Negócios e Franquias
Marcas vão ao varejo para ganhar mercado e compensar perdas provocadas pela pandemia
A chegada da pandemia do coronavírus ao Brasil fez acelerar uma tendência que já vinha crescendo timidamente nos últimos anos: a busca de marcas e restaurantes por novos formatos de venda, principalmente o varejo.
O chamado canal off trade foi uma das saídas encontradas por lanchonetes, restaurantes e cervejarias com uma estrutura mais desenvolvida para rentabilizar os estabelecimentos fechados pelas regras de distanciamento social. Mas também para incrementar as vendas das marcas que já atuavam nele.
Na cervejaria curitibana Maniacs, por exemplo, o varejo já é responsável por 55% do faturamento, com um crescimento de 20% desde o início da pandemia. A marca, que já atuava no off trade desde a abertura há três anos, também foi afetada pelo fechamento dos bares e restaurantes e passou a rever os produtos que oferecia no on trade para adaptar ao varejo.
"Algumas cervejas que íamos lançar em chope foram colocadas na geladeira, não faz sentido lançarmos agora com os bares fechados, e estamos estudando novas embalagens de venda para o consumidor final", disse Iron Mendes, CEO da Maniacs, durante a live Mercado Gastronômico, do Bom Gourmet Negócios.
Nesse movimento de fortalecer o varejo, a marca passou a disputar mais espaço nos supermercados com as grandes cervejarias e incrementou a venda de growlers de 1 litro.
Pastel em casa
O caminho foi o mesmo encontrado pela rede de pastelarias Bangalô, que viu as vendas nas nove lojas no Paraná e Santa Catarina despencarem 40% nos últimos três meses de pandemia. Por outro lado, o varejo ao consumidor final triplicou no período segundo Bráulio Augusto Pedrotti, diretor administrativo da marca.
"Esse nicho de mercado nos ajudou a manter as contas no azul durante esse período de pandemia, e já responde por 40% do faturamento", comenta.
A ida da rede Bangalô ao varejo não foi à toa, já que a marca criada há 12 anos na cidade litorânea de Guaratuba (PR) precisou construir uma verdadeira fábrica de pastéis quando a demanda cresceu tanto a ponto de atrair investidores de outras cidades. Há quatro anos, os sócios adotaram o sistema de franquias para expandir as operações.
Da cozinha central saem mensalmente 7 toneladas de recheios e 6,5 toneladas de massa de pastel, sendo 40% voltados apenas ao varejo. Nos supermercados em que atua nas cidades de Guaratuba, Curitiba e Florianópolis, são vendidos em média quatro mil quilos de massa e mais de 8,9 mil pastéis prontos congelados.
A fábrica ainda tem uma capacidade ociosa que permite dobrar o volume produzido, já que a marca tem planos de chegar às grandes redes supermercadistas do Paraná, principalmente na capital, Norte e Noroeste do estado. As negociações, interrompidas por causa da pandemia, devem ser retomadas no segundo semestre.
Acelera os planos
Conhecida das praças de alimentação de shoppings centers do Paraná, Santa Catarina e São Paulo, a rede de trattorias expressas Spedini também está de olho no varejo para diversificar os canais de distribuição. A marca começou a estudar o formato há um ano, mas precisou colocá-lo em espera quando implantou o serviço de delivery em algumas lojas.
A ideia foi retomada em meados de fevereiro, interrompida de novo por causa da pandemia que fechou os shoppings centers por mais de dois meses, e agora já caminha a passos mais acelerados segundo a gestora da rede, Juliana Titon.
"Essa situação toda mostrou como é muito frágil operar apenas em lojas físicas de shoppings, e isso [varejo] pode ajudar muito a nos mantermos em pé, pois não sabemos quando tempo vai ficar fechado ou aberto", comenta.
Juliana conta que todo o cardápio da rede está sendo testado para a venda no varejo, mas só os pratos que mantém a qualidade de congelamento e descongelamento em casa é que vão efetivamente para as gôndolas. Entre eles estão as lasanhas de quatro queijos, frango, tradicional e bolonhesa, mas o carro-chefe da marca, o Penne Spedini, está em análise para ser adaptado ao formato.
"Os pratos serão preparados por uma cozinha industrial parceira nossa, com todas as fichas técnicas desenvolvidas pela nossa equipe de modo que fique igual ao servido nas lojas", explica.
