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Como usar mel de abelha africanizada e mel de abelha nativa em receitas
Seria injusto usar a palavra mel no singular: falar de abelhas não significa mais fazer referência apenas àquela listrada de amarelo e preto. Nas cozinhas profissionais, o mel da abelha africanizada (Apis mellifera) divide espaço com as dezenas produzidas pelas abelhas sem ferrão, as melíponas, chamadas também de abelhas indígenas ou nativas.
Enquanto o primeiro é usado para adoçar e dar textura a preparos, o segundo é ideal para finalização. A grosso modo, o uso de mel de abelha nativa é análogo ao de flor de sal: usá-la para salgar a água do macarrão seria um sacrilégio.

Cada espécie de abelha nativa produz um mel de sabor, cor e textura próprios e, principalmente, muito diferentes do mel da apicultura, denso e com alto teor de açúcar. Até a unidade de medida muda: o mel de abelha nativa é vendido por litro, enquanto o de Apis, por quilo.
Pelo preço e escassez dos méis de abelhas sem ferrão, a sugestão é usá-los em preparos em que ele possa brilhar. “Não faz sentido misturar com chocolate ou doce de leite”, aconselha o chef Eduardo Crema, da Chocolat e Goodies Bakery.
Para preparos aquecidos ou que a função do mel seja substituir o açúcar da receita, Crema aconselha o mel de Apis mellifera. “Prefiro os méis de Apis mellifera de primavera, colhidos em dezembro. É mais leve e, como as abelhas vão em muitas plantas diferentes, o sabor tem mais nuances”, recomenda.

Lênin Palhano, eleito um dos melhores chefs de Curitiba, usa mel de abelhas nativas em seu cardápio no restaurante Nomade. De jataí, guaraipo, uruçu-amarela ou tubuna, Palhano estima ter usado cerca de dez tipos diferentes de méis nesses quatro anos de restaurante. “Conheço jataí desde a infância, por causa da história de minha cidade”, recorda Lênin, que é natural de Jataizinho, no norte do Paraná.
Por ora, são dois os méis que não podem faltar no Nomade: o de jataí, para o prato costelinha suína marinada em mel de jataí e cachaça (R$ 85, individual) e o de abelha com ferrão, servido no café da manhã (R$ 64 por pessoa).
“Por mês vai uns dois litros de mel de jataí e uns cinco quilos de mel de Apis mellifera”, estima Palhano. A receita da costelinha suína, originalmente, era com mel de abelha africanizada. “Mas as notas são muito fortes e prevalecem no prato. Com o mel abelha nativa, consigo equalizar melhor o sabor”, avalia.

Mel paranaense
Benedito e Salete Uczai são meliponicultores – termo que designa o cultivo de abelhas sem ferrão – há 13 anos e integrantes da Associação dos Meliponicultores de Mandirituba (Amamel), com 23 associados que cultivam dezenas de espécies, como tubuna, mandaçaia, guaraipo, jataí, mirim e manduri. Em 2017, a Amamel conseguiu a certificação do Serviço de Inspeção Federal e passou a ser comercializado no Brasil todo.

Apenas dez meliponicultores da Amamel produzem mel em escala comercial; os demais trabalham para aumentar o número de colmeias. Na última safra, foram colhidos 400 quilos, um volume que pode ser considerado expressivo para abelhas sem ferrão, uma vez que uma colmeia pode produzir até três quilos de excedente por ano.
O volume produzido pela apicultura é muito mais expressivo. O Paraná rivaliza com o Rio Grande do Sul na maior produção de mel do país: em 2017, a apicultura paranaense produziu cerca de 6 mil toneladas, o equivalente a 14% do volume brasileiro, segundo o IBGE. Por ano, o Brasil produz, em média, 40 mil toneladas; metade é exportada.

Por ser uma atividade mais recente e de produção menos volumosa, não há dados oficiais da meliponicultura no Brasil. Desde 2004, o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) oferece programa de capacitação para o cultivo de abelhas sem ferrão e, desde então, cerca de 4.500 pessoas completaram o curso. O número não significa, no entanto, que todos passaram a cultivar abelhas sem ferrão. “Muitos têm colmeias por hobby, por um desejo de aumentar a população de abelhas, ajudar o ecossistema”, detalha Benedito, um dos integrantes da Amamel.
Uso culinário de méis
Existem mais de 20 mil espécies de abelhas catalogadas, de tamanhos e comportamentos diferentes. Destas, cerca de 2% são as ditas “sociais”, ou seja, que vivem em colméias e produzem mel.
As características do mel, seja ele de abelha com ou sem ferrão, varia de acordo com as floradas, biodiversidade e clima. Muito frio ou chuva diminui radicalmente a produção das abelhas, podendo faltar mel para consumo próprio dos insetos, e de um ano para outro, a produtividade da colmeia, cor do mel e sabor podem mudar.
Conheça a diferença entre os méis de abelhas com e sem ferrão e em que preparos os chefs recomendam usá-los:
Apis mellifera, abelhas com ferrão

- Cada colmeia produz de dez a 40 quilos por ano, dividido em três colheitas (da primavera em dezembro, do verão em março e do inverno em setembro), com características diferentes de uma estação para outra devido às floradas disponíveis.
- Pelo alto teor de açúcar e baixa umidade, o mel de abelha com ferrão não precisa ser mantido em geladeira e pode cristalizar.
- O mel tem textura densa e com cores que vão do amarelo ouro ao amarelo com tons de marrom, como o mel de bracatinga, mais amargo e colhido no inverno.
- O comportamento do mel é similar ao de glucose de milho, por manter a umidade dos preparos e atuar como um conservante natural. Ao ser assado, os açúcares do mel caramelizam e dão cor ao preparo.

Usos culinários: como substituto do malte na panificação; como parte do açúcar em cookies e bolos; para dar sabor e textura ao nougat; em molhos com mostarda para saladas ou carnes; para adoçar chás e cafés; no molho barbecue e em molhos agridoces para carnes suína e de frango e para frutos do mar; substituindo o melado.
Melíponas, abelhas sem ferrão

- São insetos menores e de cultivo mais recente. Devido à pouca documentação, não há dados oficiais. A estimativa é que comercialmente sejam cultivadas cerca de 20 espécies de abelhas sem ferrão no Paraná.
- Os méis de abelha sem ferrão precisam ser mantidos em geladeira para não fermentarem, devido à alta umidade e pouco teor de açúcar. A maior parte dos méis de abelha nativa tem corpo similar a um licor, com pouca ou muita acidez e cores que vão do amarelo pálido ao âmbar.
- Recomenda-se não aquecer para que não se perca o aroma e sabor delicado.

Usos culinários: como calda de sorvetes de sabores suaves (como baunilha ou sorbets de fruta); em sobremesas com frutas frescas e ingredientes menos marcantes, como amêndoa, iogurte e baunilha; para vinagretes ou molhos de saladas; como adoçante para chás e infusões suaves; para acrescentar notas ácidas e/ou doces a drinks; marinar ou finalizar o tempero de peixes; como ingrediente de molho agridoce para carnes como cordeiro.