Negócios e Franquias
Miolo cresce no exterior com lojas próprias na China e entrada em países sem tradição no vinho
Com mais de 10 milhões de litros de vinho produzidos ao ano no Brasil, a Miolo, de Bento Gonçalves (RS), é hoje a maior vinícola nacional exportadora da bebida, segundo dados da Ibravin. Presente em 32 países, as vendas internacionais respondem por 10% do faturamento da vinícola gaúcha.
Embora a pandemia do novo coronavírus tenha frustrado a expectativa de aumentar em até 40% a presença internacional, os planos de expansão da Miolo seguem mantidos. E isso inclui ampliar a quantidade de lojas próprias na China, de 15 para 300 em 10 anos, e levar os vinhos brasileiros a países com pouca ou nenhuma tradição de consumo da bebida -- Rússia, Nigéria e Guatemala já começaram a receber carregamentos da marca.
Nestes países a Miolo vende rótulos das linhas Alísios e Seival, criadas especialmente para a exportação e produzidas na cidade de Candiota, na Campanha Gaúcha (RS). São 1,3 milhão de litros de vinho produzidos em mais de 200 hectares de vinhedos próprios, com forte controle de qualidade e manejo das uvas e do beneficiamento.
Em duas entrevistas ao Bom Gourmet Negócios antes e depois do agravamento da pandemia do novo coronavírus, o gerente de exportação do Grupo Miolo, Anderson Tirloni, falou sobre como a venda de vinhos para outros países é facilitada pela isenção de impostos para a saída do Brasil, o que ajuda a competir no mercado internacional. Veja alguns dos principais trechos da entrevista, que explica também como outras vinícolas e empresas brasileiras podem fazer para vender para fora do país em par de igualdade com grandes rótulos estrangeiros.
Bom Gourmet Negócios: O que levou a Miolo a levar para outros países os vinhos brasileiros que, até hoje, não é reconhecido como um produtor considerável da bebida?
Anderson Tirloni: Começamos a exportar os nossos vinhos em 2003 através de uma parceria com a churrascaria Fogo de Chão, nos Estados Unidos. Lá foi o nosso primeiro mercado justamente para mostrar que o Brasil produz mais do que apenas cachaça, que é o que somos mais conhecidos por outros países. Aos poucos o comércio exterior foi crescendo, começamos a participar de rodadas de negócios nas grandes feiras internacionais, vimos o que o mundo queria dos nossos vinhos, e hoje estamos em 32 países nas Américas, Europa, Ásia, África e Oceania, inclusive em mercados tradicionais como França, Itália, Espanha, Chile, Argentina, Austrália, entre outros. A França, aliás, é o maior mercado dos nossos espumantes.
Praticamente todos estes países foram fortemente atingidos pela pandemia do novo coronavírus, com quarentenas e bloqueios totais que impediram as pessoas de saírem de casa e irem aos restaurantes. Quanto a exportação de vinhos da Miolo foi afetada pela queda brusca do movimento?
Nós começamos muito bem o ano de 2020, tínhamos uma expectativa muito boa pelo avanço de janeiro e fevereiro. Mas em março tudo mudou. Como dependemos 100% de restaurantes lá fora e o vinho brasileiro não é visto em supermercados, as vendas deram uma parada significativa. Conseguimos manter o faturamento dos pedidos já feitos até maio, mas agora a expectativa é de que novos carregamentos sejam encomendados só para agosto ou setembro. Assim, a exportação foi revisada para o nível do ano passado, não mais o crescimento de 30 a 40% previsto para 2020. Se conseguirmos encerrar no mesmo nível de 2019 já vai estar bom. (A Miolo não divulga números de faturamento).
O que isso muda nos planos de expansão da Miolo fora do país?
Apesar de não crescermos mais o que esperávamos para este ano, não vamos mudar nossos planos pelo menos por enquanto. Mantemos a previsão de investimentos na China, até porque o mercado lá está reabrindo. No geral, é impossível falar sobre o crescimento para os próximos anos, até porque não estamos podendo participar de nenhuma feira e nem visitar clientes lá fora. Vai depender de como a vida vai voltar ao normal no ano que vem e o impacto que vai ter nos próximos anos, com os importadores girando ou não os pedidos e os consumidores voltando ou não a consumir. Ainda é tudo incerto, e há ainda a questão dos produtores que continuam produzindo vinhos, como na França e na Itália, que também vão disputar o mercado na volta. O que eu espero é que os clientes voltem com força quando os restaurantes retomarem as operações.
O Brasil nunca teve uma tradição vinícola como os países europeus ou mesmo os vizinhos sul-americanos, e isso ainda está amadurecendo. Segundo dados do antigo Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) junto da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), a exportação da bebida cresceu 177% entre os anos de 2015 e 2018. Ou seja, o mundo descobriu o potencial do vinho brasileiro. Mas o que foi preciso para isso?
Depende muito do país que estamos negociando ou começando a vender os nossos vinhos. Por exemplo, no Reino Unido (2º país que mais compra vinhos da Miolo) temos apenas 10 vinhos do nosso portfólio geral e um da linha de exportação Alísios, criada apenas para o mercado internacional. Ela está também nos Estados Unidos, Nova Zelândia, entre outros. Já na Nigéria, a partir deste ano, entramos com a linha Miolo Seleção (disponível no Brasil) adaptada ao paladar deles, mais suave. O catálogo de exportação tem rótulos comercializados aqui e linhas voltadas especialmente para o mercado externo, como o Alísios e quase todos da linha Seival como cabernet sauvignon, merlot, riesling, entre outros – apenas os rótulos de sauvignon blanc e o tempranillo são vendidos também no mercado interno.