Os preparos vão passar por um processo de ultracongelamento a -20° e embalados em embalagens individuais especiais que não afetam o sabor final e possam ir ao forno ou ao microondas. A expectativa é de que os congelados Spedini cheguem aos empórios e lojas de conveniências até agosto -- os supermercados não estão nos planos da marca neste momento.
Grandes no varejo
O varejo também está sendo a saída encontradas por grandes redes de restaurantes, mas com pratos mais modestos para o dia a dia. O Madero, que já vinha vendendo pães, hambúrgueres e temperos para preparar os sanduíches em casa, levou ao delivery e às lojas próprias 11 opções de pratos-feitos congelados semelhantes aos das gigantes da indústria de alimentação.
Chamada de PP, ou Pratos Prontos, a nova linha do Madero começou a ser vendida em meados de março e tem opções como o picadinho de carne com feijão carioquinha acompanhado de arroz branco, estrogonofe de frango, berinjela parmegiana, entre outros, na faixa de R$ 11,90 a R$ 21,90.
"Os pratos foram desenvolvidos por nós mesmos para alimentar a nossa equipe de funcionários em todo o Brasil, e aí com a crise e o isolamento vimos a oportunidade de levar essa refeição prática e bem balanceada também para a casa dos clientes", conta Rafael Mello, vice-presidente de operações da rede.
Mello conta que as vendas estão acima do esperado, em torno de 3,4 mil pratos ao dia em todo o país (1,4 mil só em Curitiba). Há ainda 6 mil pratos diários aos funcionários da rede, todos produzidos na fábrica central de Ponta Grossa.
A expectativa é avaliar periodicamente as opções vendidas e oferecer novos preparos de acordo com a receptividade do público. Os pratos são vendidos apenas pelos aplicativos de delivery e nas mais de 200 lojas da marca pelo país -- o Madero não pretende levar a linha de pratos-feitos aos supermercados.
Além do Madero, a churrascaria curitibana KF também encontrou um novo caminho levando o açougue para dentro dos condomínios. O varejo de vizinhança do KF Honesty comercializa todos os produtos necessários para preparar um churrasco em casa, como carnes, carvão, temperos, etc.
Mercadinho fast food
As redes de fast food também começaram a diversificar as operações para ampliar o mercado afetado pelas regras de distanciamento social. O McDonald's, por exemplo, passou a vender lanches das lojas do estado de São Paulo nas plataformas de varejo da Americanas.com recentemente. Se o projeto atingir os objetivos, a marca deve abrir novos canais de venda.
Já a rede Subway começou a implantar em junho o Subway Market, uma espécie de 'mercadinho de bairro' vendendo separadamente os ingredientes usados no preparo dos sanduíches, sem precisar comprar um lanche inteiro. O formato está disponível em cerca de 300 lojas espalhadas pelo país oferecendo insumos como pães, molhos, queijos e proteínas a partir de R$ 3.
A iniciativa começou a ser testada nos Estados Unidos logo no início da pandemia, e no Brasil em meados de maio. Segundo Gabriel Ferrari, diretor de marketing do Subway Brasil, o objetivo foi suprir as necessidades de abastecimento de alguns produtos para as pessoas que moram nos arredores dos restaurantes.
"Além disso, conseguimos atender pedidos de diversos consumidores de levar para casa os nossos ingredientes", conta em entrevista por e-mail.
Os ingredientes do Subway no formato de mercado variam de uma loja para outra, e podem ser pedidos por aplicativos de delivery ou retirados no balcão (take away) em embalagens apropriadas lacradas. A venda de sanduíches continua normalmente para os restaurantes que permanecem abertos, em conformidade com as recomendações das autoridades e órgãos de saúde em cada região.
Fora do mercado
Por outro lado, o varejo não foi vantajoso para algumas marcas. A rede curitibana de restaurantes de frutos do mar Bar do Victor chegou a operar durante nove anos a linha Surgelés de pratos prontos congelados. No entanto, o restaurateur Chico Urban explica que não foi viável continuar neste mercado pela dificuldade em chegar a um preço competitivo.
"O custo dos pratos era alto, seguíamos o mesmo padrão dos restaurantes, e para comida congelada os clientes achavam caro. E os supermercados precisvaam comprar muito barato para ter margem na revenda", conta.
Além disso, Urban afirmou que seria difícil criar uma planta exclusiva para produzir os pratos com a baixa rentabilidade, e que precisava focar mais na operação dos restaurantes da rede. A linha Surgelés era vendida em supermercados de Curitiba de 2009 a 2018.