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Pinga com mel, lama e moda de viola: chefs refazem caminho dos tropeiros a cavalo
Na gastronomia é comum ouvirmos falar de “panelinhas” e turmas. Disputas são comuns no setor onde a competição é alta e o mercado se apresenta, às vezes, saturado de profissionais e aspirantes. No Paraná, o contrário também se dá e o exemplo vem de cima. O movimento de união de chefs é inspirado nas lições do nosso passado tropeiro, quando as tropas se reuniam em torno do fogo, com muita música, bebida e comida boa.
No sábado de 31 de agosto, uma “tropa” composta em sua maioria por chefs paranaenses, reuniu-se em uma propriedade centenária, a Fazenda Santa Rita, em Palmeira, na região dos Campos Gerais. A recepção foi num café da manhã. Havia bolo de cenoura, fortaia (uma espécie de omelete camponesa italiana) de ovos caipira, geleias artesanais dos Porcadeiros, linguiça de porco Moura, manteiga de nata da Colônia Witmarsum, frutas da região e pães de fermentação natural do Renê Seifert, do Pão da Casa.

Bem alimentados, 23 cavaleiros montaram seus cavalos e seguiram viagem. Foram 17 km pela Serra Devoniana, caminho exuberante que passa pelo Pouso do Botuquara. No século 18, a estrada era utilizada pelos carroceiros e tropeiros que atravessavam gado e mula de Viamão (RS) até Sorocaba (SP).
Ao longo do trajeto os cavaleiros compartilhavam o Pica-Pau, uma pinga com mel de Witmarsum e limão rosa. O caminho é belíssimo, mas o nível de dificuldade da cavalgada era de médio a alto. Felizmente os animais escolhidos pelo Fritz Kliewer eram experientes, assim como o time que acompanhou o grupo. A chuva se aproximava e a lama se tornaria um desafio a mais durante a viagem.
A tropa estava na metade do caminho, na Igrejinha, quando a chuva desabou. Por sorte havia abrigo e foi ali que o almoço se deu. No menu, espetinhos de camarão e de queijo coalho preparados pela chef Eva dos Santos (rede de restaurantes Victor) e saladas, pães artesanais do restaurante Girassol, da chef Rosane Radecki, e palmito pupunha de Morretes.
Novamente saciados, os chefs saíram para um trecho de 2h30 a cavalo, desta vez até a Estância Pé da Serra, onde pernoitamos. A chuva havia estiado, mas a lama estava por tudo. Em alguns trechos os cavalos escorregavam e era preciso desmontar. Em outros, porém, a tropa atravessava regatos de água e se embrenhava por lindos bosques, como faziam os tropeiros.
No final da tarde o grupo chegou à Estância. Todos suados, botas enlameadas, a fome batendo, o frio e a chuva ameaçando frustrar o programa. Eis que, em volta do fogão a lenha, a verdadeira confraternização aconteceu. O chef Celso Freire esquentou uma panelada de potage de pupunha e a Flávia Rogoski (Bon Vivant) montou uma tábua de queijos e picalilli (picles de legumes e especiarias). Entre os produtos da Canastra à Serra das Antas, destaque para um gruyère que ela maturou no “Cofre dos Queijos”.
A Rosane Radecki já havia temperado, de véspera, um carneiro e dois leitões Moura, os últimos na marinada de beterraba. O carneiro, segundo a chef e mentora da cavalgada, veio de Piraquara e levou sal, ervas e alho. O Délio Canabrava (Cantina do Délio e Canabenta) se saiu com um arroz a carreteiro. Ele trouxe a sobremesa, torta Banoffi da Renata (Banoffi). Para beber, pinga de Morretes, vinho, cerveja Anarquista (IPA) e pilsen da Usina Malte, de Witmarsum. No almoço final teve vareniki (ou pierogi) de batata e requeijão da Colônia, preparado pela Vânia Krekniski (Limoeiro).
Em volta da mesa, confraternizamos e dançamos ao som de sanfona. O Beto Madalosso (Forneria Copacabana e Revista Tutano) puxou as modas de viola. A Claudia Krauspenhar (K.Sa) dançou abraçada com a Gabriela Carvalho (Quintana Gastronomia), o Marcelo Amaral falou de projetos e sobre a vida com o Lênin Palhano (Nômade) e com a Manu Buffara (Manu). A Vânia Krekniski e o Divaldo trocavam ideia – ou receitas – com a Eva, Ferdinando e Andrea Guimarães (Usina Malte). O Renê Seifert (Pão da Casa) dividia os pães e a Vanessa subiu para olhar os pequenos Oliver e Thomas, filhos do casal. Eles corriam sobre os colchões espalhados pelo quarto coletivo onde todos dormimos juntos.
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