Pessoas
A cozinha revolucionária de André Mifano
“Quando eu resolvi transformar o Vito de um restaurante italiano em brasileiro, o meu custo cresceu quase 70%. A minha dificuldade de conseguir os produtos é gigantesca e eu não repasso o custo para o consumidor.”

Se o futuro da gastronomia aponta para um chef de cozinha próximo dos produtores e mais consciente com os prejuízos que causamos ao meio ambiente, André Mifano está no caminho certo. Em seu restaurante Vito, na capital paulista, ele está ligado diretamente na produção de pelo menos 90% dos insumos utilizados na cozinha. Não pega fornecedores que estejam a mais de 150 km do restaurante. Tudo, segundo ele, para fazer a sua parte em prol do planeta, pois ‘o fim está próximo’, em suas próprias palavras. Mifano também é conhecido pelo seu trabalho com carne de porco e por fazer os 19 tipos de embutidos que estão no cardápio do restaurante. Mesmo assim, diz que adora trabalhar com peixe. E aprendeu gastronomia na prática. “Quando eu tinha uns 17 anos ou eu ia para restaurante ou para a construção civil”, diz. Começou lavando pratos no Cuccina Daltore, do chef Hamilton Mellão. Foi trabalhar na Europa e nos Estados Unidos e voltou ao Brasil para abrir o Vito, em 2008.
O que te levou a escolher a carne de porco e os embutidos como seu foco de trabalho?
Há cinco anos quando abri o Vito, em São Paulo, carne de porco não existia em restaurantes na cidade. E na minha cabeça isso era um desafio. Como cresci comendo muito porco, para mim era natural fazer um prato que fosse emblemático e ‘difícil’ para o público. Quando eu abri, coloquei barriga e foi muito difícil vender. Foi um trabalho de formiguinha e as pessoas foram reconhecendo o restaurante e a minha pessoa também como porta-voz da carne de porco, o que acho ótimo. Os embutidos são um capítulo à parte, é uma paixão e hoje eu tenho 19 tipos diferentes que tem uma filosofia por trás. Aproveitamento total do alimento, do não desperdício. O que ninguém sabe é que eu trabalho muito com peixe também. O Vito não tem um prato de peixe fixo. Então todo dia eu faço um peixe diferente.
Você participa da produção dos insumos do seu restaurante?
Essa é a tendência agora. E eu acho, inclusive, que as pessoas estão mais próximas do produtor no Sul que em São Paulo. A Manu Buffara me levou uma vez até o sítio onde ela compra os orgânicos, de lá fomos até a salumeria Monte Bello. Tudo era maravilhoso. Aqui existe a vontade e existe também a possibilidade, mesmo que pequena, de entender essa cadeia e a Manu é a pessoa que está fazendo essa engrenagem começar a rodar.
E o que seu cliente ganha com esta engrenagem?
Eu acho que a maior parte não tem nem ideia de que isso tudo está acontecendo. Porque não faço manifesto nem vou explicar para cada cliente. Não faço isso por ele e sim pelo mundo. Mas claro que se o cliente come algo que não tem agrotóxico, ele ganha. O ônus dessa revolução que eu estou fazendo, é todo meu. Porque o custo é meu. Quando eu resolvi transformar o Vito de um restaurante italiano em brasileiro, o meu custo cresceu quase 70%. A minha dificuldade de conseguir os produtos é gigantesca e eu não repasso o custo para o consumidor. Mas isso é um ônus que todos nós temos que pagar porque todos nós destruímos o planeta.
As escolas de gastronomia formam direito o profissional?
Nenhuma faculdade de nenhuma profissão prepara o profissional para o mercado de trabalho. Ponto. Todos eles vão chegar crus. E se você quiser e batalhar, vai ser cozinheiro ou chef. Não tem esse cargo, mas eles saem aspirantes a cozinheiro. E aí que começa o estudo porque o cozinheiro precisa estudar todos os dias. Muito mais importante que a formação é a índole do cara que está na cozinha. Botar a culpa nas escolas é muito fácil. Elas estão fazendo o trabalho delas.