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“Diminuição na ingestão de carne pode reduzir o consumo de vinho tinto”, diz brasileira presidente do enoturismo mundial

Anderson Hartmann, de Porto Alegre, especial para Bom Gourmet
03/11/2018 17:00
BENTO GONÇALVES (RS) – Uma brasileira ocupa o mais alto cargo do enoturismo mundial. Ivane Fávero é a atual presidente da Associação Internacional de Enoturismo (Aenotur). A turismóloga estará à frente da entidade até 2019 como representante do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin,) ao lado de uma diretoria com membros de países como França, Argentina, Espanha, Itália, entre outros.
O Bom Gourmet esteve em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, onde conversou com essa gaúcha que é uma das maiores autoridades mundiais do enoturismo.
Ivane Fávero possui graduação em Turismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e mestrado em Turismo pela Universidade de Caxias do Sul. Foto: Anderson Hartmann.
Ivane Fávero possui graduação em Turismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e mestrado em Turismo pela Universidade de Caxias do Sul. Foto: Anderson Hartmann.
Como você mergulhou no mundo dos vinhos?
Eu literalmente nasci no meio dos vinhedos, essa cultura estava totalmente inserida na minha família, mas obviamente eram outros tempos: uvas americanas, vinhos feitos no porão das casas ou produzidos por grandes cooperativas. Com 15 anos fui morar em Porto Alegre: minha mãe era agricultora, meu pai professor, éramos sete filhos (sendo seis mulheres), não havia muita perspectiva nessas pequenas colônias de imigração italiana, com agricultura familiar, terrenos em desnível – onde predominava a chamada “viticultura heroica”. Estudei, me formei em turismo, mas acabei voltando para a Serra Gaúcha (eu brinco que se fosse uma árvore seria uma parreira porque essa cultura do vinho está dentro da gente), e comecei a trabalhar com gestão pública, onde atuei por 20 anos em secretarias de turismo.
Você teve uma carreira toda construída no segmento do enoturismo. Quais as principais experiências?
Fui secretária de turismo em Bento Gonçalves e em Garibaldi, Capital do Vinho e Capital do Espumante, respectivamente, bem na época que o Vale dos Vinhedos começava a fortalecer sua imagem. Em 2001, quando era professora universitária, eu fiz um inventário da oferta enoturística na região: existiam cerca de 100 vinícolas (todas praticamente aqui na Serra Gaúcha). Mas a gente percebeu que era tudo muito igual e que esse modelo de oferta enoturistica não iria funcionar se não tivesse uma boa dose de inovação. Foi assim que acabei me aproximando mais das vinícolas a fim de imprimir um pouco de inquietude para o setor e acabei prestando consultoria para muitas delas. E aqui estou atualmente totalmente mergulhada no mundo dos vinhos.
Quais são as tuas principais responsabilidades à frente da Aenotur?
O vinho, enquanto produto turístico é parte da história, da arte, do folclore e da gastronomia, se apresentando ao mercado como um bem da cultura de um povo. Assim, o enoturismo é o desenvolvimento de atividades turísticas dedicadas à descoberta e apreciação dos vinhos e vinhedos da região onde ocorre a sua produção. A Aenotur foi criada em 2014 e possui hoje sete países membros: Portugal, Espanha, França, Itália, Argentina, Uruguai e Brasil. Entre os principais objetivos está a ampliação de sua atuação para os demais continentes e outros países que têm o enoturismo como uma alternativa de destinos turísticos, de fonte de renda para os produtores e como disseminador da cultura do vinho e do que ela representa para seus respectivos povos. Nosso objetivo é trocar informações, conhecimento, legislação, capacitação.
A brasileira é a atual presidente da Associação Internacional de Enoturismo e<br>considerada uma das maiores autoridades mundiais do setor. Foto: Anderson Hartmann.
A brasileira é a atual presidente da Associação Internacional de Enoturismo e
considerada uma das maiores autoridades mundiais do setor. Foto: Anderson Hartmann.
De que forma a tua presidência pode ajudar a fortalecer a imagem do enoturismo brasileiro mundo afora?
