Bom Gourmet
Carnes novas no pedaço: raças, cortes e preparos diferentes levam mais sabor e maciez à mesa
Com a chegada de raças como o Angus e a popularização de cortes até então desconhecidos (ou pouco valorizados) por aqui – como o brisket e o short ribs – o universo da carne se prova infinitamente maior do que aquele churrasco dominical feito com picanha e costela.
E esta mudança é recente. “Dez anos atrás o consumidor não distinguia Angus de Wagyu. Hoje ele está informado. O poder aquisitivo se elevou e a genética dos animais está melhorando”, avalia Edson Barros, do grupo KF, que inclui a KF Carnes, KF Grill e KF Eventos, em Curitiba.
A diferença entre carne de primeira e de segunda foi a primeira certeza a cair por terra com o ingresso dessas raças. “Com bois de maior qualidade, cortes do dianteiro, como shoulder (raquete) e brisket (peito), passaram a ser valorizados. Quem se beneficiou foi o consumidor, que hoje pode saborear o boi completo”, diz Barros.
O impacto pode ser visto sobre os carvões dos mais antenados. “O short rib e o shoulder steak eram cortes até então considerados de segunda, mas que hoje podem tornar o churrasco surpreendente”, diz Gerson Almeida, do Clube da Carne, em Curitiba. Fazem companhia a este time que promete levar mais versatilidade às grelhas o prime rib, o entrecôte e o bife de chorizo.
Na hora de ressaltar o sabor da carne, o brasileiro ainda tem no sal grosso o grande, e às vezes único, companheiro. Diogo Dreyer, do clube de carnes Angus Young, sugere quebrar essa regra com outras técnicas, como o tempero seco, ou dry rub, um mix de temperos e ervas, ou ainda o Black Rub, um dry rub com carvão ativado que, segundo ele, quebra a gordura da carne e ainda empresta um belo contraste do preto com o rosado da carne.
Fora da grelha
No Brasil existe a cultura de que carne boa é aquela boa para grelhar, porém esta visão precisa ser revista, diz István Wessel, da Wessel, marca de carnes que atua há 60 anos no Brasil. “Há muitas boas carnes que funcionam bem cozidas com molho, como a raquete (da dianteira do boi)”, diz ele.
Também mirando para além do grelhado, Gerson Almeida, do Clube da Carne, sugere as carnes que são assadas por mais tempo no fogo. “Uma costela assada lentamente ou uma peça de short rib (corte que deriva do filé agulha do dianteiro) conseguem conciliar textura, sabor e maciez”, diz.
Um corte mais magro, como o boneless, pode ser usado em um bife à parmegiana ou à milanesa. O t-bone vai bem em uma frigideira com manteiga de ervas ou clarificada. O flat iron, que só perde em maciez para o mignon, também fica muito bem apenas com manteiga e sal. As sugestões são de Diogo Dreyer, do clube de carnes Angus Young.
Carne Fraca
Os consumidores também ficaram mais atentos à procedência do que consomem após escândalos ocorridos no ano passado, segundo Diogo Dreyer, do Angus Young Clube de Carnes, ao citar o episódio da Carne Fraca (operação em que a Polícia Federal investigou a adulteração de carne feita por grandes marcas que comercializam carne in natura).
Corte especial
Alguns cortes conhecidos mundialmente e que podem ser apreciados no Brasil têm histórias interessantes. O flat iron, retirado do ombro do animal, foi um corte descoberto por dois professores, Chris Calkins (Universidade de Nebraska) e Dwain Johnson (Universidade da Flórida). Eles fizeram testes com a estrutura muscular de uma vaca até encontrar o corte ideal.
Melhoria da raça
O upgrade da carne brasileira se deu recentemente, nos últimos dez anos, pela melhora genética através da cruza da matriz, até então focada basicamente no Nelore, com raças como Angus e Hereford. “Isso não é de todo novo, mas foi recentemente que isso deslanchou. Já se havia tentado a cruza com Limousin, Charolês, Simental e Chianina. O Angus deu certo porque além de ter uma carne macia, ele cresce com rapidez e pode ser abatido com 14 meses. Além disso, a instituição de uma associação, a Associação Brasileira de Angus, ajudou a moralizar o setor”, diz István Wessel, da Wessel.
A raça Nelore é mais adaptada ao clima brasileiro, mas tem a carne mais dura, diz o professor Danilo Millen, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), no documentário (R) evolução da Carne (exibido pela Netflix). Em contrapartida, o Angus (carne mais macia) tem menor resistência ao carrapato e sofre com o calor. O cruzamento aumentou a qualidade da carne.
Mas como reconhecer um Angus? Edson Barros, da KF, diz que o consumidor pode exigir a etiqueta que ateste que o gado é dessa raça. Ou a Nota Fiscal de compra. Lembrando também que comprar em estabelecimentos de sua confiança é o primeiro passo para acertar.
