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Após conselho de Jacquin, Alex Atala decidiu ser o melhor chef do Brasil
A frase foi dita como uma dica para um novato, mas no dia Alex Atala ficou frustrado. Erick Jacquin, renomado chef francês há décadas morando no Brasil, chamou o cozinheiro iniciante para uma conversa franca e soltou a seguinte frase: “Você é um bom cozinheiro, sabe dar sabor. Mas nunca vai fazer uma cozinha francesa como eu”. No mesmo dia o futuro embaixador da cozinha brasileira decidiu que ninguém faria uma cozinha brasileira melhor que a dele. E algum tempo depois rumou para a Amazônia para encontrar o que acredita ser a essência do Brasil.

A memória está no segundo episódio da segunda temporada da série de documentários Chef’s Table, da Netflix, que estreou no dia 27 de maio. Jacquin explicou por telefone o contexto: “Na época falei isso porque a imprensa estava cansada de chefs franceses e italianos. Eu disse: procura o sabor do teu país e você vai fazer sucesso”.
“Atala ligou me agradecendo”, contou Jacquin, que ainda não viu o episódio pela agenda apertada. “Ele me disse que falou de mim no Chef’s Table, que eu disse que ele nunca seria um chef francês. Eu não sabia que ele ia me citar”, relembra o chef francês. A dica deu certo: em 2005 Atala representava o Brasil no Madrid Fusión e seu restaurante, aberto em 1999 em São Paulo, começou a engrenar. “Ele é muito corajoso e perseverante. Conheci o início do D.O.M. e não era assim [famoso], mas ele nunca abaixou a cabeça. Isto é o suficiente para ser chef de cozinha: ter coragem, perseverança e acreditar”, elogia Jacquin.

O documentário
“Há 20 anos o sinônimo de comer fora em São Paulo era você ir num restaurante italiano ou francês, basicamente. A comida brasileira não era pensada com nobreza gastronômica. Alex Atala surgiu trazendo a possibilidade de uma cozinha brasileira mais moderna”. A frase de Luiz Américo Camargo, crítico de gastronomia, abre o episódio.
Caçador, pescador e habituado à natureza, Alex Atala, 47 anos, percebeu que a Amazônia guardava algo diferente daquilo que as pessoas conheciam – tanto no Brasil quanto no exterior. O criador da série, David Gelb, definiu Atala como “o homem mais interessante do mundo” em entrevista ao portal americano Eater, em março. Para mostrar o chef em ação, as tomadas foram feitas muito mais na floresta que dentro da cozinha. A equipe teve que filmar em diferentes espaços, e foi “intenso, úmido e cheio de mosquitos”, nas palavras de Gelb.

Depois de estudar gastronomia na Europa, ao voltar para o Brasil, Atala trabalhou num restaurante italiano, especializado em massas. “Os chefs italianos e franceses eram como deuses no Brasil. Mas eu sabia que a comida italiana feita aqui não era tão boa quanto a feita lá. Era uma adaptação ruim porque a comida não tinha alma”, fala.
Na Amazônia ele provou um molho de formigas feito pela cozinheira Dona Brazi. Aprendeu sobre os vários preparos da mandioca e conheceu a pimenta Baniwa, da aldeia de mesmo nome, que cultiva mais de 70 variedades de pimenta. “Construímos casinhas para processá-las. Temos cinco e já estamos construindo mais duas. Começamos com a jiquitaia, que é uma pimenta em pó. Usamos de muitas formas no D.O.M. Nossa ideia era achar algo que pudéssemos levar a cultura deles [índios] para São Paulo e propor uma oportunidade econômica”, disse.
Influência em Curitiba
Muitas de suas descobertas amazônicas chegaram também a Curitiba, como a pimenta Baniwa usada pela chef Manu Buffara, do Manu, o uso da formiga em pratos de menu degustação e sobremesa, além das farinhas e usos de ingredientes provenientes da mandioca, ervas amazônicas como priprioca, entre outros.
Na avaliação de Lênin Palhano, chef do Nomade e Chef 5 Estrelas eleito pelo Prêmio Bom Gourmet 2015, foi a pesquisa e a metodologia de Atala que colocaram o Brasil em evidência. “Acho que ele inspira muita gente nova. Eu penso que não é só ele ou a Manu que vão conseguir crescer”, diz, apontando para um caminho já trilhado pelos chefs e que servem de inspiração para a nova geração.

Em seu restaurante, Palhano já implementou um laboratório de ideias. Cada trimestre é dedicado à pesquisa de um ingrediente diferente. O primeiro deles foi o milho crioulo, de origem nativa e sem sementes transgênicas, produzido no Sítio das Meninas, em Araucária, Região Metropolitana de Curitiba, e na Casa da Videira, em Palmeira, Campos Gerais.