Bom Gourmet
Ovo mais que perfeito
O que veio primeiro, o ovo ou a galinha? Eis uma questão difícil de responder. A única certeza sobre ovo da galinha, no entanto, é que ele teve um destino certo nesta reportagem: as panelas. Muito se fala da importância do ovo para dar maciez em bolos, dar liga em massas caseiras ou uma proteína de preparo rápido para refeições preguiçosas. De fato, ser quebra-galho é com ele mesmo. E é tão humilde que não rouba a cena caso não lhe deem o papel principal – coisa que ele sabe fazer muito bem, se deixarem.O Bom Gourmet convidou três chefs de Curitiba para mostrar que esse ingrediente não é um mero coadjuvante e que pode – perdão pelo trocadilho – ser ovacionado em monólogo.
A metáfora que Colombo usou para explicar o descobrimento da América foi desafiar os presentes em um jantar a colocar um ovo fresco de pé. Seu truque foi quebrar de leve a base do ovo na mesa. Diz a lenda que na ocasião ele se defendeu dizendo: “Convenhamos que, apesar da simplicidade e facilidade, ninguém descobriu a solução. Eu é que removi a dificuldade”. Assim como o navegador, vamos desmistificar meia dúzia de pratos com ovos: os franceses pochet e mollet; o americano ovo beneditino; os tradicionais omelete e ovo mexido; o inédito ovo assado e o desafiador ovo frito. A licença poética fica por conta da inclusão dos delicados ovos de codorna, menores e tão saborosos quanto os de galinha.
Os clássicos
Um ovo mal apoiado na bancada pode se estatelar no chão num piscar de olhos. Tudo nele é cuidado: desde a coleta e armazenamento até o breve romper da casca – umas batidinhas rápidas no meio do ovo e voilà! – e o tempo no fogo, seja em óleo ou água. “Quanto mais simples o prato, mais dificil é fazê-lo. Não dá para esconder um defeito na confecção”, sentencia o chef Junior Durski, do restaurante Durski e da rede Madero. Ele é severo ao julgar um bom ovo frito: deve ser feito em panela anti-aderente e com pouquíssima manteiga, o suficiente para deslizar o ovo até a clara ficar firme e a gema no ponto desejado: mole, mas não crua. Casquinha embaixo é defeito; a clara deve ser branca e uniforme. “É preciso uma boa panela, azeite e muita prática do cozinheiro. Há pessoas que não cozinham mais nada, mas fritam ovos muito bem”, comenta o chef Dudu Sperandio, do Ernesto Ristorante.
No preparo do mollet, o desafio é descascá-lo sem romper a clara. O tempo de cozimento é breve, no máximo cinco minutos e meio, mais o resfriamento em água fria com gelo, para parar o cozimento. Quebra-se a casca quando ele ainda está morno, em pedaços pequenos para que a retirada não machuque a clara. “Tanto para o mollet quanto para o poché, o principal é o ovo estar fresco. Assim ele se mantém mais compacto e sem desmontar no momento do preparo”, ensina Gustavo Alves, do bistrô francês L’Épicerie.
O poché, usado nos ovos beneditinos, é o ovo cozido sem casca na água em fervura baixa, fazendo com que a clara forme uma cápsula em volta da gema, que deve ficar mole. “É questão de treinar. Com a água girando, deve-se quebrar o ovo dentro do turbilhão, para dar o formato arredondado e liso”, afirma o chef Dudu. Gustavo é adepto de outra técnica: deixar o ovo com casca por 15 segundos na água fervente, retirar e quebrá-lo direto na água, sem fazer o turbilhão. “É menos provável que dê errado e dá para fazer mais que um por vez.”
Os modos mais populares na cozinha de casa, no entanto, são a omelete e o ovo mexido. Para Gabriela Carvalho, chef do Quintana, o ovo mexido é ideal para brunches e refeições, e o que torna sua receita diferente das demais é acrescentar creme de leite com os ovos e misturar delicadamente. “O segredo de ele ser tão especial é usar creme de leite junto ao ovo e não mexer muito na mistura, virar os ovos pouco a pouco na frigideira para eles ficarem mais “carnudos” e inteiros ao invés de ovo todo despedaçado”, diz.
