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“Precisamos abandonar as tendências copiadas de fora”, diz chef do estrelado restaurante Tuju
A segunda estrela Michelin, conquistada por seu restaurante Tuju em 2018, e um lugar na lista dos 50 melhores restaurantes da América Latina, parece não ter mudado em nada o jeito simples e informal de ser do jovem chef Ivan Ralston.
Formado em música pela americana Berklee College e em gastronomia pela espanhola Escuela de Hosteleria Hofmann, Ralston passou por importantes cozinhas internacionais antes de fundar o seu próprio restaurante em São Paulo, há quatro anos. Entre elas, a dos estrelados El Celler de Can Roca e Mugaritz, na Espanha, e a do restaurante RyuGin, em Tóquio.

De passagem por Curitiba na semana passada, onde participou como voluntário do jantar de gala do Hospital Pequeno Príncipe, o chef conversou com exclusividade com o Bom Gourmet. Acompanhe os principais trechos da conversa:
Como você define o Restaurante Tuju
É uma cozinha paulistana que fala de encontros que só podem acontecer numa cidade multicultural como aquela. Eu mesmo sou o resultado de um desses encontros e misturas: meu pai é judeu e minha mãe católica. O restaurante fala sobre esses encontros.
O que mudou na sua vida e na do Tuju após conquistar a segunda estrela Michelin?
Não muito, continua o mesmo trabalho. Mas um prêmio como este é legal porque é como se estivessem validando o que você faz. Durante a carreira, há várias incertezas. Será que estou indo pelo caminho certo? E uma estrela Michelin aumenta a segurança, sem dúvidas. Além, é claro, de ajudar com o público. Isso porque o Michelin é um guia muito respeitado por todo mundo.
Seus pais têm uma relação forte com a gastronomia (são sócios-fundadores da marca Ráscal) e você cresceu neste ambiente. Isso influenciou na sua escolha profissional?
Com certeza influenciou. Costumo dizer que eu trabalho na gastronomia desde os 20 anos de idade, mas na verdade eu já nasci nisso. Desde criança eu tenho contato com o mundo dos restaurantes e, inclusive, com as suas dificuldades.
O Tuju tem ambiente informal, sem pompa, e opções de menus a partir de preços acessíveis. Seria uma democratização da alta gastronomia?
Eu gostaria que fosse mais acessível ainda, mas infelizmente pelo que fazemos, não é possível. Sempre pensei que eu queria ser o melhor cozinheiro, mas num ambiente onde as pessoas pudessem ir, ainda que nem sempre. Quem trabalha com o trabalho artístico que é a alta gastronomia vive essa crise: a de não poder atender a todo mundo que gostaria.
Mas o lado legal que eu descobri, em termos sociais, é o tipo de relação que estabelecemos com fornecedores do restaurante. A grande maioria é de famílias humildes, que depende muito das compras que fazemos. A partir daí eu comecei a enxergar um significado maior no meu trabalho. Quando eu desanimava, questionando se eu estaria só fazendo comida pra milionário, comecei a pensar: não, eu estou ajudando o pequeno agricultor. São mais de 300 fornecedores, ou famílias, que não me deixam desanimar com o que eu faço.
A sua preocupação com sustentabilidade é evidente, o que pode se confirmar pela horta própria cultivada dentro do Tuju, entre outros aspectos do seu trabalho. Pode falar um pouco sobre isso?
Nossa horta funciona como um laboratório e como um calendário. Temos uma jabuticabeira no restaurante, por exemplo. Quando ela começa a dar frutos é sinal de que é hora de comprar jabuticaba no mercado. É como se fosse um aviso da natureza. A gente também testa todos os tipos de folhas que temos lá (são mais de 200 tipos de plantas alimentícias não convencionais – PANCs), mas hoje elas já estão incorporadas à nossa cozinha de uma forma mais natural.
Quando abrimos o restaurante havia mais essa necessidade de experimentação. Mas sobre falar de sustentabilidade… bem, eu acho esse tema muito polêmico, pois é uma ciência ainda pouco conhecida. É claro que temos muita preocupação com o assunto, fazemos muito trabalho de reciclagem de materiais dentro do Tuju, por exemplo. Mas eu acho perigoso afirmar que somos sustentáveis, pois ninguém sabe ainda exatamente o que é ser sustentável. Penso que é preciso cuidar muito com os discursos populistas e estudar mais o assunto.
Também é notável um grande respeito no Tuju em relação aos vegetarianos, segmento que tem crescido muito no Brasil e no mundo. Esta é uma tendência?
O restaurante tem muito foco nos vegetais, tanto que no início algumas pessoas faziam confusão e achavam que era um restaurante vegetariano. Muitas vezes, em nossos pratos, os vegetais acabam aparecendo mais do que a própria proteína. E eu acho que é essa tendência, uma questão de consciência para o futuro. Produzir carne é algo extremamente caro e quase insustentável.
Você prioriza os ingredientes brasileiros, o que possibilita pratos muito criativos no menu do Tuju. De onde vem tanta inspiração?
O Tuju é um restaurante sazonal, com menus por estação e até por microestação, já que alguns ingredientes permitem temporadas de apenas duas semanas. Trabalhamos com ingredientes nativos brasileiros e também com outros incorporados à nossa cultura, como manga e jaca. Tenho muita curiosidade com alguns ingredientes. Agora, por exemplo, estou fazendo uma pesquisa com algas nativas brasileiras, em Santa Catarina.
A criatividade vem a partir dos próprios ingredientes que usamos. Posso citar como exemplo uma criação recente do Tuju, que gostei muito. É a sobremesa Primavera Roxa, à base de jabuticaba, que nasceu da constatação de que muitos produtos dessa estação têm essa cor, como jabuticaba, amora, folhas de amaranto, vários tipos de beterraba. Desde a infância, o sabor da jabuticaba me fascinou, mas eu achava difícil comer a fruta. Com muita pesquisa, consegui desenvolver e construir uma jabuticaba que as pessoas pudessem engolir inteira, sem se preocupar em cuspir o caroço. Essa é a Primavera Roxa.
Para aonde você acha que caminha a gastronomia brasileira?
O Brasil é um país enorme e não há uma única verdade, mas vários caminhos. Por isso, eu apenas posso dizer para aonde caminha a gastronomia do Tuju, que é para entender cada vez mais a comida paulistana. Há uma mistura de muitas influências, de tantas comunidades que migraram para São Paulo e que levaram riqueza cultural para lá. Mas ao mesmo tempo, São Paulo é uma cidade industrial.
Temos então que entender o que faz sentido para nós, abandonar e superar o discurso da cozinha artesanal e de outras tendências que são “copiadas” de fora e apenas feitas com ingredientes brasileiros, e abraçar o que é a nossa cidade em aspectos culturais: um polo industrial. Eu acho que é preciso estudar, pesquisar mais, entender o nosso entorno cultural de fato e começar as coisas do zero. Fazer algo que o cliente pense: eu só poderia estar comendo isso aqui, em nenhum outro lugar do mundo.
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