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Chef se destaca com jantares itinerantes que valorizam identidade de SC

Aline Torres, especial para a Gazeta do Povo
25/08/2019 12:00
Florianópolis (SC) – Tibúrcio era mais rabugento que o velhinho do filme Up – Altas Aventuras. Um cara difícil. Em dado momento, no ano de 2008, parou de falar com toda a família. Manteve contato apenas com o neto de dez anos, Bruno. E não é porque tinha apenas uma criança como companhia que melhorou o humor. Na má fama que carregava, diziam os parentes, estava em terceiro lugar no ranking das piores pessoas do mundo. Mas Bruno o amava tanto que aqueceu, por anos, o ressequido coração do avô com um bom prato de comida.
Chef Bruno Deminciano, de Santa Catarina. Foto:  Matheus Ventura.
Chef Bruno Deminciano, de Santa Catarina. Foto: Matheus Ventura.
Tibúrcio comia e repetia mais de uma vez. Glutão, ainda raspava a panela. Quando percebia que era a hora certa de reconhecer o mérito do cozinheiro e elogiar, lambia os beiços, e sem dissimular ternura cravava: “está ruim”.
Foi para esse avô, impossível de arrancar uma aprovação, que Bruno cozinhou quase todos os dias dos 11 aos 18 anos. A vontade de surpreender o velho era tanta que buscava no YouTube boas receitas – nada de ovo frito com arroz. Os pratos respeitavam a sazonalidade das frutas locais e o frescor dos peixes. Quando Tibúrcio matava uma galinha, nem os ossos eram postos fora. Nas habilidosas mãos de Bruno, viravam um encorpado caldo, fundo para delícias.

História

Bruno parou de cozinhar para o avô no início de 2017 para cursar gastronomia no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). Trabalhou como auxiliar de cozinha e aos poucos foi ficando com responsabilidades maiores como forno, fritadeira e fogão.
Nos últimos dias de vida de Tibúrcio, no final de 2017, o avô comentou com Bruno que, quando saísse do hospital, queria comer marisco lambe-lambe, prato típico do litoral catarinense. Não viveu para matar essa vontade. Mas foi homenageado no primeiro projeto autoral do neto, o agora chef Bruno Demiciano. Ele se formou e foi para Salvador trabalhar com os chefs Fabrício Lemos e Lisiane Arouca, nos famosos restaurantes Origem e Ori, após ter chefiado a cozinha do ascendente Liquorice, em Florianópolis.
Após somente um mês de experiência, foi convidado para integrar a equipe e morar em Salvador. Os chefs baianos têm uma equipe fixa, que não é mexida há três anos. Mesmo assim, Bruno declinou. O motivo foi trazer a experiência do Origem para Florianópolis, valorizando a identidade catarinense.
O projeto é itinerante e se chama Bernunça, nome de um personagem do folclore ilhéu que engole as crianças nos festejos do Boi de Mamão. Um dia, segundo Bruno, será um restaurante com menu degustação contemporâneo.

Os primeiros jantares

Os primeiros jantares do Bernunça, no bistrô A Casa do Chef, foram nos dias 10 e 11 de abril  – no total, foram 459 menus vendidos. No cardápio, o bolinho de lambe-lambe do avô Tibúrcio com aioli, vinagrete de goiaba serrana e folhas de mostarda; pão da promessa, manteiga fermentada, azeite de manjericão e queijinho da serra.
De entrada, lagosta sapateira marinada na beterraba, azeite de carvão, tuille de batata doce roxa e brotos de coentro. O primeiro prato principal foi camarão empanado na tapioca, purê de mandioca, sementes de abóbora, kefir e farofa de coco. A tapioca com mousse de queijinho, manteiga de melado e sal defumado serviu de intermezzo.
No segundo prato principal, o Origem foi homenageado com carne de sol, baião de dois, pimentão amarelo tostado e demi-glace. Na sequencia veio a granita de araçá e raspas de limão de intermezzo, que serve para limpar o paladar. E de sobremesa, sorvete de caldo de cana, espuma de caldo de cana, pastel de vento, raspas de limão e crumble com gengibre, lembrança afetiva do dia de feira no Largo da Alfândega, em Florianópolis.
O segundo projeto Bernunça teve cachaça de butiá e abacaxi, como drink de boas-vindas. O amuse-bouche, aperitivo para uma mordida, foi bolinho de carne de panela, aioli e picles de chuchu; snacks de torresmo de sagu, tartar de carne de sol e cevada, pirão d’água suflado, bacalhau de tainha e páprica e ostra gazar, pérola de limão e espuma de beterraba. Na primeira entrada foram servidas texturas de mandioquinha e azeite trufado e, na segunda, peixe do dia e dashi de cogumelos brasileiros.
O primeiro prato principal teve tamboril poché de moqueca, arroz de leite de coco, chips de banana. No intermezzo, tapioca, mousse de queijinho, manteiga de melado e sal defumado. O segundo prato principal foi rabada, ravióli de banana da terra, farofa de queijo coalho e agrião. Intermezzo de granita e picles de bergamota. E duas sobremesas, pannacota de cumaru, gel de araçá e sorvete de caramelo salgado, leite de amendoim com alecrim e nibs de cacau.
Serviço
Os eventos promovidos pelo chef Bruno Demiciano com o Projeto Bernunça são anunciados pelo Instagram.
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