Negócios e Franquias
Clube de assinaturas vende hortaliças produzidas em fazenda vertical no meio de São Paulo
Imagine que você, mesmo morando em um grande centro urbano ou num local com clima pouco favorável à agricultura, possa receber em casa hortaliças produzidas sem agrotóxicos, que não precisam ser lavadas antes do consumo e foram colhidas apenas poucas horas antes de chegarem no seu prato.
Essa é a experiência possibilitada por uma técnica de cultivo “vertical" de hortaliças em ambiente fechado, que pode ser reproduzida em praticamente qualquer lugar, já que dispensa o uso do solo e é completamente independente das condições climáticas externas. Parece um filme de ficção científica, mas a experiência acontece aqui mesmo em solo brasileiro, e já é aprovada por cerca de 150 famílias da cidade de São Paulo.
Em funcionamento desde novembro, no bairro do Ipiranga, a fazenda vertical da empresa 100% Livre produz duas toneladas de alimentos por mês, e tem capacidade para chegar a 13 toneladas mensais. Do espaço de 48 m² saem diversos tipos de alface, rúcula, hortelã, manjericão, tomilho e sálvia e, em breve, os morangos, tomates e pimentões vão entrar para o grupo.
A técnica é fruto de uma parceria entre a 100% Livre e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Os vegetais são produzidos em "andares” dentro de um pequeno galpão, com temperatura, umidade, gases e iluminação controlada, são testados frequentemente e recebem exatamente o tanto de nutrientes que precisam para crescer saudáveis e nutritivos.
Segundo Ítalo Guedes, pesquisador da Embrapa, a hortaliça idêntica à criada em solo, com o diferencial de que há a certeza que todos os nutrientes que a planta precisa estão sendo fornecidos. No solo, conta, não há como ter essa certeza.
"Além disso, a maior parte das pragas e doenças que podem acometer a planta chegam pelo solo, então também eliminamos esse problema, acabando com a necessidade de usar pesticidas e agrotóxicos”, explica.
Problema e solução
Esse tipo de cultivo ainda é pouco desenvolvido na América Latina, que tem grandes áreas disponíveis para agricultura, e por isso a iniciativa é bastante pioneira por aqui. A ideia de investir nessa tecnologia surgiu da necessidade do empresário Diego Gomes, que procurava alimentos saudáveis para o o filho, mas tinha dificuldades com os orgânicos.
“Quando meu filho começou a comer papinhas, a gente sempre procurava alimentos orgânicos, mas era tudo mais difícil, nem sempre encontrávamos o que queríamos, porque dependia do clima, da chuva... Nem sempre a ‘cara' da hortaliça estava boa. Então um dia me deparei com uma notícia sobre uma fazenda vertical no Japão e decidi pesquisar sobre isso”, conta o empresário, que também toca uma empresa de publicidade.
Sem experiência prévia no ramo de cultivo de alimentos, Gomes procurou a ajuda da Embrapa e firmou uma Parceria Público Privada. Em março de 2020 ele montou um laboratório e a empresa pública iniciou os testes com diversos tipos de hortaliças. Em meados de agosto os testes já eram bastante positivos e o galpão para a produção comercial começou a ser montado em São Paulo.
Custo alto, mas retorno rápido
Ítalo explica que, em fazendas verticais, as plantas têm que ter um porte menor e um ciclo de produção rápido, pra que o produtor possa fazer várias colheitas ao ano pra pagar o investimento inicial, que é alto.
“Tecnicamente, podemos produzir praticamente qualquer coisa. Mas economicamente nem tudo é viável”, diz.
Os custos de implantação não são revelados pelo empresário, mas ele afirma que partem da casa dos R$ 100 mil para uma produção mínima. O retorno, no entanto, vem rápido, segundo ele. Apesar de não ser rotulado como produto orgânico, as hortaliças produzidas em ambiente fechado competem com esse mercado.
O carro chefe da marca é a assinatura semanal, que começa em R$ 23,99 por dois pés de alface e um tempero, e vai até R$ 60 por quatros pés de alface, dois temperos e duas folhas. As hortaliças avulsas partem de R$ 4,99 pelo maço de “salsinha cheirosa”.
“Ninguém vai pagar mais caro porque a planta cresceu no ar condicionado, o que traz valor pro nosso produto é a garantia de não ter agrotóxicos, ser extremamente fresco e não precisar de higienização, já que o ambiente é totalmente controlado, não tem contato direto com o mundo exterior. Além disso, temos a garantia de que o alimento vai ser exatamente como se espera, bonito, no tamanho certo”, afirma Diego.
Para 2021, os planos do negócio envolvem firmar a clientela na capital paulista, expandindo o negócio para fornecer também a restaurantes e hotéis, e abrir uma nova fazenda em outra capital do país, ainda indefinida. Para os próximos três anos, a ideia é estar presente em sete capitais brasileiras.
Solução sustentável
Embora a pesquisa já tenha nascido com intenção de comercialização em São Paulo, a tecnologia desenvolvida pode ajudar a solucionar muitos problemas ligados à alimentação em meio às mudanças climáticas.
Além de não depender de clima favorável, a tecnologia permite que áreas muito pequenas se tornem muito produtivas, e também não depende de grande disponibilidade de água.
“Um metro quadrado de cultivo indoor corresponde a dezenas de metros quadrados em campo aberto. A produção, hidropônica, também usa quase 90% a menos de água do que cultivos normais”, afirma o pesquisador da Embrapa.
Entre os desafios apontados, no entanto, o principal está no custo. A atividade envolve tecnologias como sensores de condições ambientais e iluminação artificial que ainda não são encontrados no Brasil.