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Mesmo com crise do coronavírus, enólogos preveem melhor safra de vinhos brasileiros desde 2005
Desde 2005 os enólogos brasileiros não ficavam tão entusiasmados com a vindima. A região da Serra Gaúcha entra em sua última semana de colheita e Daniel Salvador, presidente da Associação Brasileira de Enologia (ABE), anuncia, sem medo: “É a safra das safras”.
Mesmo a crise deflagrada no Brasil com a chegada do novo coronavírus, a perspectiva da ABE é otimista. A colheita finalizou em boa parte do território, à exceção de vinhedos pequenos, e uva colhida está na fase das estabilizações e fermentações maloláticas, um processo que não corre riscos de contaminação, uma vez que o vírus não se propaga por alimentos.
"O que está afetando a rotina nas vinícolas são os decretos federais, estaduais e municipais que determinam o fechamento completo das indústrias. Mas há bom senso de ambas as partes: a maioria está operando com um número muito reduzido de funcionários, seguindo protocolos ainda mais rígidos", diz Salvador. Não há previsão de atraso ou paralisação na produção, pois o vinho é um produto muito perecível.
São mais de 700 vinícolas no Rio Grande do Sul, a maior parte delas concentradas na Serra Gaúcha. O estado é responsável por 90% da produção de vinho nacional.
Em maio, quando o setor fechará os dados da colheita, será conhecido o volume de uvas colhidas e vinificadas na Serra Gaúcha. “A qualidade é inegável. Concluímos que é a safra das safras baseado em depoimentos, conversas com outros enólogos e degustando vinhos no início do processo de fermentação. As condições climáticas também foram favoráveis”, aposta Salvador, que preside 325 enólogos associados.
Resultado na taça
Os primeiros vinhos da safra de 2020 a chegar ao mercado são alguns espumantes de fermentação curta, em junho ou julho. “São moscatéis no método charmat”, explica Salvador. Entre agosto e setembro, ficam prontos os brancos jovens, como os de uva moscato e sauvignon blanc.
Os tintos jovens chegam às prateleiras em 2021 e, nos anos seguintes, mais tintos com passagem por barrica, ao final de 2022. “Vamos encontrar tintos mais encorpados, aroma mais nítido e peculiar, uma complexidade maior na bebida. Os brancos terão uma intensidade aromática e equilíbrio em acidez e sabor. Os espumantes vão apresentar uma delicadeza e finesse jamais vista”, comemora Salvador.
As uvas para sucos de uva e vinhos de mesa, como niágara, lorena, bordô e isabel, também se beneficiaram do clima. “Os vinhos com uva americana estarão com uma coloração mais intensa, ricos em sabor e com grande estrutura. Qualquer lote de suco de uva produzido em 2020 terá um sabor e intensidade totalmente novos.”
O entusiasmo também se deve aos resultados de novas variedades cultivadas na Serra Gaúcha, para além da cabernet sauvignon e merlot. “A grande vitória do setor foi diversificar as variedades tintas e os resultados são surpreendentes com tannat, cabernet franc, malbec, shyrah e pinot noir. Esse ano, aliás, é o ano do pinot noir”, adianta o enólogo, que compara o bom momento do setor à safra de 2005. “Os anos de 2002 e 2018 também são safras ícones”, relembra. “Este ano eu vou produzir vinhos para lançar daqui a cinco ou seis anos e eles poderão envelhecer mais dez ou quinze”, garante.
A contribuição da natureza
Mesmo com as intempéries da natureza – os últimos cinco anos foram de temporal na Serra Gaúcha –, a região tem mantido uma regularidade na qualidade das safras nos últimos anos devido à intervenção dos viti e vinicultores. Em 2016, a Serra Gaúcha amargou com geadas tardias e consecutivas, que comprometeu a safra com uma quebra de 57%. Em 2018, um temporal devastou as plantações e houve uma redução de quase 16% de volume de uvas colhidos.
Mas 2020 foi diferente: um tempo seco, com amplitude térmica e intensidade de sol e pouca chuva mantiveram os vinhedos saudáveis. “O teor de açúcar está um pouco mais elevado se comparar com a média dos anos anteriores, de 3 a 4 graus acima. Tivemos uma formação maior de polifenóis e taninos, características que favorecem um grande vinho futuro”, declarou o presidente da ABE, que representa 325 enólogos.
Condições climáticas favoráveis podem gerar boas frutas, mas os viticultores não contam com a sorte: antes de São Pedro conceder quatro meses de bênçãos, os produtores de uva tiveram de lidar com o imprevisto em 2019. Quando as videiras estavam florescendo, o excesso de chuva na região reduziu a quantidade de flores, o que poderia prejudicar a formação de cachos. “A redução da produção aconteceu naturalmente. Se o cultivo fosse despreparado, poderia provocar a morte da planta”, explicou Salvador. À época, as entidades calculavam uma quebra de produção de 20%.
Safras brasileiras de 2020
Na Serra Gaúcha, a safra de 2020 começou na primeira semana de janeiro e deve seguir até o final de março, um feito inédito para a região – dificilmente há colheita até as vésperas do outono. “Na região da Campanha deve se prolongar mais. Santa Catarina está no meio da safra e no Sudeste, as vinícolas de Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo, devem estar começando a colher agora”, contou Salvador.
Na região do Vale do Rio São Francisco, no Nordeste brasileiro, o clima varia pouco durante o ano e, pelo baixo regime de chuvas, o manejo é pouco alterado, resultando em safras regulares. As condições climáticas, inclusive, faz com que as plantas produzam duas safras por ano, algo impossível nas outras regiões produtoras de uva do Brasil.
“Estamos no topo da montanha mais alta que o setor já escalou até hoje. A intervenção humana, a expertise, os novos sistemas de cultivo, novas mudas, e os profissionais do vinhedo e da indústria muito bem preparados e com o máximo de informação atualizada fazem toda a diferença”, finaliza.