Pessoas
Os desafios do Lasai, restaurante que tem um cozinheiro a cada três clientes
Fazia pouco mais de um ano que o restaurante Lasai havia aberto as portas em um casarão construído em 1902 no bairro Botafogo, no Rio de Janeiro, quando o chef Rafa Costa e Silva abriu um e-mail da organização da premiação dos 50 Melhores Restaurantes do Mundo. “Pensei: “Não é possível”. Somos um restaurante muito pequeno, nem sabia que tinham nos visitado”, diz o chef. O e-mail convidava o chef para a cerimônia na Cidade do México daquele ano. “Foram chamando o número 30, 20… e eu achando que acabaríamos fora do ranking. Ficamos 16º lugar”, relembra.
No mesmo ano, o Lasai recebeu uma estrela Michelin (e a manteve nas edições seguintes do guia francês) e desde então não fica de fora dos rankings de melhores restaurantes do Brasil: em 2016, alcançou a 64ª posição no ranking mundial do 50 Best e em 18º na lista para a América Latina, voltando para a 16ª posição em 2017. “A gente nunca trabalhou para isso”, afirma. Atualmente, o restaurante está em 100º lugar na lista mundial do 50 Best Restaurant.
Quatro anos depois do primeiro jantar servido, o casarão de 300 metros quadrados está ficando pequeno para conter a pequena cozinha, casa de máquinas, escritório, salão. Por enquanto, diz o chef, é preciso “tentar respirar” até a crise política brasileira passar e encontrarem uma maneira de pagar as contas de um restaurante de alta cozinha. “Temos que desenvolver algo que ninguém faz e para isso não temos dinheiro nem tempo agora”, afirmou o chef em entrevista exclusiva ao Bom Gourmet.
O chef carioca esteve em Curitiba nos dias 18 e 19 de julho no evento Nomade Convida, que celebrou os três anos do restaurante Nomade, do chef Lênin Palhano. Confira os principais trechos da entrevista com Rafa Costa e Silva:
Quando você abriu o Lasai, em 2014, o desafio era ter um restaurante com a própria horta. Hoje, qual o desafio?
A gente quer ter uma cozinha de investigação e de criatividade separada da cozinha do dia a dia, para que possamos criar pratos e possivelmente desenvolver técnicas. Trabalhar com empresas de tecnologia alimentar e desenvolver produtos ou até técnicas que a gente possa usar no restaurante. É muito comum na Europa, aqui no Brasil não tem nenhum restaurante que faça isso.
Eu trabalhei no Mugaritz [premiado restaurante da Espanha] muito tempo e a gente tinha a cozinha do I+D (inovación y desarollo). Quando eu estava lá, lançamos um produto e vendemos a patente para uma empresa americana, era um spray que você fazia a massa de pizza. Você só espirrava o spray em um tabuleiro e colocava para assar. Isso para churros também. Vendemos a receita e a técnica e hoje vendem em supermercados dos EUA.
Seria uma nova colocação do chef no mercado de trabalho?
Sim. O nosso restaurante é um luxo, 12 cozinheiros cozinham para 38 pessoas do salão. Isso tem um preço que muitas vezes não se paga, mesmo que o restaurante seja caro. Se a gente tiver uma cozinha de pesquisa, desenvolver produtos para o mercado… é uma fonte de dinheiro para que a gente possa se manter. Fazer mais do que fazemos, financeiramente, não conseguimos.
Outra saída que alguns chefs encontraram é fazer propaganda.
A gente se comprometeria a usar alguns produtos e não outros. Fazer propaganda, participar de programa de televisão tinha que se ausentar muito do restaurante. Tive filho em abril e desde janeiro não viajo para nenhum lugar. Essa é a primeira que viajei para cozinhar depois que o meu filho nasceu, só vim porque é o Lênin. Tenho mais três viagens marcadas para este ano. Se dissesse sim para todos os convites seriam umas 15.
A criação está limitada ao tempo, espaço e pessoas. Entre estar no computador, ver reserva, ir na horta, falar com fornecedor… a gente vai fazendo nossos testes de prato durante o trabalho, enquanto estão fazendo o mise en place. O que poderíamos testar em dois, três dias, acaba ficando muito espaçado no tempo e se perdendo.
O que significa “vim porque é o Lênin”?
Antes de abrir o Nomade, ele fez estágio lá no Lasai. Eu não sabia que ele ia abrir um restaurante, ficou um ou dois meses e eu ofereci trabalho para ele, porque ele trabalha com foco, seriedade. Aí ele me contou que já estava “palavrado” [comprometido]. O Lênin é uma pessoa que é subvalorizada no Brasil. Aqui no estado ele ganhou prêmio, é conhecido, mas fora do estado não dão o valor que ele merece. As atenções vão todas para a mesma pessoa.
Chama a atenção as ideias para sobremesa, como curry e ervilha na sobremesa, servido no jantar junto do Lênin Palhano. São ingredientes pouco óbvios em sobremesa. Como funciona esse processo criativo?
Temos trabalhado muito com os produtos da horta para isso, como o quiabo voador, uma espécie de quiabo mais gordo e menor que o convencional e que não encontramos na feira. Cortamos em quatro e fazemos tempurá. A maior fonte de fornecimento do nosso restaurante é o Circuito Carioca de Feiras Orgânicas, da região serrana do rio. Pegamos três vezes por semana em uma das feiras e temos duas hortas do restaurante, uma pequena, de 700 metros quadrados e outra em que a gente só planta o que não encontramos no circuito. O que a gente acha para comprar, não planta, porque é caro manter, é longe para ir buscar. Não tem espaço, tempo e dinheiro.
Muitas vezes o processo criativo vem de uma necessidade. O sorvete de couve-flor, não vou te dizer exatamente como nasceu, mas provavelmente algum produtor ligou e disse: “Rafael, voltaram tantos quilos de couve-flor e não sei o que fazer” e aí a gente compra uma parte. Em média, os feirantes não conseguem vender 30% ou 40% dos ingredientes do dia. O sorvete de couve-flor ficou um tempo no menu, porque surpreendia, não é algo que a gente ligue à sobremesa. Às vezes vai pintando coisa e a gente vai pegando dois, três ingredientes que sabemos que vai ficar legal. E muitos dos pratos a gente serve pela primeira vez na primeira mesa da noite.
Vocês abriram em 2014 e em 2015 já entraram no Guia Michelin e na lista do 50 Best Restaurants. Como é trabalhar com essa pressão no primeiro ano? Como isso afeta o funcionamento de um restaurante novo?
Comercialmente é muito bom. O que atrapalha são as expectativas das pessoas, chegavam lá achando que é o melhor restaurante do mundo. As piores críticas que recebemos foi em 2015. Eles esperam que a gente faça mágica, vão com uma expectativa super alta, esperando que seja como o Noma, como o Mugaritz. A gente não tem essa estrutura, a quantidade de pessoas, a capacidade de salão. O Noma tem mais de 100 cozinheiros, um corredor que tem 80 metros. A gente tem uma casa de 300 metros quadrados, com escritório, casa de máquinas, uma cozinha mínima em que cabe oito pessoas, vamos batendo um no outro.
***
LEIA TAMBÉM