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Produtos & Ingredientes

Conheça as farinhas que substituem a de trigo e aprenda como usá-las

Heloisa Nichele, especial para o Bom Gourmet
28/06/2020 10:00
Conte quantas vezes você comeu algum alimento que tivesse farinhas
hoje: no pão, no bolo, na torta, na bolacha ou em massas – a lista é grande.
Apesar de não chamarem muita atenção por serem apenas um ingrediente base na
elaboração de receitas, as farinhas estão presentes em uma numerosa variedade
de preparos salgados e doces em todas as refeições. Embora as farinhas de trigo
ainda sejam as campeãs no dia a dia dos brasileiros, há inúmeras substituições
possíveis à base de grãos, cereais, sementes, frutas, legumes e verduras que
agregam diferentes texturas, sabores e colorações para sofisticar preparos tradicionais.
Além de seu uso surgir como alternativa às restrições alimentares do
glúten, proteína presente em farinhas como as de trigo, cevada e centeio, as farinhas de outros alimentos se apresentam como fontes ricas em nutrientes, uma vez que preservam
todo o valor nutricional de sua base. O princípio é simples: a farinha nada
mais é que a moagem de um alimento desidratado e, por essa razão, as possibilidades de
produção são muito amplas, inclusive no aproveitamento integral de frutas e vegetais.
A começar pelo início, as farinhas não são todas do mesmo saco. Cada
uma possui
uma característica, são úmidas ou secas, macias ou concentradas, ricas em
pigmentos de cor ou neutras, de sabor suave ou acentuado, podendo ser
utilizadas sozinhas ou combinadas, em estado natural ou pós cocção. A
seguir, chefs e confeiteiros ajudam a desvendar esse universo de sabores e
texturas e apresentam receitas
para inspirar quem também quer incorporar os ingredientes em seus preparos.
Grãos e sementes
As farinhas mais comuns –
além do trigo – são à base de grãos e sementes, pois fornecem
estrutura ao preparo de bolos, tortas e pães, por exemplo. É o caso das farinhas de arroz, milho, grão-de-bico e aveia. Por essa
característica, são consideradas “farinhas de veículo”, normalmente mais secas, mas que retém umidade
e formam a base para serem combinadas com as demais.
Entre as sementes também destacam-se as oleaginosas, caracterizadas por alto teor de gordura vegetal, por isso mais úmidas e de modo geral com sabores mais acentuados que as anteriores. São feitas de frutos secos como castanhas, amêndoa, nozes e macadâmia. As oleaginosas combinadas com os grãos são uma solução para dar estrutura ao preparo de massas.
Enquanto as de oleaginosas conferem maciez e sabor, as outras são mais acessíveis e formam uma boa base, como explica a chef e instrutora na área de gastronomia funcional do Centro Europeu, Iracema Bertoco. “Por exemplo, se quero fazer um bolo com farinha de arroz ou de grão-de-bico, que são bem secas, posso adicionar uma porcentagem de farinha de oleaginosas, como castanha de caju ou amêndoa, para tornar a preparação mais úmida, deixando-a menos quebradiça”.
As farinhas à base de grãos e sementes, além de serem utilizadas como o ingrediente de massas, são boas opções
em diferentes tipos de preparos. Farinhas de grãos como trigo, arroz e milho
combinam com empanados de carnes, já as de oleaginosas podem ser usadas batidas em
sucos, vitaminas e iogurtes para dar sabor e cremosidade, ou polvilhadas em
sobremesas, frutas e saladas para conferir crocância.
Frutas, legumes e verduras
Cada vez mais utilizadas na gastronomia, as farinhas feitas de frutas,
legumes e verduras vêm para adicionar cor aos preparos e proporcionar uma maneira diferente
de consumir os nutrientes de seus alimentos base. Em sua maioria, não são farinhas de
estrutura, por isso são utilizadas em menor quantidade e combinadas com outras
farinhas no preparo de massas.
Por essa razão, também não agregam muito
em sabor, mas isso não é regra,
algumas são mais concentradas e têm sabor mais evidente, como é o caso das
farinhas de uva e beterraba.
Algumas também
podem ser usadas como farinhas de base, como a de berinjela.
A variedade dessas farinhas é grande, são feitas a partir de frutas
como maracujá, uva, mamão, coco, maçã, tomate, berinjela, laranja e banana
verde, e de legumes e verduras como cenoura, brócolis, espinafre e couve. Seu uso possibilita um
maior aproveitamento de seus alimentos base, tanto por evitar desperdício,
quanto para extrair todos os seus benefícios.
A farinha de uva, por exemplo, pode ser feita a partir da desidratação e moagem da casca e semente
da uva preta, fontes de resveratrol. A farinha de maracujá é feita a partir da
casca da fruta, rica em pectina; a de coco, por sua vez, tem duas variações, a branca, feita a partir da polpaa e a escura, produzida com a casca
que recobre a polpa. Esse aproveitamento também acontece com os vegetais, como
é o caso da farinha de cenoura. “Algumas indústrias raspam a casca da cenoura
antes de serem comercializadas. A casca também pode virar farinha, para um
aproveitamento integral”, destaca o professor de gastronomia e personal chef
Marcelo Apene.
Essas farinhas também são boas aliadas para quem deseja dar novas
colorações às receitas, nesse caso basta investir na criatividade para mudar o
visual de massas, sucos, caldos e preparos diversos. Mesmo em pequenas
quantidades, que de modo geral não modificam o sabor ou textura dos pratos,
algumas se sobressaem em cor quando combinadas com outros ingredientes, devido
à alta concentração de pigmentos naturais. É o caso da farinha de beterraba, por exemplo, que
oferece uma tonalidade rosada à receita; das
de espinafre e brócolis, que são ricas em
pigmentos esverdeados; e da
feita com abóbora, que carrega a cor
laranja e é muito utilizada para colorir massas como macarrão e nhoque.
