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Cítrico e floral, pólen de abelha nativa acrescenta acidez a pratos e bebidas
Os chefs encontraram outro recurso para acrescentar a tão desejada acidez nos pratos: o pólen das abelhas nativas. O ingrediente nada óbvio começou a aparecer há alguns anos, com a retomada da meliponicultura, o cultivo de abelhas sem ferrão endêmicas do país.
“Eu brinco que é uma trufa brasileira, tem sabor potente e marcante”, define Gabriela Carvalho, chef e sócia-proprietária do Quintana Restaurante, em Curitiba. “O aroma lembra uma mescla de flores e dá para sentir uma leve acidez. Na boca, aguça as papilas gustativas e tem um toque de frutas amarelas, pode ter uma nota de laranja, carambola”, descreve a chef.
Manu Buffara, chef e proprietária do restaurante Manu, orienta usar um grama de pólen de abelha nativa para uma receita com rendimento para quatro pessoas. Como comparação, pode-se usar de 3 a 5 gramas do pólen de abelha com ferrão, as Apis europeia e africana. “Às vezes é preciso misturar o pólen de diferentes abelhas porque a produção é escassa”, ressalta Gabriela.
Diferente do pólen de abelhas com ferrão, facilmente encontrados em lojas de produtos naturais, o pólen de abelhas nativas ainda não está no mercado para o consumidor final por questões sanitárias e de regulamentação do produto.
Pólen na cozinha
A chef do Quintana usa o pólen das abelhas manduri, mandaçaia, tubuna, mirim e mirim juliani para aromatizar cachaça e temperar saladas e farofa. A salada haitiana, feita com picles de repolho, pimenta dedo-de-moça e mel de tubuna, é acompanhada de abóbora confitada na gordura suína farofa temperada com pólen.
Em 2016, o prato da Boa Lembrança do restaurante Quintana foi uma farofa de macadâmia com pólen de abelhas nativas e parmesão com costelinha de porco confitada. “O umami e salgado do parmesão harmonizaram muito bem com a acidez do pólen”, observa Gabriela.

Para um litro de cachaça, Gabriela usa 150 gramas de pólen. O resultado é uma bebida levemente ácida, que “pega no canto da boca e no fundo da língua”, segundo Gabriela. Para equilibrar os sabores na cachaça, a chef mistura com as de maior dulçor, como banana passa ou butiá. O blend é servido como shot ou compõem drinks do Quintana.
Manu Buffara, chef do restaurante Manu, explora o pólen de abelhas nativas na fermentação da massa de um brioche e na confecção de uma coalhada. “O pólen é levemente fermentado e pode ser usado para iniciar fermentação no lugar de kefir, por exemplo”, ensina Manu. No brioche servido como snack, o pólen também é acrescentado no final da preparação e sua acidez contrasta com o amanteigado do pão.

A coalhada é feita com dois litros de leite, oito gramas de pólen e deixada 48 horas fora da geladeira para fermentar. O pólen usado geralmente mistura o de mandaçaia, jandaíra e mirim. A coalhada é servida com berinjela tostada e mel de abelha mirim há três meses como snack do menu degustação do restaurante Manu.
Pólen de abelhas com ferrão
Manu indica o uso do pólen de abelha com ferrão, fácil de encontrar nas lojas de produtos naturais, em pratos triviais, como arroz, omelete e empanados.
O pólen é misturado à farinha panko para temperá-la. Para o arroz, ela indica refogar alho e cebola e acrescentar pólen antes do cereal. “Ele vai se dissolver com o calor e se misturar ao arroz. Na Itália, usam pólen para finalizar risoto”, diz Manu.
O uso do pólen na confeitaria, no entanto, nem sempre funciona para agregar sabor. “Considero um recurso estético interessante, mas acrescenta pouco de aroma e sabor”, diz Carolina Garofani, confeiteira e proprietária da Caramelodrama. Sua experiência foi com pólen de Apis europeia (abelha com ferrão), que ela testou em 2012, quando trouxe o ingrediente do Vietnã.

Carolina usou o pólen para finalizar o bolo Zéfiro, de chocolate meio amargo com banana e amêndoas. “Tem que pensar no pólen como um complemento e não comida. Não daria para fazer um recheio dele, por exemplo, porque é preciso usar com parcimônia. Seria como pegar um punhado de alecrim e comer puro”, compara.
A parcimônia é necessária também por ser um produto raro. “Não é para abusar, nem sempre há disponibilidade do produto. Dependendo do clima ao longo do ano, a produção é menor”, alerta Gabriela.
Como é produzido o pólen
Ao coletar o pólen das flores para armazenar na colmeia, as abelhas produzem uma secreção e envolvem a “pelota” de pólen com uma camada de mel. A textura é arenosa e a coloração, aroma e sabor variam de acordo com a espécie e flora local, podendo passar do amarelo pálido ao amarelo esverdeado.

“O aroma é predominantemente floral, com um cítrico pungente, e o paladar é adocicado”, descreve Meila Gurtenstein Fabri, diretor administrativo da Melíponas. A empresa, aberta há um ano, trabalha apenas com produtos oriundos da meliponicultura, como mel, pólen, própolis e derivados, tais como hidromel e cosméticos.
Dentre as espécies, mandaçaia, jataí, mandurim e variedades da mirim. “Essas abelhas têm colmeias menores que as Apis europeia e africana. Para produzir, em média, um quilo de mel e 500 gramas de pólen por ano, elas visitam cerca de 6 milhões de flores”, diz Fabri.
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