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Chefs criam organização para dar visibilidade aos cozinheiros negros dos EUA
Edouardo Jordan foi para a escola de culinária para se tornar um chef, segundo ele, e não um chef negro. Para evitar ganhar esse rótulo já no início da carreira, ele se afastou da culinária sulista com a qual estava acostumado e foi atrás das culinárias italiana e francesa – duas das mais populares na alta cozinha, que ganham destaque no Salare, seu restaurante em Seattle.
“Eu precisava diversificar meu conhecimendo culinário”, afirma, mesmo que isso significasse não ser tecnicamente apto para cozinhar minha própria comida.

Quando o Salare ganhou reconhecimento local, Jordan ficou com medo de se sentir preso naquela ideia, e abriu o restaurante JuneBaby no ano passado, especializado na cozinha do Sudeste dos Estados Unidos. O chef de 38 anos conquistou uma rara vitória dupla na premiação da Fundação James Beard em maio: Melhor Restaurante Novo, pelo JuneBaby, e Melhor Chef do Nordeste, pelo Salare.
A Fundação James Beard se esforçou para aumentar a diversidade de seus prêmios, filiando-se a diversas organizações que trabalham em prol da visibilidade dos talentos de chefs negros. Mas esses chefs dizem que discriminação e dificuldade de ascensão na carreira tornam difícil que eles cheguem no nível de sucesso de Jordan.

As estatísticas do Bureau of Labor apontam que 13,9% das pessoas que trabalham no ramo culinário se identificam como negros ou afro-americanos – um percentual levemente maior que a porcentagem correspondente dessa população. Mas os negros continuam concentrados em níveis mais baixos quando se trata de alta gastronomia. Um estudo publicado pelo Restaurant Opportunities Centers United (ROC United) em 2015 mostrou que 81% das posições de gerência em 133 restaurantes de alta gastronomia eram de pessoas brancas. Entre os funcionários que tiveram promoções negadas, 28% citou raça como a razão principal.
A inequidade começa já no processo de contratação. A co-fundadora da ROC United, Saru Jayaraman, conduziu um estudo que mandou 400 duplas formadas por uma pessoa branca e outra negra para se candidatar a vagas em restaurantes de alta gastronomia em Nova Iorque, Detroit e Nova Orleans. Ela descobriu que os candidatos brancos eram duas vezes mais propensos a conquistarem a vaga, mesmo quando o currículo da pessoa negra da dupla era melhor.
“A maioria das pessoas brancas contratadas não tinha experiência”, disse Jayaraman, e “os negros foram questionados se realmente tinham a experiência citada em seu currículo.”
Luta pelo reconhecimento
Depois da luta para entrar na indústria, vem a luta pelo reconhecimento, segundo Brian Hill, dono do Chef Brian’s Comfort Kitchen no Centro de Washington. Hill, 49, trabalhou como personal chef para Mary J. Blige e Mariah Carey. Agora, trabalha com eventos esporádicos durante os quais clientes satisfeitos entram na cozinha para perguntar para ele onde está o Chef Brian. “Eu tenho uma jaqueta branca que diz ‘Chef Brian’”, conta, “mas eles estão procurando por alguém que não seja negro.”
Michael Bowling, um chef particular em Charlotte, na Carolina do Norte, identifica-se com essa situação. Ele era proprietário de um food truck de sucesso, e estava acostumado a ter as pessoas agradecendo seu sous-chef no lugar dele.

“Eu só ficava parado lá e o deixava falar”, conta. “Naquela época, eu não tinha coragem o suficiente para me impor, porque eu tinha medo que as pessoas não apoiassem meu negócio pelo fato de eu ser um dono negro.”
Bowling, 41, fundou a Soul Food Sessions com outros quarto chefs em 2016. A organização promove jantares para dar visibilidade ao talento de pessoas negras na indústria gastronômica. No fim de julho, o grupo promoveu uma refeição inspirada na culinária sulista no Mess Hall em Washington.
Um pouco antes de servirem o primeiro dos sete pratos, os cinco fundadores – junto com outros chefs trazidos naquela noite – se agruparam na cozinha aberta. Eles sussurravam palavras encorajadoras uns para os outros, e se separaram para começar os trabalhos. O foco da noite era apreciar boa comida e também as pessoas que a prepararam.

As risadas ecoavam pelo hall, e quando Bowling chegou, havia um debate sobre Coca-Cola (cuja distribuidora foi a patrocinadora da noite) x Pepsi. Seu prato – truta grelhada e guisado de cinco ervilhas, com papas de milho e couve – foi o único que harmonizou com o refrigerante do patrocinador.

