Thumbnail

Pessoas

“Minha cozinha é parecida com a do Jaime Oliver”, diz o Rei do Polvo de Floripa

Juliana Gomes, de Florianópolis, especial para Gazeta do Povo
13/12/2017 18:29
Nos pratos criados pelo chef catarinense Alysson Muller não há flores nem espumas. Tampouco há excesso de temperos. Sua preferência é pelos ingredientes regionais, como as ostras e a linguiça Blumenau, mas foi o prato de polvo com purê de mandioquinha e molho tarê que o consagrou em Florianópolis. O sucesso dos pratos à base de polvo é tanto que o chef vende cerca de quatro toneladas do molusco por mês.
O cozinheiro já teve programa de culinária no rádio e na TV, além de uma coluna em um jornal local. Hoje se considera um chef rabugento, que defende uma gastronomia com menos ego e mais trabalho. Na sua cozinha, não entram ingredientes como manteiga de garrafa ou tucupi porque os clientes devem se sentir no sul do Brasil, e conhecer os ingredientes regionais.
Alysson considera-se mais gestor do que cozinheiro. Ao todo, administra três restaurantes e um bar anexo a um deles. O Rosso, na beira do mar no bairro Santo Antônio de Lisboa, em Florianópolis, tem os frutos do mar como carro-chefe e costuma acumular generosas filas de espera nos fins de semana, inclusive no inverno. O espaço não só deixou de sentir a passagem da crise econômica, como cresce 30% ao ano.
A segunda casa comandada pelo chef Alysson Muller é o Artusi, criado porque os clientes mais fiéis exigiram uma opção no centro da cidade. A pegada do restaurante, aberto há quatro anos, é a cozinha italiana contemporânea, especializada em nhoques. Já o D.O. Pescador, foi inspirado na gastronomia portuguesa e abriu há dois meses. No cardápio, os protagonistas são o bacalhau, as caldeiradas cremosas e o arroz de camarão. Anexo ao restaurante, o empresário acaba de inaugurar o Gin Jazz Tônica Bar.
De onde surgiu a paixão pela gastronomia?
Eu sou filho de donos de restaurante. Cresci brincando e ajudando lá dentro. E eu sempre me interessei muito por comida. Sempre fui curioso para provar pratos diferentes, apesar de ter nascido no interior, em Biguaçu (SC). Sempre procurei coisas novas. Chegou um ponto da minha vida que eu já gostava de cozinhar, mas queria cozinhar ainda melhor. Então eu buscava muitos livros, estudava por conta própria mesmo. Eu nunca trabalhei em um grande restaurante. Só fiz estágios e cursos aqui e em São Paulo e fui aprendendo. Nessa época, começou a surgiu o Jaime Oliver, bem novinho. Quando ele lançou o primeiro livro, eu já comprei e comecei a fazer os pratos. Fiz meu primeiro risoto sem nunca ter provado um, com a receita dele.
O que te atraiu na cozinha do Jaime Oliver?
Eu gosto dessa comida com muita simplicidade e muito sabor, onde menos é mais. A minha cozinha é muito parecida com a dele. Eu não tenho frescura. Não coloco flor em prato, não faço espuma, não faço nada molecular. A minha cozinha é voltada para o sabor e técnicas corretas. As melhores técnicas para os melhores ingredientes.
Você se formou em algum curso de culinária? 
Apesar de ter dado aula de gastronomia, eu nunca fiz escola. Não acho que as faculdades de gastronomia hoje, principalmente as daqui, formam um profissional pronto para ser chef. A gente recebe muitos estagiários e percebe que eles saem de lá sem preparo, sem poder ser nada além de um auxiliar de cozinha.
A profissão chef de cozinha hoje gera muito ego. A pessoa acaba virando alguém importante, às vezes até uma celebridade. E é uma profissão muito bonita, mas esse ego faz com que muita gente acabe entrando na gastronomia para ser importante e não porque ama cozinhar.
Já teve gente chegando na minha cozinha sem base nenhuma e querendo fazer esferificação e alguma coisa com nitrogênio, mas não sabe limpar um peixe, não sabe identificar um bacalhau, nem quais são as frutas da época, como que a gente pode colocar mais sabor num caldo. Isso é a base.
Essas escolas de gastronomia, não todas, mas a maioria, ensinam os alunos a construírem um prédio pela pintura e não pelo alicerce. Eles fazem empratamentos maravilhosos que aprendem na internet. Pratos lindos, maravilhosos. Mas e o sabor? Esses são os chefs famosos hoje e falidos amanhã. O que mais tem é chef renomado que não fecha as contas no fim do mês. É muito ego e pouco amor.
Como você define a sua cozinha?
A minha comida é de qualidade. Agora, se alguém quiser definir o que eu faço como alta gastronomia, fique a vontade. Eu falei para Manu Buffara, quando a gente jantou junto esses dias num evento em Joinville, que eu sou, cada vez mais, um cozinheiro rabugento. Eu me volto cada vez mais para o clássico, para o menos é mais, para matéria-prima chegar no sabor máximo com menos interferência. Eu sou cada vez mais restaurateur e cada vez menos chef. Coordeno mais de 50 cozinheiros nos meus restaurantes e para coordenar isso tudo é preciso ter gestão de empresa.
Só no Rosso, são mais de 10 mil clientes por mês. O restaurateur é a profissão mais bonita dentro da gastronomia. Por conta desse modismo ela caiu em desuso. Tu não precisas ser um chef de cozinha para gerir um restaurante. Tem muitas gente que tem restaurante e não sabe cozinhar. O Rogério Fasano é um exemplo de restaurateur fantástico e não sabe cozinhar.