A professora e confeiteira artesanal Letícia Kataniwa encontrou na
farinha de uva uma forma natural de adicionar cor à receita de pão de forma.
Durante o processo de cocção, a casca fica amarronzada, como na receita tradicional, mas por
dentro o lilás toma conta da massa. Essa farinha, por ser bem concentrada,
carrega não só a pigmentação como também o sabor tanino da uva. “Dá para sentir um pouco da farinha na receita, por que é
bem diferente. Alguém sempre fala que lembra vinho, pois leva essa
característica do tanino”, descreve.
Por não terem a característica aglutinante das
farinhas de base e não precisarem de cocção, essas farinhas podem ser
utilizadas em seu estado natural,em diferentes preparos
para enriquecer nutricionalmente o prato. Em pequenas quantidades não alteram o
sabor ou textura dos preparos. Dessa forma, quando acrescentadas em
sopas, caldos, vitaminas ou sucos, passam imperceptíveis, mas agregam todos os
benefícios que contém. As farinhas mais concentradas, por outro lado, ricas
em coloração e de sabor mais evidente, podem ser polvilhadas para adicionar
diferentes tonalidades às receitas, como a farinha de beterraba polvilhada em
cima de uma salada, ou ainda para agregar em sabor, “a
farinha de uva pode ser misturada no iogurte natural, traz sabor a ainda
substitui o açúcar por causa da frutose”, exemplifica Marcelo.
As farinhas mais concentradas, por outro lado, ricas em coloração e de sabor mais evidente, podem ser polvilhadas para adicionar diferentes tonalidades às receitas, como a farinha de beterraba polvilhada em cima de uma salada, ou ainda para agregar em sabor, “a farinha de uva pode ser misturada no iogurte natural, traz sabor a ainda substitui o açúcar por causa da frutose”, exemplifica Marcelo.
Como combinar
Entre os especialistas não há consenso sobre quais farinhas combinam
mais com salgados ou doces. Não há regra, depende da composição entre textura,
cor e sabor em cada prato. Apesar disso, algumas farinhas deixam um gosto residual
dependendo do modo e quantidade em que são utilizadas nas receitas, como as
farinhas de grão-de-bico, castanha de caju, uva e coco, característica que deve ser
considerada se alguma delas for escolhida para o prato. “Para preparar os doces a farinha de amêndoa, por exemplo, já tem uma própria
doçura”, diz Marcelo Apene, destacando que a farinha é muito utilizada na
confeitaria francesa. Evidenciar esses gostos pode ser
uma vantagem para acrescentar sabor no preparo sem a necessidade de incluir o
ingrediente base na receita. “Também buscamos essas farinhas para poder agregar sabor aos preparos, como em uma massa de quiche, a astanha de caju vai
trazer o sabor da farinha sem que eu tenha que colocar a castanha no recheio”,
completa o chef.
No preparo de massas como pães, pizzas, bolos e tortas, o segredo
para aderir a variedade de farinhas é apostar nas combinações. Como a maioria
delas não possui glúten, proteína que aliada à água e ao fermento produz uma série de transformações
que conferem elasticidade, maciez e volume às massas, é necessário investir na
junção das particularidades de cada farinha para produzir essas características
na massa. “A combinação de várias farinhas é
importante porque uma dá peso, outra dá elasticidade, outra umidade. A farinha
de grão-de-bico é
mais seca, por isso tenho que compensar com mais gordura do que na de amêndoa
por exemplo, que o teor de gordura e umidade é muito maior”, destaca Marcelo.
No quesito da elasticidade e consistência, as farinhas de linhaça e
chia são boas substituintes, atuam como agentes espessantes nas massas, em
razão de formarem uma espécie de gel quando misturadas à água. Por apresentarem
essa viscosidade, são uma alternativa para dar liga aos ingredientes, podendo
inclusive substituir o ovo em algumas receitas. Essas características também
podem ser exploradas através de outros ingredientes, a clara de neve, por
exemplo, acrescenta volume e aeração.
Além de conhecer as características de cada farinha, também é
possível misturá-las com outros ingredientes para acertar o ponto da receita.
Segundo Iracema agregar vegetais ou frutas na massa é uma boa solução para
acrescentar sabor e textura. “Essa é uma dica legal para deixar a massa mais
úmida. No bolo de maçã eu coloco pedaços de maçã, mas é possível colocar ralada
ou fazer um purê. Deixa a massa menos quebradiça e mais agradável para comer”,
descreve. A adição de cenouras no bolo de cenoura, ou purê de batatas na massa
de pão são algumas das possibilidades.
Apesar de cada farinha ter uma particularidade, desconhecer cada uma
de suas características não é motivo para ter medo de testá-las no prato. A
indicação da chef Iracema Bertoco é utilizá-las em pequenas quantidades para
aos poucos entender como se comportam nos preparos. “Quando a pessoa ainda tem
insegurança é só não utilizar aquela farinha diferente como a base, mas agregar
uma porcentagem pequena, como 20%, junto com uma farinha que dê estrutura, seja
a de arroz, ou mesmo de trigo. Desse jeito pode acrescentar qualquer farinha
que quiser experimentar”, destaca.
Panqueca de frango cremoso com farinha de beterraba e de grão-de-bico, do personal chef Marcelo Apene.