Prato do chef Greg Collier. Foto: Deb Lindsey/The Washington Post
O chef atravessou o hall com um sorriso no rosto. Ele deseja que a próxima geração de cozinheiros negros possa experenciar a alegria de servir um jantar para pessoas que se pareçam com ele. Também quer que seja normal para diversos grupos de chef cozinharem juntos. Não devia ser um choque quando mulheres ou negros ganham o Prêmio James Beard, afirma ele. “Para mim, é um movimento de base e um empurrão para mudar as coisas em grande escala”, diz Bowling. “Isso começa com aquele único chef negro, aquele único chef latino na cozinha.”
Greg Collier, um dos fundadores da Soul Food Sessions founder e co-proprietário do Yolk em Rock Hill, na Carolina do Sul, disse que é extremamente comum ser a única pessoa negra na cozinha. Depois de frequentar a escola de culinária em Scottsdale, Arizona, trabalhou em um restaurante com a maioria de funcionários brancos. Ele se lembra da primeira vez que encontrou outro cozinheiro negro. “Nós ficamos tipo ‘E aí, cara, como vai?’”, disse Collier, 36. “Somos as únicas pessoas negras nessa cozinha inteira.”
Mulher e negra
A confeiteira Jamie Suddoth, que fica à frente da cozinha do Mess Hall, estava com um salão cheio de clientes e na expectativa para concluir a refeição com sua torta de chocolate com praliné. A sobremesa elaborada leva um creme de laranja, avelãs cristalizadas e um pequeno pingo de pérolas de cereja.
“Coloquei meu coração e minha alma nisso”, diz ela, sorrindo. Suddoth, 37, trabalha em um híbrido mercado de café chamado Earl’s Grocery, e comanda o Jamie’s Cakes and Classes, ambos em Charlotte. Entretanto, ela se interessou por outras especialidades. Não importa em que parte da cozinha ela entre, sente que precisa provar seu talento sendo uma mulher negra. “É um campo dominado por homens. Não ganho respeito já de cara”, completa.

Jennifer Hill Booker, a única chef mulher no evento, diz que as mulheres são raramentes recebidas de braços abertos. Booker, autora de livros de receitas e dona de um negócio de catering, foi responsável pelo prato vegetariano do menu: pimentão assado e canjica, servidos com cebola Vidalia e um molho de tomate com quiabo. Seu prato rendeu comentários positivos dos clientes: um apontou como era parecido com o que sua avó costumava preparar; outro, maravilhou-se com o quiabo.
Collier disse que ele deseja que o público entenda o quão importante são as mulheres na culinária do sudeste, e afirma que a Soul Food Sessions planeja dar um jantar com todas as chefs mulheres um dia. “Se você já viu uma cozinha comandada por uma mulher, reparou que ela é mais limpa, mais silenciosa e mais organizada”, afirma. “Queremos deixá-las trabalhar, e estaremos lá lhes dando suporte.”
Duas mulheres negras receberam o Prêmio Beard em maio: Dolester Miles do Highlands Bar & Grill, no Alabama, ganhou como Destaque na Confeitaria, depois de ter sido nomeada por três anos consecutivos. E também a proprietária do Nina Comptom, Compère Lapin, tornou-se a primeira mulher negra a ser nomeada Melhor Chef do Sul. O mestre-churrasqueiro Rodney Scott ganhou o prêmio de Melhor chef do Sudeste fazendo jus aos seus preparos com o porco inteiro, e o Melhor Restaurante Novo de Jordan fez com que ele se tornasse o primeiro américo-africano a receber essa honra.
Collier aplaudiu o reconhecimento de um chef negro pelo comida sulista. Como Jordan, ele também tinha medo de ser rotulado, mas depois de se mudar para o Sul, foi incomodado – em sua maioria por chefs brancos – “sendo reconhecidos por cozinharem algo pelo que nossos ancestrais são responsáveis.”
Então ele decidiu voltar para a cozinha sulista, que envolveu provas que ele podia elevar os ingredientes do Sul. Enquanto alguns chefs, incluindo Hill, viam isso como perpetuar um estereótipo, Collier considera uma forma de honrar seus ancestrais. Colocando algo novo junto com os clássicos, os jantares do Soul Food Sessions mostram a inovação do chef
Como Jordan, Grant, 36, que comanda o café que fica no Museu Nacional da História Americana e Africana, diz que “nunca quis ser visto como um chef negro ou um chef que cozinha comida de negro. Para mim, o objetivo sempre foi ser o melhor chef possível.” Mas ele descobriu que uma das formas de fazer isso era mostrar sua diversa história de família através da comida – incluindo aperfeiçoar o frango frito de seu pai.
Essa nação foi criada com comida feita por pessoas negras, segundo ele, e iniciativas como a Soul Food Sessions mostram um pouco dessa história. “Esse estilo de comida veio das mulheres africanas que podiam fazer o que nós fazemos agora a partir de coisas que elas costumavam ter”, afirma. “Não importa o que as pessoas digam, os afro-americanos sempre estiveram por detrás de alguns dos melhores pratos que temos na história.”
Em toda a história do Prêmio de Melhor Chef da Fundação Beard, somente cinco chefs negros foram nominados. Mas, como Bowling apontou em seu discurso de encerramento no jantar da Soul Food Sessions, as primeiras vitórias abrem o caminho para as que virão depois. Barack Obama “não foi o único presidente negro”, afirma. “Foi o primeiro.”
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