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“O Brasil faz vinhos e espumantes como não se via antes”, diz Master of Wine britânico

Anderson Hartmann, de Porto Alegre, especial para Bom Gourmet
01/10/2018 17:52
BENTO GONÇALVES – Um dos maiores especialistas mundiais em vinhos esteve na Serra Gaúcha no último fim de semana por ocasião da feira internacional Wine South America.
Alistair Cooper, Master of Wine britânico, protagonizou duas das mais aguardadas masterclass do evento realizado em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. Durante muitos anos, o inglês aprofundou seus conhecimentos sobre os vinhos da América do Sul.
Foi graças aos estudos sobre a região de Itata, no Chile, que se tornou um Master of Wine. Concedido pelo Institute of Masters of Wine, esse título é o mais respeitado no universo vitivinícola – principalmente em razão do rigor e dos altos padrões de exigência associados à sua concessão.
Cerca de 380 pessoas possuem essa certificação no mundo atualmente. O primeiro brasileiro a fazer parte deste seleto grupo é o paranaense Dirceu Vianna Junior. O Bom Gourmet bateu um papo com exclusividade com o Master of Wine britânico no Spa do Vinho. Confira!
Alistair Cooper no Spa do Vinho, em Bento Gonçalves. Foto: Anderson<br>Hartmann/Gazeta do Povo
Alistair Cooper no Spa do Vinho, em Bento Gonçalves. Foto: Anderson
Hartmann/Gazeta do Povo
Qual a sua primeira impressão das visitas feitas aos produtores de vinhos brasileiros?
Eu fiquei impressionado com a consistência dos projetos vitivinícolas que visitei aqui no Brasil. Alguns produtores têm muitos produtos no portfólio, mas quando eles focam em algo, fazem isso muito bem – especialmente considerando as dificuldades climáticas daqui. A tecnologia utilizada por algumas vinícolas é impressionante. Outro ponto incrível é o grande conhecimento de alguns consumidores e o incrível trabalho feito por uma pequena parcela de produtores com grande inteligência e inquietude. Eu adoraria espalhar esse conhecimento por todo o mundo.
Quais as características e peculiaridades que podem ser potencializadas nos vinhos produzidos em condições climáticas extremas como os da América do Sul?
Condições climáticas extremas podem criar excelentes oportunidades de se fazer algo diferente, mas igualmente complicações. Graças às novas tecnologias, nos últimos 10, 15 anos, a gente viu surgir uma incrível habilidade humana de superar essas dificuldades climáticas. E o resultado disso se traduz em vinhos e espumantes incríveis, com uma identidade única – algo que não se via antes. Imagine só se não tivessem os problemas logísticos, comerciais e políticos; apesar disso é muito interessante ver o resultado da ousadia de alguns produtores. Mudar a mentalidade de uma região é um processo lento mas a gente vê que alguns produtores estão sendo pioneiros, se arriscando mais e colocando no mercado produtos únicos e diferenciados.
O que pode ser melhorado aqui no Brasil em termos de inovação de processos e tecnologias?
Apesar do grande potencial, o estilo de vinho produzido no Brasil ainda vai muito ao encontro do o que o mercado nacional consome (a cultura do consumo de vinho ainda não está disseminada e consolidada). Muita gente prefere os vinhos suaves e os produtores necessitam vender sua produção. É preciso possibilitar acesso à cultura do vinho no país. Em termos tecnológicos, eu acredito que os produtores estão fazendo bem a lição de casa.
Eu visitei a Guaspari e a Cave Geisse, por exemplo, e eles estão conseguindo vencer muitas dificuldades do passado com bastante pragmatismo. Uma coisa que eu acho que falta ao produtor de vinho brasileiro é viajar mais para fora do país em busca de inspiração e referências. Não estou falando de ir copiar, mas, sim, ver o que está sendo feito de diferente e o que pode ser aplicado à realidade brasileira. Benchmarking e tentativas de aplicar diferentes técnicas vitivinícolas. São inúmeras formas de se fazer a mesma coisa, sempre adaptando às peculiaridades regionais.
Acha que falta ousadia para o produtor de vinho brasileiro?
Talvez, sim! É difícil se desafiar quando é necessário ser comercial também. Eles precisam vender seus vinhos. Mas, sim, eu gostaria de ver mais inovação. A vinícola Guaspari, por exemplo, fez um grande investimento em um projeto diferente. E, claro, não é todo mundo que consegue fazer esse tipo de aporte em pesquisa, desenvolvimento e inovação. Eu amo esse tipo de projeto. Nem sempre funciona mas eu adoro correr esse tipo de risco para aprender e produzir coisas diferentes.
Há uma discussão gigante sobre a utilização de madeira no envelhecimento de vinhos brasileiros. Qual a tua opinião sobre essa temática?