Uma das carnes mais caras disponíveis hoje no país vem do gado Wagyu. No Japão, os cortes Kobe provenientes deste tipo de gado criado na cidade de Kobe são os mais famosos. Eles têm um nível de marmoreio de 1 a 12. Para ser considerada Kobe, deve ter este marmoreio na faixa entre 6 e 12.
Boi Verde
Para se ter um “boi verde”, a maior parte da alimentação deve se restringir ao pasto. Em momentos no qual o pasto não supra as necessidades do boi, é feita uma complementação com grãos e sal mineral. No Brasil é proibido o uso de hormônios e é feito o abate humanitário. O Ministério da Agricultura, junto com a Sociedade Mundial de Proteção Animal, tem uma série de diretrizes para evitar o estresse do animal e seu sofrimento, como a sangria e morte só ocorrerem depois de bloqueada a sensibilidade do animal.
Cortes poliglotas
Há grandes diferenças entre os cortes da América do Sul e dos Estados Unidos. Isso porque o boi é cortado de maneira diferente. Lá o corte é automatizado e aqui usamos mais mão de obra, o que resulta em cortes mais específicos. Confira algumas diferenças de nomenclatura. Lembrando que alguns cortes não encontram correspondência em outros países*.
PORTUGUÊS INGLÊS ESPANHOL
Raquete Oyster Blade Marucha
Miolo ou Coração da Paleta Shoulder Heart Centro de Carnaza de Paleta
Acém Chuck Aguja
Peito Brisket Pecho
Costela do dianteiro Ribs Roast Sobrecostilla
Fraldinha Skirt Steak Vacio
Mignon com cordão Tenderloin Lomo
Filé de costela Rib Eye Bife Ancho
Alcatra com picanha D-Rump Cuadril com tapa
Coração da alcatra Rump Heart Cadera/Cuadril com tapa
Fraldinha Skirt Steak Vacio
Prime Rib: tradicional dos Estados Unidos, ele é da mesma porção do filé de costela, mas com osso
T-Bone: inclui uma parte do contra-filé de um lado do osso e a parte central do filé mignon.
Short Rib Steak: do dianteiro, ele é composto pelo miolo do acém e parte da costela
New York Strip: seria o mesmo que um bife de tira sem osso
PorterHouse: composto pelo New York Strip e o filé mignon, ele é quase o dobro do T-Bone.
Fontes: Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec) e Angus Young Clube de Carnes.
Maturação Dry Aged
O Dry Aged é um processo que tem por característica tornar a carne mais macia. Marcos Canan, da Bull Prime, explica que a carne do animal recém-abatido vai para uma “geladeira” na qual são controladas a umidade (de 50% a 70%) e a temperatura (de 0 grau C a 2 graus C), além de estar sujeita a uma ventilação forçada. Com isso, as enzimas da própria carne rompem as fibras musculares (que dão resistência à carne), tornando-a mais macia. “É um processo semelhante ao de marinar a carne”, completa. Mas sem aditivo algum.
O Dry Aged, segundo Canan, equaliza dois fatores: sabor e maciez. Os animais mais jovens têm a carne mais macia, porém com menos sabor. Já os mais velhos têm a carne mais saborosa, mas menos macia.
O ideal é que a carne maturada seja consumida em torno de 30 dias. Mas há carnes maturadas com 60, 90 dias. “Eu já experimentei uma carne maturada com 375 dias, mas ela perdeu muito. Outra com 115 dias estava com uma maciez absurda e um sabor super intenso, amendoado”, diz Canan. Outra dica é consumi-la malpassada. Ela pode ir na grelha ou na frigideira com manteiga e ervas.
Durante o processo a carne passa por fases. “A cada 30 dias é um novo sabor”, garante Canan. Em 30, 60 dias, é um toque amendoado, que lembra o azeite de oliva. Com 60 para 90 dias, é mais intenso. Que lembra queijo e mais caramelizado, explica. O gosto umami fica bem presente.
Outra curiosidade é que antes de consumir a carne, é retirada a “capa”, parte que foi submetida à umidade, temperatura e ventilação. É como se a carne fosse “descascada”. ”A gente perde de 40% a 50% da carne depois de limpá-la”, explica.
Os Wessel implantaram a carne maturada em 1969. István conta que aprendeu sobre a maturação em um frigorífico na Holanda. “O nosso maturado é úmido, embalado à vácuo e conservado a uma temperatura de zero grau. Com isso, a carne fica preservada por mais tempo. É totalmente natural”, explica.
Serviço
Seculus Antiguidades. R. Treze de Maio, 269 – Centro — (41) 3233-2033. Mercado das Pulgas. Av. Silva Jardim, 57 – Rebouças — (41) 3333-3937. Incepa (representação). Rua Fernandes de Barros, 491, sala 4 – (41) 3022-7160. Caçadores de Relíquias e Antiguidades Curityba. Rua Padre José Lopacinski, 755 – (41) 3088-6202. Tabuas Steppenwood – (41) 99175-3659. Facas Milton Cuteleiro – (41) 99529-0105.