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“Para evoluir, a gastronomia brasileira deve valorizar o profissional do salão”, diz chef Rodrigo Oliveira, do Mocotó

Flávia Schiochet, de São Paulo
13/12/2017 20:13
São Paulo – Rodrigo Oliveira inaugurou seu terceiro restaurante em São Paulo, a 21 quilômetros do primogênito, o Mocotó, na Vila Medeiros, zona Norte da capital. O Balaio fica no térreo do Instituto Moreira Salles, na Bela Vista, no Centro, e abriu em setembro com um cardápio inegavelmente assinado por Rodrigo: dadinhos de tapioca e pipoca com torresmo e pimenta para petiscar e ingredientes que passam pelas cozinhas do interior brasileiro — caruru, ora-pro-nóbis, banana-da-terra, pequi, fava verde, poejo, para citar alguns.
Chef Rodrigo Oliveira, do Mocotó. Foto: Divulgação
Chef Rodrigo Oliveira, do Mocotó. Foto: Divulgação
Convidado há quatro anos por Pedro Moreira Salles para abrir uma unidade do Mocotó no imóvel da Avenida Paulista, Rodrigo pensou que a proposta merecia algo novo. Foi como surgiu a ideia do Balaio, de misturar ingredientes, conceitos de pratos e referências. “[O sociólogo] Carlos Alberto Dória diz que se deve fazer uma cozinha não só legítima, mas também legível”, citou Rodrigo durante um painel de discussão sobre cozinha, território e memória no Hotel Maksoud Plaza, em São Paulo. O evento, que reuniu chefs premiados como o peruano Virgílio Martinez, do Central, em Peru, e o paranaense Alberto Landgraf, foi organizado por João Ferraz, do site Casa do Carbonara, em parceria com o hotel na segunda (11).
O prato que mais saiu durante os três meses de operação do Balaio foi a moqueca de caju, palmito e banana-da-terra, que leva tucupi, azeite de dendê, leite de coco, ora-pro-nóbis e fava verde (R$ 98, serve duas pessoas). O prato é vegano e é guarnecido de arroz vermelho e farofa de biju.
“A gente se apropria de um conceito, como por exemplo hambúrguer. Não serviríamos no Mocotó, mas servimos no Esquina, onde fazemos do pão ao molho. É um cardápio suburbano, que fala de São Paulo. O Balaio fala de um território maior, do Brasil, sem ser regionalista, o entendimento não é político-geográfico. Cerca de 80% dos ingredientes que usamos é de São Paulo”, explicou Rodrigo.
Durante sua fala, o chef instigou os presentes a pensarem na importância de valorizar o profissional do atendimento. “O serviço tem de ter a mesma importância que a cozinha. Tem que dar perspectiva para essas pessoas estudarem e se desenvolverem”, defendeu Rodrigo.
Confira trechos da conversa do chef Rodrigo Oliveira com o Bom Gourmet:
Notei que os funcionários do Balaio comem nas mesas do salão, na louça do restaurante, durante o momento de menos movimento da casa. As pessoas parecem à vontade e o clima é leve. Isso é uma política sua? Por quê?
É mesmo. Precisamos colocar protagonismo nas pessoas que fazem o restaurante acontecer. Cozinheiro, lavador, garçom, gerente, todos são o negócio. Nosso negócio é o humano. Quem vende comida talvez seja o feirante, o açougueiro. A gente vende serviço. Ou, para dizer de um jeito mais bonito, “experiência”.
Não temos funcionários, temos pessoas. O termo funcionário é muito redutivo. Por isso que o lavador ganha quase igual ao cozinheiro, que ganha quase igual ao chef. A gorjeta é dividida igualmente per capita para o gerente, o lavador, todo mundo. Não dá para negar que o salão tenha protagonismo, o primeiro contato que o cliente tem é a recepção, o serviço, a contação da história.
É uma maneira de se diminuir a pressão que há no ambiente da cozinha profissional?
Sem dúvidas. A exigência é tremenda. Nada mais estressante que lidar com gente, tenho certeza de que isso é o grande desafio de qualquer área. A indústria vem amadurecendo com respeito ao profissional, sua qualidade de vida, a visão dele como pessoa e não como uma peça ou máquina. Não faz muito tempo o cozinheiro era xingado, queimado, assediado de todas as formas possíveis. Hoje isso é impensável dentro da nossa realidade.
Muitas vezes quem está no salão é visto como menor que o cozinheiro…
Servir é muito nobre, para qualquer pessoa. Você servir sem ser servido. Passamos de uma geração em que os maîtres eram os protagonistas para uma geração em que os chefs são a figura do restaurante. E o salão foi relegado a nada. Os primeiros restaurateurs da geração anterior são ex-maîtres. Os de agora é que são ex-chefs.
A gente precisa valorizar o profissional do salão porque é questão de sobrevivência e garantia da evolução da nossa gastronomia, que é muito mais do que a comida. Temos que elevar o status de quem está no salão e dividir o protagonismo, deixar o ego de lado e mostrar que sem grande sala não tem grande restaurante, por mais genial que seja o cozinheiro e por mais bem equipada que seja a cozinha. A gente vai conseguir isso ao dar perspectiva a essas pessoas, e o passo mais importante é dar formação. Há alguns anos viemos fazendo um lobby poderoso para formar um conselho de curso para ter o primeiro curso superior de serviço e hospitalidade aqui no Brasil.
Como funciona esse lobby?
Nesse conselho tem gente como o Rogério Fasano [do restaurante Fasano], Alex Atala [dos restaurantes D.O.M. e Dalva e Dito], Jun Sakamoto [do restaurante homônimo e também do Junji Sakamoto], Cia Tradicional do Comércio [grupo de restaurantes como as pizzarias Braz e Braz Elettrica e Trattoria Braz]. Há consenso de que a gente precisa de profissionais qualificados para fazer evoluir o nível da nossa gastronomia.
Você pode descrever um pouco sobre as políticas e diretrizes? De que maneira se trabalharia?
É um trabalho longo e multidisciplinar: o cara tem que saber de psicologia, estar em ótima condição física, tem que saber de língua, de produtos, de História. É uma formação holística. Precisa saber de vinho, de cozinha, precisa saber quem é Alain Ducasse. É um curso que bebe na fonte da gastronomia e usa de bases da hotelaria.
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