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Morre o chef francês Paul Bocuse, o “papa” da gastronomia
Conhecido como o “papa” da gastronomia francesa, personificada por ele durante décadas no mundo inteiro, o estrelado chef Paul Bocuse morreu aos 91 anos —informou, neste sábado (20), o ministro francês do Interior e ex-prefeito de Lyon, Gérard Collomb, no Twitter.

Bocuse morreu em seu conhecido restaurante de Collonges-au-Mont-d’Or, vilarejo perto de Lyon, na região centro-leste do país, relatou um chef lionês próximo à família, que ainda não se pronunciou. Há vários anos, Paul Bocuse sofria do Mal de Parkinson.
Paul Bocuse, que ostentou estrelas no guia “Michelin” por mais de cinco décadas, é um dos criadores da “nouvelle cuisine”, movimento que revolucionou a gastronomia francesa pregando leveza aos pratos.
São inúmeras as suas receitas célebres —a mais famosa delas é a sopa de trufas negras. Mas a contribuição de Bocuse para a cozinha francesa vai além, com a defesa da simplicidade e da seleção de produtos de qualidade. Fatos estes que fizeram do renomado chef a inspiração para a animação”Ratatouille”, de 2007.
“Ele foi um cara que sempre mostrou que era preciso formar melhor os cozinheiros, assim como incentivar a produção de alimentos regionais e a valorização dos produtos locais. Foi, além de tudo, um líder que levou vários cozinheiros nesta direção, que começou na França e ele soube exportar para fora”, avalia o chef francês Laurent Suaudeau, um dos nomes mais importantes da gastronomia brasileira, que chegou ao país há mais de 30 anos por sugestão de Bocuse. “Estou muito triste. Ele foi a pessoa que não só acreditou, mas que confiou que eu poderia ser seu representante no Brasil, para trazer [para cá] uma nova reflexão sobre a cozinha como um todo. Estou perdendo um dos meus grandes mentores, quem me colocou realmente na estrada das conquistas que tive aqui neste país”, completa Suaudeau.

O chef
“Tenho três estrelas, tive três ‘by-pass’ e sempre tive três mulheres”, resumiu Bocuse em entrevista ao jornal “Libération”. Em 1946, ele se casou com Raymonde Duvert, 20 anos depois conheceu Raymone Carlut e aos 70 anos se uniu a Patricia Zizza, que administrava sua carreira.
Ele almoçava com uma, tomava o chá com outra e na hora do jantar estava com a terceira, diziam os amigos íntimos do renomado chef. “Ele era um bon vivant. Gostava da vida, dos amigos, das coisas boas [da vida]”, destaca o chef francês Emmanuel Bassoleil, radicado no Brasil.
Bocuse nasceu em 1926 às margens do Rio Saône, no pequeno município de Collonges-au-Mont-d’Or, no leste da França. Foi nessa região, próxima a Lyon, onde ele começou a se aproximar da gastronomia. No restaurante da família, dava continuidade a uma linhagem de cozinheiros que remontava a 1765. É lá que fica o principal dos 23 restaurantes que ele espalhou pela França, Suíça, Estados Unidos e Japão.
Aos 15 anos, Bocuse se tornou aprendiz de Claude Maret. Em 1944, quando chegou à maioridade, se alistou nas Forças Francesas Livres para combater na Alemanha nazista, época em que ganhou a tatuagem que leva no braço esquerdo com a imagem de um galo, feita pelos soldados americanos que lhe atenderam após um ferimento.
Depois da guerra, o jovem Bocuse continuou sua formação e fez amizade com os irmãos-cozinheiros Troisgros e se colocou à disposição de Fernand Point, que ele considera seu “mentor” —e para quem dedicou seus caranguejos de rio gratinados.
Em 1958, abriu seu próprio restaurante, recuperando o L’Auberge du Pont, a loja da família, e que foi rebatizado com seu próprio nome. Em 1965, recebeu a terceira das estrelas, que nunca lhe abandonaram.
Um ícone
Mas o auge de sua carreira veio no início da década de 1970, com a “nouvelle cuisine”. Bocuse consolidou o movimento ao lançar um livro de receitas baseadas nos preceitos dessa inovadora forma de cozinhar, que priorizava ingredientes frescos, molhos leves e dava especial atenção à apresentação.
Esse movimento representou também a consagração dos cozinheiros como estrelas midiáticas, circunstância que Bocuse aproveitou com habilidade: recebeu a comenda da Legião de Honra, em 1975, desembarcou no Japão, em 1979, e criou o Bocuse d’Or (1987), prestigiada competição na qual, a cada dois anos, 24 grandes cozinheiros concorrem. Em 1990, fundou o Instituto Paul Bocuse, um dos templos de aprendizagem da profissão, com sede em Lyon.
“Ele é uma marca importante da construção da cozinha criativa que nós temos hoje bem representada por jovens cozinheiros. Ele foi a pessoa mais importante para a história da cozinha brasileira [e mundial]. Só peço aos cozinheiros um pouco de respeito e tentar nunca esquecer que este senhor é um representante da história da evolução da cozinha do mundo”, acrescenta Suaudeau. Bassoleil completa lembrando que Bocuse foi um dos primeiros chefs a sair de seu país para mostrar seu trabalho e que, graças a ele, hoje a profissão de chef é reconhecida em todo o mundo.
A saúde de Bocuse fraquejou com o Parkinson, mas ele não perdeu o bom humor. Em 2014, por exemplo, se submeteu a uma complicada cirurgia e, ao se recuperar, disse à sua mulher: “Querida, fui bem-sucedido na vida, mas fracassei na morte”. “A vida é uma piada. Portanto, é preciso trabalhar como se fôssemos morrer com cem anos e viver como se fôssemos morrer amanhã”, disse certa vez o chef.
“É uma notícia triste, pois perdemos uma [grande] pessoa. Mas a história, o trabalho que ele realizou está registrado. Ele foi o chef do século”, completa Bassoleil.
Chefs lamentam a morte de Bocuse:
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