Pessoas
Chef Beto Pimentel conta como se tornou o ‘mestre das frutas’
Talvez a presença do sol, que cozinha Curitiba há dias a fio, tenha uma explicação. O baiano Beto Pimentel esteve na cidade no início de agosto para ensinar sua “alquimia” aos alunos da pós-graduação de Cuisine Santé do Centro Europeu, e com ele trouxe receitas e combinações raras por estas bandas.

Chef e proprietário do Paraíso Tropical, restaurante dentro da chácara de mesmo nome em Salvador, Beto passou de ladrão de frutas na infância a colecionador de árvores em seu pomar. Lá ele reúne mais de 200 espécies de todo o mundo. “Tenho baobá, amarula, fruta do milagre, tudo da África. Tem também uma banana toda coladinha que veio de lá”, elenca. As frutas são tão presentes na sua vida que não seria diferente em sua cozinha: todos os seus pratos levam alguma parte das frutíferas. “Por incrível que pareça, fica melhor [frutas em pratos salgados]. Minha moqueca eu já mudei 23 vezes de receita, estou sempre aperfeiçoando e praticando”, conta. Sobremesa, só se for fruta grelhada.
Beto usa também sucos de cacau, água de coco verde, polpa de frutas exóticas e outras combinações que vem aperfeiçoando há 30 anos, desde que abriu seu restaurante aos 51 anos de idade, depois de atuar como agrônomo do Banespa e comerciante de roupas em São Paulo. Sua mudança se mostrou acertada, mesmo amargando dez anos de “desdém” pelos professores de gastronomia e pelos pares, que acreditavam que Beto descaracterizava a culinária baiana.

Formado em agronomia pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz e estudou também Química Alimentar na França, Beto começou como autodidata na cozinha. “As escolas de gastronomia ensinam técnicas maravilhosas, que os mestres passam a vida inteira aperfeiçoando para nos dar de mão beijada. Nós temos que criar. Nascemos em um país em que só o estado da Bahia tem cinco biomas, cinco climas diferentes. A diversidade é muito grande de nutrientes, frutas, folhas, cascas, madeiras, temos que aproveitar”, empolga-se.
Paraíso Tropical é o único restaurante brasileiro a ser premiado pela Commanderie des Cordons Bleus de France, uma comissão de culinária fundada em 1949 na França que defende a proteção da cultura alimentar local. O restaurante também é considerado “o melhor da comida regional no Brasil” pelo Guia Quatro Rodas e foi premiado pela mesma publicação por 16 anos consecutivos. O Bom Gourmet conversou com exclusividade com o chef:
De onde veio o interesse por frutas?
Eu sou apaixonado por fruta. Cresci em Salvador, onde é minha chácara hoje. Eu era o maior ladrão de fruta que tinha na infância eu abri até uma barraquinha no fundo do quintal da minha casa com tábua de caixote. Ninguém podia competir comigo no preço, minha fruta saía mais barata porque eu roubava. Jaca, abacate, pedaço de cana, manga, mamão, goiaba… tirava do quintal da chácara do meu pai e o resto era tudo roubado dos quintais dos outros.
Eu sou apaixonado por fruta. Cresci em Salvador, onde é minha chácara hoje. Eu era o maior ladrão de fruta que tinha na infância eu abri até uma barraquinha no fundo do quintal da minha casa com tábua de caixote. Ninguém podia competir comigo no preço, minha fruta saía mais barata porque eu roubava. Jaca, abacate, pedaço de cana, manga, mamão, goiaba… tirava do quintal da chácara do meu pai e o resto era tudo roubado dos quintais dos outros.
Como você conhece tanto os benefícios das plantas?
Mandei muita coisa para analisar, gastei muito com laboratório. Agora o pessoal virou meu amigo e consigo fazer de graça. Não acredite em dito popular, acredite na ciência. Tem que mandar analisar verde, maduro, seco, de toda forma para ver o que aquele fruto tem.
Mandei muita coisa para analisar, gastei muito com laboratório. Agora o pessoal virou meu amigo e consigo fazer de graça. Não acredite em dito popular, acredite na ciência. Tem que mandar analisar verde, maduro, seco, de toda forma para ver o que aquele fruto tem.