Enquanto brasileiros, nossa grande intenção foi introduzir o Brasil no cenário do enoturismo mundial e estarmos alinhados com as grandes nações enoturísticas. Somos conhecidos por nossas praias, natureza, pela Amazônia, pelo carnaval, futebol, mas não éramos conhecidos por nossas rotas do vinho. O Sul tinha dificuldade de se posicionar porque não podemos nos vender como a “outra Europa”, mas pelo enoturismo, sim. E hoje a gente já começa a juntar forças neste sentido.
Você acha que falta ousadia para a indústria enoturística brasileira?
Acho que há uma grande ousadia em todo o brasileiro empresário hoje. Falta um pouco mais de adaptação a esse novo mundo que mudou muito rápido. Tem muita gente que ainda não teve tempo de se adequar, de montar toda essa nova estrutura, de venda direta ao consumidor (sem intermediário), de buscar mais a inovação, oferecer experiências diferenciadas em cada uma das regiões ou vinícolas visitadas; apresentar o DNA daquele terroir ou daquela família. É preciso de inovação constante, muita criatividade e se adaptar às novas estratégias de comunicação: está faltando bom humor no vinho do Brasil. Vinho não é enfadonho, não é esnobe. Geralmente bebe-se vinho ao lado de amigos, de quem se ama. Aliamos prazer e descontração. Precisamos de mais leveza. A gente precisa simplificar regras, desconstruir velhos protocolos, para dar acesso a novos consumidores de vinho. Daí o mote da recém-lançada campanha de comunicação da Ibravin, com peças de comunicação focadas nas novas gerações.
Em nível internacional, qual o país que mais se destaca em enoturismo?
Cada país tem uma peculiaridade. Se formos falar de estatísticas, perfis, dados, é a Espanha; com relação à uma entidade nacional que promova o enoturismo é Portugal – em dez anos Portugal revolucionou o enoturismo nacional. Se a gente for falar de inovação, África do Sul, que transformou territórios inóspitos em grandes rotas do vinho. Se a gente for olhar para a valorização da gastronomia é a Itália. Argentina é referência em arquitetura, em estruturas e nós brasileiros em hospitalidade, no acolhimento do visitante. Os Estados Unidos, a Califórnia, são referência em clube de produtos, em marketing, estratégias inovadoras de venda e pós-venda. Não há um único destino internacional que se destaque, é preciso absorver o melhor de cada.
O consumo de vinhos e espumantes vem aumentando no mundo. Quais as principais
razões?
Aumento do poder aquisitivo, aumento da população, busca por experiências. Hoje o homem tem a consciência de que ele é finito e, por isso, está em busca de viver a vida em toda sua plenitude. O hedonismo faz parte da cultura e junto dele vem os prazeres da vida: dentre eles o consumo do vinho.
Qual tua casta favorita? Branca? Tinta?
Gosto de todas! Estou aberta às experiências, a conhecer novas uvas, novas formas de
elaboração, quanto mais distinto e mais ligado ao território onde eu estou, melhor. Precisamos pensar também em harmonização, no que eu vou cozinhar ou comer. A gente precisa estar atento às mudanças do mundo: está crescendo o vegetarianismo, veganismo e reducionismo. Diminuição na ingestão de carne vermelha no mundo pode reduzir o consumo de vinho tinto. Porque um vinho tinto encorpado é bom com carne. Entretanto, devem ganhar espaço os brancos, rosés ou tintos mais leves.
Um filme sobre o mundo dos vinhos.
Mais que um: “Sideways”, “Um Bom Ano”, “Setembro a vida inteira”, são algumas dicas de filmes imperdíveis.
Um destino enoturístico imperdível nacional e um internacional.
Todo mundo deveria começar pelo Vale dos Vinhedos, mas há uma série de destinos nacionais incríveis. Internacional, eu gosto obviamente de vários destinos, mas destaco Portugal justamente por estar se destacando em vários pontos por seu trabalho no setor enoturístico – há uma união com vários segmentos, especialmente coma a gastronomia.

Quem é Ivane Favero

Ivane Fávero possui graduação em Turismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1991); especialização em Gerenciamento do Desenvolvimento Turístico pela Universidade de Caxias do Sul (2000); especialização em Gestão Pública Municipal pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2012) e mestrado em Turismo pela Universidade de Caxias do Sul (2004). Foi secretária de turismo de Bento Gonçalves e Garibaldi e presidente da Associação Nacional de Secretários e Dirigentes de Turismo (Anseditur), além de vice-presidente para a América Latina da Aenotur. Atua nas áreas de gestão do turismo, planejamento, políticas, turismo rural e turismo sustentável.
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