Inovando o ovo
Se perguntarem aos gourmets pelo Brasil afora qual o verdadeiro “ovo perfeito”, a resposta estará na ponta da língua. Helena Rizzo, chef do restaurante Maní, de São Paulo, é quem prepara um prato cujo nome é Ovo Perfecto, servido com creme de pupunha. Cozido em baixa temperatura (63 graus C) por uma hora e meia, o ovo ganha uma textura cremosa na gema e a clara fica macia. Aliás, a sobremesa O Ovo, também do Maní, é outro experimento que usa as gemas para fazer um sorvete com cointreau. A montagem do prato imita a aparência do ovo: a bola de sorvete amarelo é posta no meio de uma espuma de coco.
O professor do Espaço Gourmet Escola de Gastronomia e chef Rodrigo do Prado pensou em um prato que tire o ovo do preparo conhecido. O cogumelo estalado com farofinha de pimenta dedo-de-moça é preparado no forno com metade da clara e a gema inteira do ovo sobre o chapéu de shiitake. “O acompanhamento padrão para o ovo é a trufa. Como ela tem o sabor de terra acentuado, pensei em cogumelos para substituir”, explica. O tempo de forno na receita é o suficiente para a clara formar a película em volta da gema mole.
Seja cozido, assado ou frito, os chefs são unânimes: usar ovos frescos, postos há menos de uma semana, e em temperatura ambiente. A preferência é por ovos caipiras, pois sua gema é mais alaranjada, seu sabor mais forte e a produção das galinhas é pequena, com ovos de tamanho irregular. E por que os de galinha são mais conhecidos? O chef Gustavo Alves arrisca um gracejo: “Talvez seja a publicidade feita pela galinha cacarejando no momento em que põe o ovo”. De todos os mistérios que envolvem o ovo, um deles ainda paira: quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? Eis uma questão difícil de responder.
Cozido no ponto
O físico-químico francês Hervé This é um aficcionado por gastronomia molecular. Na década de 1980 começou a misturar ciência e culinária e chegou a resultados surpreendentes, como a técnica para descozinhar (sim!) um ovo e como fazer 24 litros de maionese a partir de um único ovo. Maluquices à parte, This descobriu que a temperatura ideal para cozinhar um ovo de modo que a clara fique cozida e a gema mole e suave é 55 graus C, durante uma hora.
Outros chefs pelo mundo têm adotado esta técnica para obter o “ovo perfeito”. É a mesma usada pela chef Helena Rizzo, do restaurante Maní, de São Paulo. No prato, chamado de Ovo Perfecto, a chef cozinha o ovo por uma hora e meia a uma temperatura de 63 graus C e consegue uma clara consistente e macia e cremosidade na gema.
E como se explica isso quimicamente? Segundo This, o que ocorre com o ovo ao ser cozido em baixa temperatura é que a clara coagula aos 62 graus C, mas a gema precisa de alguns graus a mais — precisamente 68 — para ficar totalmente cozida. Para fazer em casa fica um pouco complicado. “Não dá para cozinhar em baixa temperatura sem ser sous vide [método de cocção à vácuo e em temperatura controlada], ter um aparelho que permite cozinhar assim. Em casa dá para fazer o ovo mollet, cozinhando o ovo com casca em água fervente por três minutos ou três minutos e meio”, ensina o chef Dudu Sperandio, do Ernesto Ristorante.
De trivial, a omelete não tem nada
Talvez as formas mais conhecidas na culinária caseira sejam a omelete e os ovos mexidos. No caso do primeiro prato, o recheio fica a gosto do cozinheiro, seja ele profissional ou não. Mas a técnica, garantem os chefs, é primordial para uma bela omelete.
Há dois anos, o bairro Perdizes, de São Paulo, ganhou uma casa especializada no prato. A chef, Renata Ostrovsky, do Oh!Gourmet, bate os ovos com sal e fita em frigideira anti-aderente com pouca manteiga. Quando está quase no ponto, acrescenta os ingredientes do recheio e dobra, formando uma meia-lua. “Omelete é muito comum, você encontra em qualquer boteco. A maneira correta de fazer é especial, de mexer na frigideira… não pode ter nenhuma parte queimada porque altera o sabor”, ensina Renata.
Uma boa omelete, para a chef do Quintana Bistrô, Gabriela Carvalho, é rica em vegetais, como brócolis, abobrinha, cogumelos e tomate, queijo e ervas. “Gosto sempre de colocar um pouco de leite na mistura dos ovos, deixar o prato mais leve. Até água já usei para dar o mesmo efeito.”