Essas frutas que você usa nos seus pratos são fáceis de encontrar na Bahia?
Nem todas. Agora como eu já saí muitas vezes na televisão estão começando a plantar biribiri até em São Paulo, antes ninguém conhecia. Eu sou contra segredinho de cozinha, acho que você tem que participar com outras pessoas a sua descoberta, senão é egoísmo. Estamos na era da internet, a notícia anda a galope assim como a vida. Por que que você vai guardar a sete chaves, como vovó fez, sabores maravilhosos? Minha vó mesmo, ninguém faz doce de jenipapo igual ao dela. Nem eu consegui. Ela levou pro túmulo. Divida com as pessoas o seu conhecimento e você vai deixar um legado, não passou a vida em branco.
Nem todas. Agora como eu já saí muitas vezes na televisão estão começando a plantar biribiri até em São Paulo, antes ninguém conhecia. Eu sou contra segredinho de cozinha, acho que você tem que participar com outras pessoas a sua descoberta, senão é egoísmo. Estamos na era da internet, a notícia anda a galope assim como a vida. Por que que você vai guardar a sete chaves, como vovó fez, sabores maravilhosos? Minha vó mesmo, ninguém faz doce de jenipapo igual ao dela. Nem eu consegui. Ela levou pro túmulo. Divida com as pessoas o seu conhecimento e você vai deixar um legado, não passou a vida em branco.
Como é seu método de criação de receitas salgadas com frutas?
Por incrível que pareça, fica melhor. A minha moqueca leva caldinho de cacau, tangerina, limão, biribiri [fruto azedo da família das carambolas, também conhecido como limão-de-caiena]. Na minha cozinha não uso água, nem água mineral, tudo é feito com água de coco verde e ela não descaracteriza nada. Com um temperinho ninguém sabe se foi água de coco ou não que você colocou ali. Minha obrigação é fazer comida o mais saudável possível, fazer com que a pessoa saia de lá melhor do que entrou.
Por incrível que pareça, fica melhor. A minha moqueca leva caldinho de cacau, tangerina, limão, biribiri [fruto azedo da família das carambolas, também conhecido como limão-de-caiena]. Na minha cozinha não uso água, nem água mineral, tudo é feito com água de coco verde e ela não descaracteriza nada. Com um temperinho ninguém sabe se foi água de coco ou não que você colocou ali. Minha obrigação é fazer comida o mais saudável possível, fazer com que a pessoa saia de lá melhor do que entrou.
Como é a recepção das pessoas quando provam sua comida pela primeira vez?
É uma surpresa estúpida, só falta se ajoelhar. Não pense que [o uso de frutas] vai descaracterizar. A moqueca fica melhor e mais leve. Meu azeite de dendê eu uso a polpa da própria fruta. Usando a fruta fica mais saudável e mais saboroso também, porque o dendê se aquecido vira gordura ruim, cheia de triglicerídeos. O pessoal fica bobo é com o sabor da minha cozinha. A mistura parece que não vai dar certo, mas dá.
É uma surpresa estúpida, só falta se ajoelhar. Não pense que [o uso de frutas] vai descaracterizar. A moqueca fica melhor e mais leve. Meu azeite de dendê eu uso a polpa da própria fruta. Usando a fruta fica mais saudável e mais saboroso também, porque o dendê se aquecido vira gordura ruim, cheia de triglicerídeos. O pessoal fica bobo é com o sabor da minha cozinha. A mistura parece que não vai dar certo, mas dá.

Quando você começou, sua cozinha tinha essas características?
Comecei por intuição e conhecimento. Sei que o caldo do cacau é digestivo e saboroso. Você toma o caldinho do cacau, parece que está tomando um licor, porque é muito saboroso. A graviola, a cajá umbu, dão boas combinações [em pratos salgados]. O biribiri substitui o limão e você come, ele é crocante. Minha moqueca eu já mudei a receita 23 vezes, estou sempre aperfeiçoando e praticando, sempre evoluindo. A cada ano minha cozinha está melhor e com mais clientes. Não tenho isso de baixa estação. Não era meu sonho ser dono de restaurante. Meu sonho era ter um pomar e minha horta, comer tudo que eu plantasse, que eu tivesse certeza de que é orgânico e nao vai fazer mal para a saúde. Aí virou isso que é hoje. O único lugar em que o [cantor italiano Luciano] Pavarotti comeu no Brasil foi no meu restaurante, ele trouxe o cozinheiro dele e fez questão de conhecer o Paraíso Tropical. A banda U2 também só comeu lá. O que eu não planto procuro pagar um preço justo para o pequeno agricultor familiar para ele não desanimar, para que ele continue cultivando espécies raras, porque há coisas que não existem industrializadas ainda, como os feijões andu e o mangalô.
Comecei por intuição e conhecimento. Sei que o caldo do cacau é digestivo e saboroso. Você toma o caldinho do cacau, parece que está tomando um licor, porque é muito saboroso. A graviola, a cajá umbu, dão boas combinações [em pratos salgados]. O biribiri substitui o limão e você come, ele é crocante. Minha moqueca eu já mudei a receita 23 vezes, estou sempre aperfeiçoando e praticando, sempre evoluindo. A cada ano minha cozinha está melhor e com mais clientes. Não tenho isso de baixa estação. Não era meu sonho ser dono de restaurante. Meu sonho era ter um pomar e minha horta, comer tudo que eu plantasse, que eu tivesse certeza de que é orgânico e nao vai fazer mal para a saúde. Aí virou isso que é hoje. O único lugar em que o [cantor italiano Luciano] Pavarotti comeu no Brasil foi no meu restaurante, ele trouxe o cozinheiro dele e fez questão de conhecer o Paraíso Tropical. A banda U2 também só comeu lá. O que eu não planto procuro pagar um preço justo para o pequeno agricultor familiar para ele não desanimar, para que ele continue cultivando espécies raras, porque há coisas que não existem industrializadas ainda, como os feijões andu e o mangalô.
Quando você ‘mexeu’ nesta instituição que é a culinária baiana tradicional, houve críticas?
Não uso leite de coco seco porque é muito calórico. Disseram que eu estava descaracterizando a cozinha baiana e hoje estão todos lá, até professores famosos da gastronomia da Bahia. Hoje me badalam e dizem que eu estava certo e que melhorei. Quando comecei a ganhar prêmio fora do Brasil [em meados de 1990] a situação melhorou.
Não uso leite de coco seco porque é muito calórico. Disseram que eu estava descaracterizando a cozinha baiana e hoje estão todos lá, até professores famosos da gastronomia da Bahia. Hoje me badalam e dizem que eu estava certo e que melhorei. Quando comecei a ganhar prêmio fora do Brasil [em meados de 1990] a situação melhorou.
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