Há um ciclo de tendências na indústria dos vinhos. Com a globalização, as pessoas têm mais acesso à informação, estão viajando mais, e essas tendências mudam e se espalham mais rapidamente. Vinho é a mesma coisa. Nos últimos dez anos muitos produtores do mundo todo estão usando menos madeira no envelhecimento a fim de manter a pureza aromática porque o uso da madeira pode mascarar algumas características interessantes, de delicadeza e até mesmo aromáticas do vinho.
Eu sempre recomendo considerar o uso de madeira, experimentar como fica o resultado com ou sem o carvalho. Em alguns casos eu amo o resultado com o uso do envelhecimento em madeira; em outros casos não vejo benefícios. A uva Chardonnay, por exemplo, tem uma grande afinidade com a madeira. Na Austrália, até 2006 os produtores usavam muita madeira nos vinhos desta casta, mas de repente mudaram o ‘mindset’ e aboliram totalmente o uso da madeira no envelhecimento dos vinhos Chardonnay. Eu acho que o produtor não precisa ir ao extremo, o equilíbrio sempre é uma boa solução. Sugiro que o enólogo sempre considere cuidadosamente o envelhecimento em madeira usando o bom senso.
Qual a sua opinião sobre correção de solo para obtenção de vinhos de melhor qualidade?
Se o produtor não está utilizando fertilizantes, pesticidas e produtos químicos, correção de solo é uma técnica feita em todo o mundo por produtores e não vejo problema nisso. Às vezes algumas áreas particulares precisam de correções. O foco precisa estar na responsabilidade social, na tentativa de parar de usar produtos químicos e fertilizantes a fim de oferecer uma bebida cada vez mais pura.
Master of Wine britânico ao lado de Paulo Brammer, da Eno Cultura. Foto: Anderson Hartmann
Master of Wine britânico ao lado de Paulo Brammer, da Eno Cultura. Foto: Anderson Hartmann
Como está o reconhecimento dos espumantes brasileiros mundo afora?
Para o público geral que vai ao supermercado, o espumante brasileiro geralmente não está à venda lá. A produção é muito pequena ainda. O mesmo acontece com os fantásticos espumantes ingleses, os consumidores do mundo nem sabem da sua existência. Já o público mais informado do mundo dos vinhos sabe da existência do espumante brasileiro.
Alguns rótulos são muito bons, mas a gente não encontra facilmente disponíveis. Há um enorme potencial aqui, mas para ser um excelente espumante eu gostaria de ver mais produção premium e do método tradicional. Particularmente, eu gostaria de ver um pouco mais de acidez nos espumantes, mas essa é a minha opinião pessoal. Entendo que as vinícolas precisem vender seus produtos para o mercado brasileiro. Na minha opinião, os espumantes mais de base, em geral, tem pouca acidez e, talvez, uma dosagem muito grande de açúcar. Entretanto, eu provei alguns fantásticos espumantes “nature”, sem açúcar, o que para o meu paladar eu acho que são os melhores que degustei – aqui no Brasil ou em qualquer lugar do mundo. A indústria brasileira é muito jovem mas com um grande potencial!
Que dica daria para o produtor brasileiro conseguir oferecer vinhos de melhor qualidade a preços mais acessíveis?
Se eu tivesse essa resposta eu seria um homem muito rico (risos)! Eu acho que o produtor brasileiro precisa focar mais em qualidade do que em volume, criar demanda para determinados estilos de vinhos, reduzir custos. O paladar do brasileiro é emergente, o consumo de bons vinhos ainda é muito baixo aqui, isso leva tempo até se criar essa cultura.
O americano é reconhecido por gostar de vinhos mais adocicados e menos secos, mas isso está mudando lentamente. Há um grande movimento em direção a se apreciar bons vinhos. Acredito que a solução seja focar na produção de vinhos de maior qualidade, exatamente como vem sendo feito no Chile e na Argentina. E, claro, contar com o bom senso do governo em reduzir a absurda taxação de impostos. Desta forma os preços podem ficar mais acessíveis.  Possivelmente esse seja o maior entrave para o crescimento do mercado brasileiro de vinhos.
As barreiras políticas, logísticas e de taxação de impostos estão impedindo que a cultura do vinho se espalhe pelo país. Transportar o vinho do Rio Grande do Sul para outros estados como São Paulo, Rio de Janeiro, não é logisticamente fácil. Essas coisas precisam ser mais dinâmicas. Para aumentar a produção e promover o consumo de vinho, esses pontos precisam ser rapidamente mudados. Para mim, o sistema de taxação de impostos é a maior barreira para o crescimento do setor. Eu desejo que haja uma nova política interna. Na era da colaboração, trabalhar junto é a resposta para tudo! Compartilhar todo esse conhecimento é a chave para o sucesso.
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