Como você cria as suas receitas?
As técnicas são as clássicas, a maioria da cozinha francesa. A partir disso, eu vou me inspirando em clássicos com base nos ingredientes regionais, como a ostra, a linguiça Blumenau. Eu não faço nada com tucupi, com jambu, com priprioca, esses ingredientes amazônicos, ou arroz negro, do cerrado, ou a manteiga de garrafa. Eu estou no sul do Brasil. Nada contra. Quando eu viajo, eu como e adoro. Mas é aquela coisa: quando a pessoa vem para cá, ela quer comer algo com a identidade daqui. Se eu for para o Nordeste, eu não vou querer comer as coisas daqui.
A gastronomia do Sul tem uma identidade?
Ela está se criando, né? Está em formação. Tem o churrasco gaúcho, o carreteiro. Mas aqui em Florianópolis ela está se criando e tem muito ainda para evoluir. Está crescendo bastante, com novos bons restaurantes surgindo. Tem menos daquela coisa de chefs renomados e mais bons restaurantes, com bons serviços. Um grande exemplo é o Jaime [Barcelos] do Ostradamus. Ele não é um chef de formação. Ele cozinha também, mas ele é um excelente restaurateur e, por isso, o restaurante dele é uma referência no Sul do Brasil. Ele trabalha bem nessa linha, menos ego e mais qualidade na comida, muita qualidade no serviço. Ele é um dos grandes ícones aqui em Floripa hoje.
Qual é o melhor ingrediente catarinense?
A linguiça Blumenau, a ostra, o camarão e o polvo. Também gosto muito do cogumelo porcini. Depende da época. Também faço um prato de tainha grelha na crosta da própria ova que faz muito sucesso.
O que falta para gastronomia de Floripa?
A gente tem que parar de querer ser o melhor chef e passar a pensar em conquistar o cliente da melhor forma sempre. O melhor cliente é aquele que fica satisfeito e volta. A gente tem que reclamar menos e trabalhar mais. Reclama-se muito aqui que o pessoal não sabe comer, que não tem paladar. Eu contesto isso.
Eu gosto muito de Florianópolis e acho que o pessoal aqui está aprendendo a comer como na maior parte do Brasil e as oportunidades estão aí para quem ter trabalhar. Eu não posso reclamar de nada. Tudo é uma evolução, precisa de tempo. De dez anos pra cá, a coisa mudou completamente. Um exemplo é que há uns anos atrás, no dia do último capítulo da novelas das oito, os restaurantes ficavam vazios. Hoje a gente não vê mais isso, mas no dia da final do MasterChef, os restaurantes ficaram vazios.
Você acostuma assistir ao Masterchef?
Não, mas vi a final. Vi os caras ali trabalhando com nitrogênio. É muito perigoso. A pessoa que trabalha com nitrogênio tem grandes chances de perder a mão. Podia ter se machucado. Por que não aprender a congelar, a fazer o sorvete mesmo? Ele também foi fazer o nhoque com goma xantana. Por que não ensinar o brasileiro a fazer um nhoque tradicional bem feito? Mas eu acho que o programa tem um papel importante, de divulgar a gastronomia.
Muitos clientes veem algum produto diferente lá e chegam aqui pedindo. O programa incentiva a descascar mais e desembalar menos. Mas o que eu não gosto é que o programa estimula muito o ego. A pessoa acha que é um dos melhores cozinheiros do Brasil porque tem não sei quantos mil seguidores de um dia pro outro nas redes sociais. Eu falo para os meus funcionários que eu não sou o chefe deles, o chefe é o cliente. O dia que os clientes pararem de vir, eu também não só vou ficar desempregado, como endividado. Um chef não pode ser maior que o prato dele. Quando as pessoas me dizem que sou um dos melhores chefs de Santa Catarina, eu respondo que isso não paga as minhas contas. Eu não estou nessa profissão para ser melhor do que ninguém. Eu quero ter restaurantes consistentes, com um atendimento de qualidade, com uma estrutura salarial digna para os meus funcionários, porque eles precisam querer trabalhar aqui. Não adianta ser premiado e ver o restaurante vazio.
Qual é o seu melhor prato?
A tainha grelhada na crosta da própria ova. Eu faço sempre apenas na época da tainha. Não é um prato que me dá tanto dinheiro quanto outros que eu tenho aqui, mas faz muito sucesso. A posta da tainha é primeiro grelhada na crosta da ova e depois é finalizada no forno.
Há planos de novos restaurantes ou projetos em breve?
Quem me acompanha nesses Instagram da vida sabe que eu saio daqui e vou cozinhar em casa. Enquanto eu tiver saúde, eu vou cozinhar. Eu amo cozinhar. É algo terapêutico pra mim. Eu já tenho esses três restaurantes e não pretendo ter mais nenhum. Eu acabei de abrir o Gin Jazz Tônica Bar, que fica no anexo ao restaurante D.O. Pescador, e não pretendo expandir mais, não. Também gosto bastante de viajar para descansar e para fazer eventos. Esse ano eu dei uma palestra para 400 pessoas na Mesa São Paulo, também acabei de participar de um evento beneficente em Maceió com o Guga Rocha, Dalton Rangel e o Thomas Troisgros. Do jeito que está eu consigo gerir meus restaurantes e estou feliz.
LEIA TAMBÉM:

Participe

Qual prato da culinária japonesa você quer aprender a preparar com o Bom Gourmet?

NewsLetter

Seleção semanal do melhor do Bom Gourmet na sua caixa de e-mail