Como é a relação da Miolo com a China, onde foram abertas 15 lojas-conceito da marca e há a expectativa de chegar a 300 unidades em 10 anos?
Todo mundo sabe que a China é um dos maiores consumidores de vinhos do mundo e representa o maior mercado entre os países importadores dos rótulos da Miolo (30%). Estamos lá desde 2011 e o importador local viu que seria vantajoso abrir pontos de venda específicos da marca para conquistar mercado. Hoje estamos na China com 33 rótulos da marca Miolo e da linha Seival, desde os vinhos de entrada até os ‘top qualities’ (mais elaborados), vendidos nas lojas próprias onde os clientes podem provar as bebidas antes de comprar. Começamos pela cidade de Shangai, que hoje tem três unidades, e expandimos para as províncias de Guangzhou, Hainan e Jiangxi. Foi um meio que o importador encontrou para diferenciar e trabalhar a marca Miolo dentro de um mercado muito grande, onde tudo é muito superlativo. Nas grandes lojas já existentes, é preciso fazer um investimento muito grande para se destacar entre as outras marcas. Na capital, Beijing, ainda não temos loja própria, mas estamos em busca de um investidor.
A gente tem uma percepção de que vinho brasileiro é caro até mesmo aqui no Brasil, mas como a bebida sai isenta de impostos, acaba custando menos lá fora. Como é a questão de preço tanto nas lojas próprias da Miolo na China e no resto do mundo?
Isso entra um pouco no motivo da abertura dessas lojas-conceito na China. Além de pagar caro para se destacar nas lojas multimarcas, também teríamos uma concorrência muito grande com os vinhos do Chile e da Austrália, que os governos têm acordos comerciais isentando o imposto de importação. Sairíamos perdendo no custo do produto. No entanto, acabamos ganhando na questão de proporcionar uma experiência ao consumidor, onde ele pode conhecer mais sobre o Brasil e os vinhos que produzimos. No restante do mundo, o valor final acaba ficando muito similar ao que se cobra aqui, já que também há impostos de importação, de consumo de bebidas alcoólicas e custos de logística. Tudo depende da legislação local.
“Não é que é mais vantajoso exportar do que vender no mercado nacional. Vai ser mais caro no Brasil por causa dos impostos, mas o dinheiro vai retornar para a nossa sociedade do que para o governo de outro país”, diz
Onde mais a Miolo quer chegar no mundo? Quais são os próximos mercados para os vinhos nacionais?
Em questão de mercados promissores para os nossos vinhos, não há muito mais além destes que já estamos, tanto que não temos uma grande meta de ampliação para novos países. O que pretendemos é reconquistar algumas nações que já vendemos no passado e que, por questões variadas, não estamos mais, como a Dinamarca e a Holanda; lugares que tem monopólio de comercialização, como Suécia, Noruega e Finlândia; e mercados que podem comprar mais, como a própria China. Acredito que temos potencial de aumentar o nosso faturamento de exportação dos atuais 10% para até 30%, mas isso ainda vai levar muitos anos de investimento e trabalho da nossa parte. Mas também um trabalho institucional do Brasil como um todo nesse mercado de vinhos, e não apenas da nossa vinícola.
Como outras vinícolas brasileiras podem tentar marcar presença no mercado internacional de vinhos? Qual o caminho para esse trabalho institucional?
Para começar, a vinícola tem que fazer uma pesquisa para ver se o que produz atende ao mercado exterior. Por exemplo, se a marca produz apenas vinho de mesa com uvas americanas, não vai nem conseguir pisar no mercado europeu, é proibido de exportar este tipo de bebida. O empresário precisa estudar bem o que produz e o que o mundo pode querer dele, entender os padrões internacionais de qualidade de produção e de manejo, e ter certeza de que vai conseguir suprir a demanda prometida. Um erro pode significar uma saída rápida do mercado sem chance de volta. Uma recomendação importante é consultar a Apex-Brasil sobre as exigências internacionais para o mercado de vinhos e espumantes, e o que o empresário deve fazer para adaptar a sua produção a elas. Também vale participar das grandes feiras de vinhos [previstas para serem retomadas no ano que vem], é onde ocorrem as rodadas de negociações que podem abrir novos mercados consumidores.
“Os estrangeiros gostam muito dos nossos espumantes, que têm um frescor e uma acidez muito destacados. Brancos frutados e com nível alcoólico mais baixo também fazem sucesso, além dos vinhos de guarda fáceis de beber”, completa.
Ao todo, as marcas da Miolo produzem vinhos em quatro regiões brasileiras: Candiota (RS), na Campanha Gaúcha, para as linhas Alísios e Seival; Bento Gonçalves (RS), no Vale dos Vinhedos, para a Miolo Seleção, Cuvée, Millésime e Cuvée Giuseppe; Santana do Livramento (RS) para a Almadén, e Vale do Rio São Francisco (BA) para a Terranova. Estas duas últimas exclusivas para o mercado nacional.