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Pessoas

O francês que “lapidou” a brasilidade

Gilson Garrett Jr.
13/11/2014 04:00
Há quase 30 anos no Brasil, o chef  francês Emmanuel Bassoleil é praticamente confundido com um nativo (mesmo com o sotaque carregado). Fala do país com paixão e trabalha para um futuro cada vez melhor da gastronomia brasileira. Mas o caminho não foi fácil. Ele conta que quando chegou, ao lado dos também franceses Laurent Suaudeau e Claude Troisgros, era difícil encontrar ingredientes para executar as receitas que aprendera e os clientes não entendiam a sequência de muitos pratos. Tempos passados, segundo ele.
Depois de trabalhar em estrelados pelo Michelin e em cozinha de navio, abriu seu próprio endereço no Brasil: comanda a cozinha do Skye Restaurante & Bar, que fica dentro do Hotel Unique em São Paulo. Para ele, as diferenças nos trabalhos o
ajudaram a construir sua própria identidade e hoje fazer o que “está a fim”: servir as pessoas.
Ele esteve em Curitiba para participar da 8.ª Noite dos Chefs, evento anual beneficente em prol do Complexo Pequeno Príncipe. Cozinhou ao lado de mestres da cozinha como o conterrâneo Suaudeau, Fabiano Marcolini, Ivo Lopes, Ivan Lopes e Rodrigo do Prado. Preparou a primeira entrada: salmão vermelho, guacamole, molho tarê e caviar. Os sabores tão distintos se encontraram em total harmonia, desde o delicado peixe do Alasca, até o molho mexicano. Para ele, o prato refletiu suas diversas experiências. Minutos depois de terminar o envio do último prato ao salão, onde estavam 200 pessoas, falou com exclusividade ao Bom Gourmet.
Quando você, ao lado de outros franceses, chegou ao Brasil, qual era seu objetivo?
O Claude [Troisgros] chegou com 22 anos, o Laurent [Suaudeau] com 22, e eu com 26. No início a gente (mesmo em épocas diferentes) queria fazer a gastronomia francesa com as nossas receitas e para isso precisávamos encontrar bons ingredientes. Queríamos colocar em prática aquele savoir faire (saber fazer) que nós tínhamos aprendido com os mestres. E a partir daí passamos a entender que não tinha a framboesa ou o morango, mas tinha a goiaba e maracujá. Não tinha batata adequada, mas tinha a mandioca. Fomos muito criticados porque queríamos fazer um menu degustação com quatro, cinco ou seis pratos em sequência e todo mundo reclamava porque era pouco em cada um deles. Hoje as pessoas vão no Alex Atala e comem um prato que é do tamanho de uma colherzinha de café e ninguém fala nada.
Você acredita que onde a gastronomia brasileira está é um reflexo do trabalho de vocês?
Sem dúvida. A gastronomia brasileira chegou onde a gente queria. A Helena Rizzo começou a trabalhar na minha cozinha. O primeiro trabalho do Alex Atala eu que arrumei. O Fabiano Marcolini eu também ajudei. Claro que digo isso sem pretensão nenhuma porque cada um tem seu talento e fizeram por merecer. Mas fomos um espelho, uma referência com o nosso trabalho. E os chefs brasileiros que vieram depois de nós tiveram a possibilidade de buscar conhecimento fora [do Brasil], de viajar, e estudar em escolas de gastronomia que se instalavam aqui. Durante muito tempo eu, o Laurent e o Claude fomos os porta-bandeiras da gastronomia brasileira e esse trabalho tem que ser feito por brasileiros.
Tem algo que ainda falta na gastronomia brasileira?
Falta mais padrão nos ingredientes porque produto de qualidade até tem, mas cada dia está de um jeito diferente. Para poder exportar a gastronomia brasileira temos que trabalhar mais a identidade regional. Descobrir qual é o prato símbolo do Paraná, por exemplo, e levá-lo para fora. O Brasil é do tamanho da Europa e o trabalho é enorme.
Existe diferença entre as cozinha que trabalhou?
Já servi mil pessoas e tive restaurante para atender 80 de forma exclusiva. Então cada experiência foi um momento da minha vida em que eu me aperfeiçoei e aprendi. Hoje com quase 40 anos de profissão eu faço as coisas que eu estou a fim de fazer. Eu sempre trabalhei com as coisas que eu gosto, que é fazer o que as pessoas pedem. Hoje se meu cliente pede para trocar um acompanhamento, eu faço com o maior prazer.
Qual o papel da Associação dos Profissionais de Cozinha do Brasil, antiga Abaga (Associação Brasileira da Alta Gastronomia), da qual você participou por sete anos?
Assim como um governo pode mudar, a associação mudou. Saí porque o momento mudou e os líderes mudaram. E o caminho que estava sendo seguido não era o inicial que era o de divulgar a gastronomia a estimular as escolas e os profissionais a investirem na própria gastronomia. Despertar essa curiosidade dos jovens e dos clientes. Quando virou um marketing pessoal das pessoas ligadas à entidade, acho que não foi um bom caminho. Fiquei sete anos como vice-presidente e saí.

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