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Morre o chef francês Paul Bocuse, o “papa” da gastronomia

Sharon Abdalla, com Folha Press
20/01/2018 14:58
Conhecido como o “papa” da gastronomia francesa, personificada por ele durante décadas no mundo inteiro, o estrelado chef Paul Bocuse morreu aos 91 anos —informou, neste sábado (20), o ministro francês do Interior e ex-prefeito de Lyon, Gérard Collomb, no Twitter.
Foto: A Life Worth Eating.
Foto: A Life Worth Eating.
Bocuse morreu em seu conhecido restaurante de Collonges-au-Mont-d’Or, vilarejo perto de Lyon, na região centro-leste do país, relatou um chef lionês próximo à família, que ainda não se pronunciou. Há vários anos, Paul Bocuse sofria do Mal de Parkinson.
Paul Bocuse, que ostentou estrelas no guia “Michelin” por mais de cinco décadas, é um dos criadores da “nouvelle cuisine”, movimento que revolucionou a gastronomia francesa pregando leveza aos pratos.
São inúmeras as suas receitas célebres —a mais famosa delas é a sopa de trufas negras. Mas a contribuição de Bocuse para a cozinha francesa vai além, com a defesa da simplicidade e da seleção de produtos de qualidade. Fatos estes que fizeram do renomado chef a inspiração para a animação”Ratatouille”, de 2007.
“Ele foi um cara que sempre mostrou que era preciso formar melhor os cozinheiros, assim como incentivar a produção de alimentos regionais e a valorização dos produtos locais. Foi, além de tudo, um líder que levou vários cozinheiros nesta direção, que começou na França e ele soube exportar para fora”, avalia o chef francês Laurent Suaudeau, um dos nomes mais importantes da gastronomia brasileira, que chegou ao país há mais de 30 anos por sugestão de Bocuse. “Estou muito triste. Ele foi a pessoa que não só acreditou, mas que confiou que eu poderia ser seu representante no Brasil, para trazer [para cá] uma nova reflexão sobre a cozinha como um todo. Estou perdendo um dos meus grandes mentores, quem me colocou realmente na estrada das conquistas que tive aqui neste país”, completa Suaudeau.
Paul Bocuse aos 90 anos. Foto: Divulgação.
Paul Bocuse aos 90 anos. Foto: Divulgação.

O chef

“Tenho três estrelas, tive três ‘by-pass’ e sempre tive três mulheres”, resumiu Bocuse em entrevista ao jornal “Libération”. Em 1946, ele se casou com Raymonde Duvert, 20 anos depois conheceu Raymone Carlut e aos 70 anos se uniu a Patricia Zizza, que administrava sua carreira.
Ele almoçava com uma, tomava o chá com outra e na hora do jantar estava com a terceira, diziam os amigos íntimos do renomado chef. “Ele era um bon vivant. Gostava da vida, dos amigos, das coisas boas [da vida]”, destaca o chef francês Emmanuel Bassoleil, radicado no Brasil.
Bocuse nasceu em 1926 às margens do Rio Saône, no pequeno município de Collonges-au-Mont-d’Or, no leste da França. Foi nessa região, próxima a Lyon, onde ele começou a se aproximar da gastronomia. No restaurante da família, dava continuidade a uma linhagem de cozinheiros que remontava a 1765. É lá que fica o principal dos 23 restaurantes que ele espalhou pela França, Suíça, Estados Unidos e Japão.
Aos 15 anos, Bocuse se tornou aprendiz de Claude Maret. Em 1944, quando chegou à maioridade, se alistou nas Forças Francesas Livres para combater na Alemanha nazista, época em que ganhou a tatuagem que leva no braço esquerdo com a imagem de um galo, feita pelos soldados americanos que lhe atenderam após um ferimento.
Depois da guerra, o jovem Bocuse continuou sua formação e fez amizade com os irmãos-cozinheiros Troisgros e se colocou à disposição de Fernand Point, que ele considera seu “mentor” —e para quem dedicou seus caranguejos de rio gratinados.
Em 1958, abriu seu próprio restaurante, recuperando o L’Auberge du Pont, a loja da família, e que foi rebatizado com seu próprio nome. Em 1965, recebeu a terceira das estrelas, que nunca lhe abandonaram.

Um ícone

Mas o auge de sua carreira veio no início da década de 1970, com a “nouvelle cuisine”. Bocuse consolidou o movimento ao lançar um livro de receitas baseadas nos preceitos dessa inovadora forma de cozinhar, que priorizava ingredientes frescos, molhos leves e dava especial atenção à apresentação.
Esse movimento representou também a consagração dos cozinheiros como estrelas midiáticas, circunstância que Bocuse aproveitou com habilidade: recebeu a comenda da Legião de Honra, em 1975, desembarcou no Japão, em 1979, e criou o Bocuse d’Or (1987), prestigiada competição na qual, a cada dois anos, 24 grandes cozinheiros concorrem. Em 1990, fundou o Instituto Paul Bocuse, um dos templos de aprendizagem da profissão, com sede em Lyon.
“Ele é uma marca importante da construção da cozinha criativa que nós temos hoje bem representada por jovens cozinheiros. Ele foi a pessoa mais importante para a história da cozinha brasileira [e mundial]. Só peço aos cozinheiros um pouco de respeito e tentar nunca esquecer que este senhor é um representante da história da evolução da cozinha do mundo”, acrescenta Suaudeau. Bassoleil completa lembrando que Bocuse foi um dos primeiros chefs a sair de seu país para mostrar seu trabalho e que, graças a ele, hoje a profissão de chef é reconhecida em todo o mundo.
A saúde de Bocuse fraquejou com o Parkinson, mas ele não perdeu o bom humor. Em 2014, por exemplo, se submeteu a uma complicada cirurgia e, ao se recuperar, disse à sua mulher: “Querida, fui bem-sucedido na vida, mas fracassei na morte”. “A vida é uma piada. Portanto, é preciso trabalhar como se fôssemos morrer com cem anos e viver como se fôssemos morrer amanhã”, disse certa vez o chef.
“É uma notícia triste, pois perdemos uma [grande] pessoa. Mas a história, o trabalho que ele realizou está registrado. Ele foi o chef do século”, completa Bassoleil.

Chefs lamentam a morte de Bocuse:


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