já como prato principal é servida a Litorina, preparo com peixe grelhado, cuscuz de banana-da-terra acompanhado por quiabo tostado e béarnaise de erva-mate. O nome é uma homenagem ao vagão que já foi um importante meio de escoamento da erva-mate entre Curitiba e Paranaguá.

Indicação Geográfica do Paraná

Além da maturação e da torra, o terroir é um dos principais fatores que influenciam no sabor e na qualidade da erva-mate. Sensível ao sol, o ideal é que a planta seja cultivada em áreas parcialmente sombreadas, com solo fértil e um espaçamento razoável entre as árvores para que elas se desenvolvam plenamente e proporcionem um sabor fiel ao original — fresco e com um amargor característico. Essas são as condições encontradas em São Mateus do Sul, uma das regiões nativas da erva-mate, hoje grande responsável pela preservação deste sabor paranaense. A qualidade e a especialização da região como produtora de mate fez com que ela recebesse o registro de Indicação Geográfica do Paraná pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o que acontece quando o produto é reconhecido por uma característica diferenciada.
Apesar de ser mais abundante na região sul do Brasil, a erva-mate tem como nome científico uma referência ao Paraguai, Ilex Paraguariensis, pois foi primeiramente catalogada naquele país. Ainda assim, é considerada árvore símbolo do Rio Grande do Sul e um dos símbolos do Paraná, tendo sido responsável por 85% da economia paranaense no século XIX. “O produto tem muito potencial tanto por conta do sabor quanto pelo seu cunho histórico. A erva-mate não é coadjuvante”, defende Lênin.

Dicas de preparo

Barata e acessível, erva-mate pode ser usada sem medo na culinária do dia a dia — é uma questão de hábito. Saborosa, ela pode acrescentar notas herbais, taninos e o próprio amargor que, quando controlado pelas técnicas corretas, traz complexidade aos preparos. Uma de suas características fundamentais, de acordo com o chef Juliano, é a predominância no retrogosto. “Depois que você mastiga, sente os sabores e engole a comida, ela continua nas papilas gustativas”, explica. Mas isso não faz com que a erva-mate mascare os outros sabores do prato, basta não exagerar na quantidade e escolher a técnica que mais se adeque ao sabor que você deseja.
Camarão ao vapor de erva-mate e purê de couve-flor. Foto: Letícia Akemi / Gazeta do Povo.
Camarão ao vapor de erva-mate e purê de couve-flor. Foto: Letícia Akemi / Gazeta do Povo.

Infusão

No caso da infusão a quente, a principal dica é tomar cuidado com a temperatura. “Quanto mais alta for a temperatura, mais amarga fica a bebida, porque o nível dos taninos aumenta”, explica Juliano Mascara. O ideal é aquecer o líquido próximo aos 75° C, seja água, leite, manteiga ou cremes. Quanto ao tempo de infusão, isso vai depender muito do preparo, mas geralmente vai de cinco a 30 minutos. Outro ponto importante é a quantidade. Para 200 ml de água, o chef indica usar até uma colher de sopa rasa de erva mate para evidenciar a infusão.
A infusão a frio, por outro lado, é muito mais lenta, demandando horas de imersão no líquido escolhido. Mas o processo tem suas vantagens. “Quando você aquece, retira mais rápido o sabor da erva. Já a infusão a frio preserva os aromas e sabores frescos”, explica a chef Rosane Radecki. Esse tipo de método potencializa o frescor e a coloração verde do mate, trazendo à tona algumas notas primárias mais “resinadas”.

Inspiração oriental

O uso de plantas que tradicionalmente servem de base para bebidas em preparos culinários não é novidade. Uma tendência que cresce no Brasil, por exemplo, é o uso do matcha, versão nobre do chá-verde feito da moagem de folhas jovens com exposição controlada ao sol. O matcha é muito apreciado na culinária asiática em qualquer preparo, seja em bebidas, salgados e doces. É possível fazer algumas aproximações entre o matcha e a erva-mate, como a coloração esverdeada e os nutrientes — ambas são ricas em cafeína, antioxidantes e outras propriedades benéficas para o organismo, além de terem sabores fortes e característicos.

Em pó

Outra possibilidade fácil e efetiva para a erva-mate em preparos culinários é polvilhá-la em cima de molhos. O cuidado então deve ser quanto à espessura da erva — seca, ela não dilui na boca, então pode dar uma “travada” na língua se não for triturada até ficar bastante fina. Mais usada para uma finalização estética do que para trazer sabor ao prato, a recomendação do chef Juliano é deixar o pó mais interessante combinando-o com baunilha, cumaru e até matcha.

Em doces

Para que o amargor característico da erva encontre equilíbrio perfeito com o dulçor das sobremesas, uma dica: bata o mate com um pouco de açúcar de confeiteiro. Por conta da acidez acentuada, a erva combina com preparos mais gordurosos, como aqueles que levam chocolate, por exemplo, mas deve-se tomar cuidado ao combiná-la com sobremesas cítricas. “Ela vai muito bem com sobremesas lácteas, especialmente com o chocolate branco”, aponta o chef Juliano.

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